sexta-feira, 30 de outubro de 2020

LIÇÃO 5: O LAMENTO DE JÓ

  


COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Na lição anterior vimos de perto o drama vivido por Jó. Uma série de calamidades se abateu sobre ele de forma catastrófica. Do estado de riqueza e prosperidade, Jó passou a viver na adversidade; seus amigos foram para consolá-lo, mas ficaram sem palavras ao contemplarem seu debilitado estado de saúde. Entretanto, depois de sete dias, ele rompeu o silêncio com um lamento que veio do fundo da alma. Nesse lamento Jó mirou o dia de seu nascimento e, através de três perguntas, desabafou tudo o que sentia naquele momento: Por que nasci? Por que não nasci morto? Por que ainda continuo vivendo?

Nesta lição veremos a reação humana diante do sofrimento. Perceberemos que não há qualquer indício de que Satanás tivesse alcançado êxito diante de Jó. Na perspectiva do patriarca, se Deus era a causa de sua vida, deveria também ser a causa de sua morte, pois se dEle vinha o bem, também deveria vir o mal. – Antes de Jó levantar o seu lamento, ele recebeu a visita dos seus amigos. Sensibilizados com as calamidades que sobrevieram a Jó, os seus três amigos, Elifaz, Bildade e Zofar, vieram visita-lo. Não há nada no texto que demonstre que esses amigos não estivessem movidos de boas intenções nessa visita. Todavia, à medida que o debate acontece entre eles e Jó, o clima de animosidade fica evidente. Nesse momento, eles queriam “condoer-se” com o patriarca que perdera tudo, inclusive a saúde. “O termo hebraico para “amigo” (rea) refere-se a um vizinho, um amigo ou um colega. Pelos discursos subsequentes, parece evidente que esses três homens são colegas intelectuais de Jó como professores de sabedoria. No entanto, a intenção principal deles em se encontrar com Jó não é acadêmico, mas pastoral, pois eles passam a simpatizar com ele para que possam lhe confortar” (ESTES, 2013, p. 684). Portanto, entendemos que no momento de sofrimento e angústia, todos precisam de uma mão amiga. Chorar com os que choram é um mandamento bíblico (Rm 12.15)

   I. PRIMEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NASCI? (3.1-10)

1. “Por que nasci?” A dor de Jó era profunda e somente a poesia podia expressar toda a carga emocional vivida por ele. Nesse poema, os dez primeiros versículos do capítulo três são a respeito do primeiro questionamento de Jó: Por que nasci? Esse questionamento sai do íntimo de Jó, assim como ocorre com a alma do salmista (130.1). Da mesma forma, o profeta Jeremias expôs os sentimentos diante de seus conflitos (Jr 20.14-18). Nesse sentido, o patriarca não está sozinho em lamentar diante da dor.

2. Que em lugar da memória viesse o esquecimento. Neste momento de dor, Jó não amaldiçoou a Deus, como Satanás previra; em vez disso, amaldiçoou o dia de seu nascimento. No lugar de ser ocasião de grande celebração pelo dia do nascimento de criança, Jó amaldiçoou esse dia por ocasião do grande sofrimento e decepção. Para o homem de Uz, esse dia teria de ser apagado da memória. Não é assim que muitas vezes nos sentimos? Um dia em que tudo foi mal e temos desejo de nunca mais lembrá-lo.

3. Que em vez da ordem viesse o caos. Mencionamos o desejo de Jó para que o dia de seu nascimento não tivesse entrado no calendário e, que dessa forma, tanto esse dia como essa noite jamais tivessem existido. No lugar da luz que raiou por ocasião do nascimento dele, e que revelou todo seu sofrimento, o patriarca desejou que as trevas dominassem (vv. 4-7). E por quê? Porque em vez da paz veio a dor; em vez da ordem, o caos. Desse raciocínio, Jó menciona a imagem do Leviatã. Este famoso e assombroso animal marinho simbolizava o caos. O homem de Uz recorre a essa imagem para ilustrar o momento tenebroso que estava vivendo. A lógica é simples: Se Deus não tivesse feito aquele dia, ele não teria sido concebido e, portanto, não passaria por tudo isso. Nesse sentido, o Novo Testamento revela como nosso Senhor é misericordioso e nos trata com amor e ternura nos momentos de tribulação e angústia, pois aos pés da cruz é o melhor lugar para derramar a nossa alma (cf. Jo 11.32,33). Depois de sete dias e sete noites na presença dos seus amigos, que nada lhe disseram, Jó abriu a boca em um profundo lamento. Ele amaldiçoou o dia do seu nascimento. Jó era um homem em conflito! De um lado, estavam os seus amigos representando a teologia tradicional, fundamentada numa lei de causa e efeito. O justo não sofre nem passa por adversidade; se sofre e não prospera, é porque pecou. Por outro lado, a teologia de Jó também conflitava com a sua experiência. Ele sabia ser íntegro e reto, todavia estava sofrendo! Será que Deus o teria rejeitado e abandonado? Aqui está o dilema de Jó. A sua teologia dizia uma coisa, mas a sua experiência dizia outra. Os seus amigos ainda não haviam falado, mas, sem dúvida, Jó conhecia a forma de pensar deles, que não era muito diferente da sua até então. Era um consenso na teologia tradicional daqueles dias que Deus sempre recompensa os bons, mas pune os maus. Isso ficará mais claro quando começa o debate de Jó com os seus amigos, mas o que Jó estava experimentando agora conflitava com essa teologia. Pereça o dia que nasci – Essa forma de lamento não era incomum dos povos do Antigo Oriente. Jeremias, por exemplo, também fez um lamento semelhante (Jr 20.14-18). Assim como Jó, Jeremias sentiu-se rejeitado, Jeremias, pelo seu próprio povo, e Jó, pelo seu próprio Deus. Converta-se aquele dia em trevas – O sofrimento de Jó era intenso. Toda angústia e sofrimento não existiriam se ele não tivesse sido concebido. Isso, de fato, poderia existir se o dia do seu nascimento pudesse ser apagado. O seu desejo era que aquele dia houvesse se convertido em trevas, que equivalia a dizer: “Seja apagado do calendário”. O seu desejo era que esse dia, tendo sido apagado, não fizesse falta no calendário de Deus para completar os dias do ano. Contaminem-no as trevas e a sombra da morte – Jó usa o verbo gaal (reclame), cujo sentido é “resgatar” ou “agir como parente”. Esse vocábulo é aplicado a um parente que tem o direito de reclamar uma herança ou vingar a morte de um consanguíneo. Jó deseja que as densas trevas tivessem esse direito sobre o dia em que ele foi concebido. Dessa forma, esse dia jamais teria raiado ou existido. Em outras palavras, ele não queria resgate algum por aquele dia, que no seu entender, jamais deveria ter existido. A linguagem é poética procurando captar todo o drama e lamento do patriarca.

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Para introduzir esta lição apresente os três pontos que formam seu eixo estrutural, ou seja, os três lamentos de Jó: (1) Por que nasci? (2) Por que não nasci morto? (3) Por que continuo vivo?

Mostre a classe que essas três perguntas representam toda a angústia que se abateu sobre a alma de Jó por meio dos eventos que marcaram sua tragédia familiar, econômica e pessoal. Tais perguntas podem sinalizar o grau de estresse do patriarca, bem como do ser humano, diante de um grande caos. Os lamentos de Jó são a expressão da dor humana diante do sofrimento

  II. SEGUNDO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NÃO NASCI MORTO? (3.11-19)

1. Descansando em paz. Os intérpretes observam que o discurso de Jó a partir do versículo onze muda de amaldiçoar para reclamar. A partir desse versículo, Jó passa reclamar por não ter nascido morto. Para ele nascer morto teria sido melhor do que existir naquelas condições (vv. 11-13). Era a melhor maneira de não passar por toda aquela tribulação. Essas palavras de Jó revelam uma coisa: Ele queria descanso de todo o seu sofrimento.

O que Jó pedia era uma possibilidade real, pois muitos fetos nascem mortos (vv. 16). Para ele a morte era uma forma de descansar em paz (vv. 13-15).

2. Livre de tribulações. O dilema de Jó aumenta à medida que o seu sofrimento ganha intensidade.  Ele continua com seu argumento da “não-existência” (vv. 16-19). Ele está convencido de que se não tivesse se tornado um “ser”, nada disso estaria acontecendo. Ele desejava ter sido como um “natimorto”, um feto que nunca viu a luz (v. 16). A palavra hebraica nephel, usada no versículo 16 como “natimorto”, possui o sentido de “um aborto espontâneo” e é traduzido dessa forma em Eclesiastes 6.3 e Salmo 58.8. Aqui em nenhum momento Jó faz uma apologia ao aborto, mas usa-o no sentido metafórico de “descanso do sofrimento”. No lugar de ter sido abortado, ele nasceu e foi lançado no mundo da tribulação. O raciocino é claro: Para os que morreram cessaram as angústias e tribulações da vida presente.

3. Uma realidade para o cristão. O Novo Testamento nos ensina que enquanto estivermos neste mundo estaremos sujeito à dor, ao luto, ao sofrimento (Fp 4.11,12). Mas, ao mesmo tempo, temos uma promessa consoladora de Jesus (Jo 16.33, cf. Fp 4.13). – Antes de qualquer crítica que se faça a Jó pelo seu questionamento, é necessário entender o mundo cultural no qual Jó vivia. Jó vivia e respirava uma cultura de honra, onde ser desonrado era pior do que a morte. Era exatamente o que estava acontecendo ou iria acontecer com maior intensidade com Jó. como um homem bom, justo, piedoso e temente a Deus podia ser submetido a uma situação vexatória daquelas? Estaria ele vivendo uma espiritualidade ou religiosidade de fachada? O que as pessoas pensariam dele? E os seus amigos? Para um homem honrado, isso doía mais do que a própria morte. – Por que não morri eu desde a madre...? As questões de ordem retórica têm continuidade no argumento de Jó. ele questionara por que havia sido concebido, e agora ele indaga por que não nasceu morto. Desse ponto de diante, Jó não mais amaldiçoa, mas questiona. O primeiro questionamento é por que não morreu ao nascer. A expressão hebraica possui o sentido de “natimorto”, isto é, alguém que já nasce morto. A morte, portanto, era vista como uma libertação da dor. – Porque já agora jazeria e repousaria... Não se deve pensar aqui que Jó não tivesse perspectiva com a vida pós-morte. Em outra parte do seu livro, Jó demonstra acreditar na vida eterna (Jó 19.25). Na verdade, Jó vê a morte aqui como um grande nivelador social. Todos são iguais no túmulo. Tanto reis como príncipes e plebeus são iguais na sepultura. Não importa o que fizeram em vida.

SUBSÍDIO BÍBLICO-PEDAGÓGICO

“Por não haver a possibilidade de voltar atrás no tempo e cancelar os acontecimentos que levaram ao seu nascimento, Jó volta-se para a fase seguinte do seu lamento: Por que não morri eu desde a madre? (11). Muitos bebês nascem mortos; por que ele não teve a sorte de um deles? Os joelhos da parteira e os peitos (12) da sua mãe deveriam ter falhado em preservar a criança recém-nascida. Se a morte tivesse sido o seu destino logo no início, então suas maiores esperanças teriam sido alcançadas havia muito tempo – então, haveria repouso para mim (13). Entre os versículos 14 e 19 há observações acerca do fato de que todos os homens são iguais diante da morte. Os reis (14), os ricos (15), os maus (17) cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados. Moffat interpreta o pensamento dos lugares assolados (14) como ‘reis […] que constroem pirâmides para si mesmos’. Os presos não são mais incomodados por aqueles que os oprimiam (18) e mesmo os escravos estão livres de seu senhor (19). Em seu desespero, Jó pode apenas esperar pelo alívio que a morte poderia lhe trazer” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 34).

  III. TERCEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE CONTINUO VIVO? (3.20-30)

1. Vale a pena viver? Nessa terceira seção do capítulo três Jó faz uma quarta pergunta (3.20): “Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo?”. As outras perguntas estão em 3.1; 3.12; 3.16. A palavra hebraica amel, traduzida aqui como “miserável”, é usada no sentido de alguém cuja vida é atribulada pela miséria e que, por isso, torna-se incapaz de exercer suas funções. Em outras palavras, para Jó a vida havia se tornado intolerável.

2. Sem o favor de Deus? Jó novamente volta a indagar: “Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?” (Jó 3.23). A pergunta busca o significado do sentido de todo aquele processo. Ela busca compreender o porquê de Deus permitir o sofrimento. Aqui há um paralelo com Provérbios 4.18, onde é dito que “o caminho do justo é como a luz da aurora que brilha mais e mais até ser dia perfeito”. Na literatura sapiencial, a palavra hebraica traduzida como “caminho” é derek e se refere ao caminho da sabedoria de Deus, que conduz a vida. Para o patriarca esse fato havia se tornado um paradoxo, pois ele não sabia por que Deus escolheu para ele o caminho do sofrimento.

3. Um caminho de sabedoria e maturidade. Muitas vezes sentimo-nos iguais a Jó, desorientados, passando por uma via dolorosa do sofrimento. E, como ele, não imaginamos nem compreendemos que Deus está agindo. É preciso, porém, olhar para o alto onde Cristo vive (Cl 3.1-4). Nele, podemos manter o equilíbrio e a confiança durante a tormenta e, assim, trilhar um caminho de sabedoria e maturidade no sofrimento. – Seria um desserviço a Deus dar vida a um corpo que, ao chegar ao estágio adulto, experimentasse miséria e dor? Qual o propósito servido pelo sofrimento humano? Jó lutou com o problema do mal. Por que os inocentes sofrem? Compreendemos a lei moral da colheita segundo a semeadura. Mas tal lei não resolve o porquê do sofrimento. – Por que se dá luz ao miserável...? Aqui tem início o terceiro bloco de questionamentos de Jó. Agora, ele pergunta a si mesmo por que continuava vivo. O sofrimento faz com que o aflito e o amargurado de alma desejem a morte como uma forma de livramento. Isso não é incomum em pessoas que experimentam, por exemplo, grandes dores físicas e até mesmo psicológicas. Todavia convém dizer que querer a morte para ver-se livre da aflição é bem diferente de dar fim à própria vida. Alguns homens de Deus na Bíblia na Bíblia como Jonas e Elias, desejaram morrer quando foram submetidos a grandes tensões, mas nenhum deles pensou em tirar a própria vida, pois a vida para esses profetas era um dom de Deus e somente Ele poderia tirá-la. Deus seria sempre o agente dessa ação, e não eles próprios. Como Jó, esses homens experimentaram momentos desesperadores ou grandes conflitos psicológicos, mas continuaram lutando pela vida. O suicídio nunca deveria ser visto como um bem (At 16. 27, 28). Biblicamente, ele é sempre um mal. Em primeiro lugar, é um mal para quem o comete e, também, um mal para os familiares de quem se suicidou.

SUBSÍDIO TEOLÓGICO

“Jó veio à luz; ele foi trazido à vida (20); Jó estava perdido e Deus o encobriu (23). Tudo isso ocorre contra sua vontade ou, pelo menos, sem que ele tenha alguma oportunidade de escolha. Em sua miséria ele espera a morte. A morte seria como tesouros ocultos a serem procurados ou algo de que ele poderia se alegrar sobremaneira (21-22). Mas mesmo isso é negado a Jó. Moffat interpreta a primeira parte do versículo 23: ‘Por que Deus dá à luz a um homem que está no fim de suas forças?’ A miséria de Jó se tornou tão desmedida que seus gemidos (expressão de agonia) se derramam como água (24) em uma corrente vasta e ininterrupta. A sua vida tornou-se tão difícil que tudo que ele precisa fazer é temer por mais agonia, e isso, de fato, acontece (25). O sofrimento de Jó não tinha fim. Ele não teve qualquer oportunidade para experimentar descanso, sossego e repouso. Veio sobre mim a perturbação (26) pode ser traduzido apropriadamente como: ‘A perturbação vem continuamente’” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 34).

  CONCLUSÃO

Nesta lição vimos o dilema de Jó. Desconhecendo a razão das adversidades que se abateram sobre ele, o patriarca não negou a Deus nem o amaldiçoou. Todavia, ele expôs toda a sua humanidade, de forma que o leitor que apenas o contempla sem, contudo, participar de seu drama, tem dificuldade de entender seu lamento, principalmente, quando ele se dirige a Deus. É o lamento de um corpo ferido e de uma alma, que mesmo amando a Deus, se derrama angustiada. – No capítulo 1 do livro de Jó, Satanás argumentara que a fidelidade de Jó dava-se em razão de uma cerca que Deus havia posto em volta dele. Deus protegia Jó (1.10). Agora, Jó faz uma reclamação no sentido contrário. Ele cria que estava preso dentro das muralhas do sofrimento. A angústia cercava o patriarca de todos os lados. Por desconhecer os bastidores da tentação, Jó cria que Deus seria quem o prendera. O patriarca reclama e questiona, mas não blasfema.

REFERÊNCIAS

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1864.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 5. Rio de Janeiro: CPAD, 01, nov. 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

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