sábado, 28 de maio de 2022

LIÇÃO 9: ORANDO E JEJUANDO COMO JESUS ENSINOU

INTRODUÇÃO

Depois de falar como exercer a prática religiosa de ajudar os outros com ofertas, sem buscar exibir a justiça própria, nosso Senhor prossegue com o segundo ensino envolvendo a oração dirigida ao Pai. O destaque do Mestre divino é que nesse nível de comunhão pessoal não podemos, em momento algum, ser seduzidos pelo pecado, o qual não nos acompanha apenas quando estamos buscando ser reconhecidos pelos outros para recebermos louvores.

Frente a essa segunda ilustração de Cristo em Mateus 6.5-18, não se deve pensar que Jesus estivesse tão somente combatendo o procedimento hipócrita dos escribas e dos fariseus ou de qualquer pessoa que procura chamar a atenção para si mesma; a exortação de Jesus é para todos. O problema é que nunca olhamos para essas palavras de Cristo entendendo que elas sejam para nós, pois são pesadas. Todavia, elas são dirigidas para nós, porque o pecado tem agido em toda a humanidade gerando em cada coração egoísmo e orgulho. Muitas pessoas vivem se orgulhando porque oram muito, jejuam muito, e é nesse sentido que seremos confrontados por Cristo.

Nessa nossa caminhada para a perfeição absoluta que desejamos, a santidade final, precisamos sempre da ajuda do Espírito Santo para que nenhum ato da natureza pecaminosa, que nos acompanha sempre, tenha domínio da nossa vida (Gl 6.16). A nossa natureza carnal nos acompanhará até o dia em que seremos transformados e receberemos um novo corpo (Fp 3.21). Portanto, quer seja pastor, quer seja professor, quer seja aluno da escola dominical, por mais santo que acredite ser — ou seja —, o cristão ainda tem a natureza carnal implantada no seu ser.

Não podemos cair na tentação de pensar em pecado somente no quesito ações, pois, na verdade, ele está relacionado a um estado do coração. Por vezes, a pessoa pode estar orando ou jejuando querendo ser glorificado e exaltado por outros, sua intenção é carnal, farisaica,  hipócrita, uma vez que se apropria de elementos da prática da vida piedosa para tirar proveito. Nesse caso, tal pessoa não estará adorando a Deus, mas a si mesma.

Devemos ser conscientes de que no desenvolvimento das mais sublimes atividades de comunhão com Deus o pecado não nos deixa,  ele está ali latente em nosso ser, sua força não se sobressai porque o Espírito Santo sufoca. É claro, não há coisa mais linda, maravilhosa, do que ver um cristão de joelhos aos pés de Cristo. Isso fala tanto de  quebrantamento como de humilhação e dependência diante daquEle que está acima de tudo e de todos. Mesmo assim, o grande vilão está ali, se não vigiarmos seu poder se manifestará.

Nessa segunda seção de Mateus, com o Senhor Jesus iremos entender que para orar e jejuar da maneira correta é preciso passar pelo novo nascimento (Jo 3.3), e depender constantemente da graça do Senhor para não sermos tentados no campo da autoadoração e da autoperfeição, pois o pecado não é só uma questão de ação, atitude, ele está implantado em nossa natureza, é algo íntimo.

Nas palavras de Cristo em Mateus 6.5-18, Ele nos alerta a não cairmos na tentação da natureza pecaminosa, porque mesmo sozinhos podemos pecar, com as orações e jejuns corremos o risco de sermos hipócritas, não perante os outros, mas perante Deus. Com Jesus iremos aprender a orar da maneira certa, e não praticar orações  de modo errado.


A ORAÇÃO É UM DIÁLOGO COM O PAI


A natureza da oração Quando falamos da oração no seu sentido de submissão, estamos dizendo que a alma do orante coloca-se em total e plena dependência divina, colocamos de lado nossa capacidade, nossa limitação, nossa  inteligência e nos derramamos perante Deus cientes de que somente dEle vem o livramento, a vitória. Quando nos entregamos ao Pai em oração, a vitória é certa. Foi assim que procedeu o rei Josafá. Temendo seus adversários, ele foi sincero e se rendeu a Deus dizendo: “Ah! Nosso Deus, acaso, não executarás tu o teu julgamento contra eles?

Porque em nós não há força para resistirmos a essa grande multidão que vem contra nós, e não sabemos nós o que fazer; porém os nossos olhos estão postos em ti” (2Cr 20.12, ARA).

Quando falamos sobre a oração no sentido de submissão, ela se torna ainda mais gloriosa, pois quem a faz não está apenas querendo receber algo de Deus, visto que nela, como a alma está totalmente rendida, entregue ao Pai eterno, o que se prioriza é o realizar a vontade de Deus, nada mais.

Podemos ainda destacar mais dois aspectos interessantes quanto à natureza da adoração. A primeira, a oração é também adoração, o que envolve tanto a liturgia quanto a adoração individual como coletiva. Como adoração, a oração ultrapassa a experiência simples do pedir e do querer, ela envolve submissão e confiança irrestrita em Deus, prioriza sua vontade, seu querer e o louva pelas obras de sua criação. Nesse tipo de oração, além de desejar que a vontade de Deus prevaleça em tudo, o desejo maior é ser como Jesus (Rm 8.29).

Quanto à essência da oração, o segundo aspecto que podemos salientar é que ela é considerada como um ato criador. Ao orar, o cristão é consciente de que todas as coisas que existem foram criadas pelo poder de Deus. Isso implica também dizer que as coisas são modificadas pelo poder de Deus, como bem se vê em Gênesis capítulo 1.

Ao atentar para a expressão instrumentos modificadores, Tiago fala da importância da oração de um cristão realmente justo. Ele diz: [...] “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16, ARA). Vale dizer que não há poder no cristão para curar; isso vem por meio da oração, quando se volta a Deus pela fé, na certeza de que a operação resulta pelo seu agir. Como instrumentos modificadores, tanto o presbítero como os cristãos podem clamar a Deus por todos quantos  estão enfermos, pois essa permissão vem de Cristo Jesus.


Como os homens de Deus viviam em oração? - Não precisamos recorrer a obras clássicas cristãs para encontrarmos homens que sempre viveram em oração. É claro, jamais as desprezamos, mas o melhor é recorrer à própria Bíblia, dado que no seu conteúdo vemos homens que sempre desenvolveram no seu viver diário uma vida de oração a Deus. Quando uma pessoa aparece nas páginas das Sagradas Escrituras colocando-se em oração, independentemente do motivo, revelava sua plena confiança no poder de Deus e na certeza de que a resposta era certa, porque o Senhor sempre se interessou pelos seus filhos.

A no poder da oração revelava, por parte de um homem ou uma mulher, a confiança de que Deus entraria em cena agindo, mudando e operando poderosamente. Esse ensino sempre foi uma realidade do teísmo, ao passo que o deísmo, de modo negativo, assevera que não há interesse de Deus nos homens, mas que foram deixadas certas leis impessoais que dirigem todas as coisas. Desse modo, não intervenção de Deus na história humana, nem para recompensar, nem para castigar.

Aprendemos por meio de passagens do Antigo Testamento que homens desenvolviam comunhão com Deus por meio da oração. Os patriarcas oravam ao Senhor, faziam intercessão em favor e para o bem de outros. Dessa forma agiu Abraão (Gn 18.25-30), não somente ele, mas assim procedeu Moisés em favor de Israel (Êx 32.10,12) e Jó, em favor de seus amigos (Jó 42.8-10). Há que se analisar ainda que os homens de Deus faziam orações de petição, de gratidão, de louvor, de perdão, de comunhão e de ato de devoção (Ed 7.27; 8.22; Ne 2.4). As orações faziam parte das liturgias e, além disso, se tinha a prática das  orações diárias que eram desenvolvidas pelos servos de Deus (Sl 55.17; At 3.1; Dn 6.10).

Nas páginas do Novo Testamento, a oração era algo presente na vida particular e comunitária da Igreja. Logo que lemos Atos 1.4, vemos que a Igreja já nasce envolvida na oração, e em quase todos os capítulos desse livro se notam as orações coletivas, o que é também  reforçado por Tiago (Tg 5.13-18).

A Igreja Primitiva sabia muito bem sobre o poder da oração. Cedo eles tomaram consciência do que poderia acontecer quando oravam. Por meio da oração, eles venciam lutas, crises, contrariedades, situações adversas (At 4.21).

Nós podemos orar com a certeza de que Deus ouvirá porque nosso Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, conhece muito bem as nossas necessidades e fraquezas, pois foi vestido da nossa própria natureza, por esse motivo se compadecerá de nós (Hb 4.14). Assim, o cristão verdadeiro pode entrar com toda confiança à presença do Pai para desfrutar dos privilégios espirituais, tudo por causa de Cristo Jesus (Hb 10.19). Por meio da oração, o cristão é revitalizado, curado das doenças do corpo (Tg 5.13-18) e recebe sabedoria (Tg 1.5-8). No entanto, para que haja resposta à oração, os motivos não devem ser egoísticos, pelo contrário, devem estar alinhados à vontade do Pai (Tg 4.1-3; 1Jo 5.14-16).


A maneira de orar – Em relação à maneira certa de orar, é preciso que o cristão saiba que o mais importante não é a postura. Podemos ver que na Bíblia homens e mulheres de Deus oraram nas mais diversas posições: em pé (Mc 11.25); ajoelhado (1Rs 8.54); prostrado no chão (Mt 26.39); deitado na cama (Sl 63.6); assentado (1Rs 18.42); pendurado na cruz  (Lc 23.42). Deus nunca disse: “Orem nessa posição”. Para Ele, o que vale não é a postura, e sim os motivos — se forem sinceros, verdadeiros, buscarem priorizar o Reino, a resposta é certa.

Acima dissemos que a postura não importa tanto, porém, há uma coisa que precisamos levar em consideração: a oração de joelho representava duas atitudes humildade e entrega absoluta a Deus.

No demais, é verdadeiro o que disse Jesus, que seja a posição que for, se o coração não for puro, a oração não terá qualquer serventia, pois muitos o honravam apenas com os lábios, mas o coração estava longe dEle (Mt 15.8).

Ainda envolvendo a maneira de orar, é preciso ressaltar a necessidade de o cristão ter momentos reservados para falar com Deus. Quando lemos Lucas 18.1, Jesus falou do dever de orar sempre, isso também foi reforçado por Paulo quando falou que devemos orar sem cessar (Ef 6.18; 1Ts 5.17). Obviamente, não há nas Escrituras uma exigência quanto à prática ou lugar da oração, quantas horas ou minutos se deve orar; todavia, entendemos que ela mostra que reservar momentos para ficar a sós com Deus é de suma importância (Dn 6.10; Sl 55.17; At 3.1).

A prática de ter um momento para construir intimidade com o Pai por intermédio da oração é um bom hábito para a vida espiritual, revela também disposição, equilíbrio e disciplina na vida cristã. Além da necessidade de orar sempre, e dos momentos reservados para ficar em comunhão a sós com o Pai, lemos na Bíblia que os santos do Senhor sempre praticavam orações nos momentos das refeições ou em outras situações especiais (Lc 6.12,13; Jo 6.15; Sl 50.15).


A ORAÇÃO QUE JESUS ENSINOU


Jesus não condenou a oração em público Ao lermos Mateus 6.5, atentamos para algumas coisas importantes. A primeira é que o hipócrita gostava de orar em pé, ficava nas sinagogas e esquinas das ruas. Estar ou fazer oração em era algo normal naquele tempo, aliás, segundo alguns estudiosos, em alguns momentos, orar de joelhos em tais lugares seria visto como um ato de ostentação. Os judeus usavam praticamente três posturas na oração: em pé, de joelhos e prostrados, e eles faziam isso olhando para o Templo (1Sm 1.26; 1Rs 8.22; Mc 11.25; Lc 18.11). Histórica e biblicamente falando, essa prática perdurou entre eles inclusive na Igreja Primitiva.

A sinagoga era considerada uma casa de oração dos judeus, tanto para o culto de oração pública com o particular, que começou a existir provavelmente durante o cativeiro. As sinagogas espalharam-se pelo mundo bíblico. Nelas, adultos e crianças adoravam a Deus, oravam e estudavam as Escrituras (Lc 4.16-30). A doutrina cristã espalhou-se entre os judeus por meio das sinagogas (At 13.13-15), cuja organização e forma de culto foram adotadas pelas igrejas cristãs.

Em relação à palavra praça, que não tem base no grego, falava de  ruas ou estradas largas, fazendo assim oposição às estreitas. Em Gênesis 19.2 (ARA) aparece a palavra praça. A ideia do hebraico é de um lugar amplo, do grego agorá, qualquer assembleia, especialmente de pessoas, para debate público, para eleições, para julgamento, para comprar e vender e para todos os tipos de negócios (Mt 20.3). Como era o local em que se concentrava mais pessoas, era um prato cheio para os que gostavam de fazer espetáculos religiosos. Eles sabiam os horários em que o movimento de pessoas seria bem maior e de modo proposital se postavam nas praças para serem vistos pelos homens. Essa postura revela egoísmo e hipocrisia.

Em momento algum nosso Senhor Jesus combateu a oração em público, inclusive Paulo falou que podemos orar em todo lugar (1Tm 2.8), porém, o que Jesus combate drasticamente é a intenção impura e pecaminosa de certos judeus escolherem lugares apenas para chamar a atenção dos outros para suas práticas religiosas.


Jesus quer que sejamos discretos Como servos de Cristo, podemos adorá-lo em oração em casa, nas praças, ruas, mas em seus ensinos quanto à temática, Ele requer que tenhamos os motivos certos, sem espetáculos ou exibições como atores religiosos. É lamentável dizer, mas uma boa parte de irmãos gosta de exibir religiosidade no quesito oração apenas para que outros o vejam e digam: “Esse aí é crente mesmo”. A prática da oração com intenção egoística é prejudicial para o convívio espiritual, pois destrói a sua pureza, visto que esta não está sendo feita para Deus, mas para o benefício daquele que ora.

Em Mateus 6.6, Jesus quer que sejamos bem discretos na oração. Ele diz que aquele que realmente deseja comunhão com Deus precisa entrar no seu aposento para orar. Quarto é um substantivo neutro do grego tameîon, fala de câmara de armazenamento, depósito, um quarto interno, mas, no geral, a ideia é de uma despensa, o local de guardar alimentos. Jamais alguém ousaria procurar uma pessoa que estivesse em oração em um local como esse; somente o despenseiro da casa é que teria acesso e interesse a tal lugar. Mas se levarmos, primeiramente, para o lado literal, fala de um lugar secreto, e no aspecto simbólico é lugar de alimento; assim, quem ora alimenta sua vida espiritual com Deus.

O sentido de quarto passou posteriormente a gurar como uma sala interior da casa (Mt 24.26), porém sua ênfase no texto, conforme foi usado por Cristo, era para contrapor a maneira hipócrita dos religiosos dos seus dias em relação à oração. A importância da discrição foi tão aludida por Jesus que além de falar dessa sala secreta, Ele ainda diz que quem estivesse orando deveria fechar a porta para que ninguém o visse. Nesse tipo de oração secreta, o cristão pode abrir seu coração para Deus, expressar todos os seus sentimentos e ouvir em silêncio a voz do Senhor. A oração em secreto aponta para a oração em espírito, o qual já transformado pelo poder de Deus procura sempre viver em humildade, pois é para este que o Reino de Deus será dado (Mt 5.11). Tiago diz que o Senhor resiste aos soberbos, mas aos humildes concede graça (Tg 4.6).

Biblicamente falando, os judeus sabiam que Deus habitava no lugar secreto, que era o santo dos santos (Hb 9.3), nele só quem podia entrar uma vez por ano era o sumo sacerdote. Ora, se Deus está no lugar secreto, é preciso que o cristão o busque secretamente, e ali poderá derramar sua alma com toda liberdade, pois Deus e homem estarão a sós.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

LIÇÃO 8: SENDO VERDADEIROS

INTRODUÇÃO

Estudaremos agora uma nova seção que se inicia com o capítulo 6, no qual é destacada a vida religiosamente piedosa de um verdadeiro servo de Deus. Nas ilustrações que foram feitas por Cristo, como a primeira seção de Mateus 5.3-12, Ele falou de como o cristão em essência deveria ser. Logo em seguida, na segunda seção, é dito do seu papel e caráter perante o mundo (Mt 5.13-16). Na terceira ilustração feita pelo divino Mestre, é dito como os seus discípulos devem se relacionar com a Lei, sem qualquer pretensão legalista como faziam os escribas e os fariseus, mas tendo uma justiça superior.

Um cristão que vive as beatitudes não tem como ser um hipócrita na vida religiosa, porquanto é plenamente consciente de que desenvolve sua comunhão com o Deus onisciente e todo poderoso, que requer de cada um de nós um proceder em obediência e santidade, tanto para com Ele como perante esse mundo pecaminoso. Nessa prática de um viver sincero na vida religiosa, Tiago esclarece muito bem o que o Pai celestial espera de nós: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1.27, ARA).

Há duas coisas importantes a serem consideradas nesse versículo. A primeira é em relação ao substantivo feminino religião, que do grego é threskeía, adoração religiosa, externo, aquilo que consiste de cerimônias, disciplina religiosa, religião. A segunda está relacionada ao adjetivo puro, katharós, limpo. Só se pode desenvolver atitudes religiosamente aceitáveis diante de Deus quando o coração for realmente puro.

muitos que nas práticas religiosas manifestam externamente as mais belas canções, sermões, palavras, adoração, porém, como Jesus disse, fazem tudo isso apenas de lábios, aparência, pois o coração não é verdadeiramente do Senhor (Mt 15.8), de modo que tudo não passa de uma mera exibição, show, pura hipocrisia, querem adorar a Deus como a mulher samaritana, escondendo seus pecados e sem conserto da vida (Jo 4.16-18). Em Mateus 6.1-4 aprenderemos com Jesus como deve ser nossa vida religiosa para com Deus.

O capítulo 8 apresenta duas verdades dominantes ensinadas por Jesus Cristo: a primeira, a nossa vida de comunhão com Deus, como devemos desenvolver nossas atitudes de adoração com verdade e sinceridade; a segunda, as necessidades cotidianas de quem vive neste mundo, como, por exemplo, vestimentas, alimentação, amparo, abrigo, como usá-las sem ser dominado por elas (1Co 7.34).


O ATO DE DAR ESMOLAS E A HIPOCRISIA


Definição  de hipócrita – Começaremos definindo o termo citado: característica do que é hipócrita; falsidade, dissimulação. Ato de fingir o que a gente não é, ou não sente, ou não crê; falsidade (Mc 12.15). Do grego é hupókrisis, atuação de um artista de teatro, dissimulação, hipocrisia.

Importante atentar para a palavra hipocrisia no Novo Testamento. É bem possível que ela tenha sido influenciada linguisticamente pelo hebraico, ḥānēp, falar poluído, ímpio. No grego ático aparece o hypokrisis, que quer dizer uma resposta de um ator, aquele que desempenha um papel no palco. No Antigo Testamento, tem-se muito a ocorrência em Jó e denotava, pelas suas diversas formas paralelas, aquelas pessoas que se esqueciam de Deus (Jó 8.13) e perversos (Jó 20.5; 27.8). A Septuaginta fala de ḥānēp com diversos sentidos, em especial de iniquidade e pecado (Is 9.17; Jó 8.13; 17.8), e no livro de Jó encontra-se a palavra hypokritēs (Jó 34.30; 36.13), tratando de ímpio e impiedade.

O hypokritēs usado por Cristo aparece nos Evangelhos Sinóticos e tem um peso veterotestamentário no sentido de ímpio (Mt 22.18; 23.13-29; 24.51). Em Lucas, o sentido é de infiel (Lc 12.46), em Marcos se tem mesmo hipocrisia (Mc 12.15), e já em Mateus 22.18 e Lucas 20.23 é ainda dado o sentido da palavra como malícia e astúcia. Quando Jesus fala dos escribas como hipócritas, não estava querendo apenas dizer que eles desenvolviam um papel de atores no aspecto religioso, mas, sim, o quanto em essência eles eram ímpios, profanos.

O discípulo de Cristo não pode viver como um hipócrita ou desenvolver um papel de um ator. Paulo condena essa atuação e ensina que esse tipo de procedimento não acarreta nenhuma vantagem (Gl 2.13). Antes, o cristão deve viver de modo verdadeiro, puro, genuíno e sem qualquer prejuízo (Rm 12.9; 1Tm 1.5; Tg 3.17).

A justiça pessoal Quem passa a viver a nova vida em Cristo terá uma conduta com atitudes diferentes. Não somente isso, terá discernimento preciso e puro, sem buscar glori cação pessoal. Precisamos entender que o evangelho não pode ser mensurado a um tipo de manual do judaísmo. Tratava-se dos ensinos de Cristo em um padrão mais elevado para exemplificar como o cristão deve proceder. Jesus vai entrar no terreno do coração daquele que o segue e gerar uma verdadeira espiritualidade, levar cada pessoa a ter consciência do Deus que estava agindo em sua vida, livrar dos dogmas dos escribas e injetar um novo desejo para viver com o Pai.

Vamos começar esse tópico atentando para Mateus 6.1, que na versão bíblica Almeida Revista e Atualizada (ARA) diz: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens [...]”, enquanto na versão Almeida Revista e Corrigida (ARC) está escrito: “Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens [...]”. No texto original está assim: Προσέχετε [δὲ] τὴν δικαιοσύνην ὑµῶν µὴ ποιεῖν ἔµπροσθεν τῶν ἀνθρώπων (guardai-vos de fazer a vossa justiça diante dos homens). Observe que na versão bíblica Almeida Revista e Atualizada encontramos o termo justiça, ao passo que na versão Almeida Revista e Corrigida consta esmolas. O preferível nesse casso é a palavra justiça, que consta nos mais antigos manuscritos, pois o uso do termo esmolas vem de uma substituição bem tardia.

Entendemos que a palavra justiça era usada em certo sentido como esmola, porém, o que consta no grego é justiça, mas, segundo alguns especialistas na área do estudo do grego, diz-se que a palavra siríaca foi traduzida por justiça. Todavia, nosso foco aqui  é compreender o que Jesus queria falar quando fez menção sobre a expressão “vossa justiça”.

Nosso Senhor não estava combatendo a prática de boas obras, porque já havia ensinado que os seus verdadeiros discípulos deveriam brilhar por meio de suas boas ações (Mt 5.16), o que só é possível quando os motivos são verdadeiros, sinceros e puros no intuito de que Deus seja glorificado. A justiça pessoal que Jesus combate aqui é aquela que busca os louvores humanos, quando se faz algo para receber os aplausos.

Quando alguém faz alguma coisa firmado no egoísmo carnal, poderá receber os louvores dos homens, porém, de Deus, nada receberá. Jesus ensina aos seus discípulos e futuros seguidores que aquilo que realmente caracteriza os servos do seu Reino é a humildade (Mt 5.3), não há nenhum desejo seu de ostentação, glorificação pessoal, não quer em momento algum fazer teatro com a  fé, porquanto está ciente de que tudo que faz é pela graça de Deus, não por sua justiça própria (1Co 15.10).

As três práticas da ética cristã Os que fazem parte do Reino de Deus não vivem somente de palavras, mas sua fé se caracteriza também por meio de práticas piedosas, nesse sentido, com bom posicionamento, Tiago diz que é preciso que a fé seja seguida de obras; sem isso ela é morta (Tg 2.26). Ele ainda acrescenta que a verdadeira religião tem que desenvolver seu viver em santidade, mas também em caridade (Tg 1.27). Sabemos da importância da doutrina para os aspectos da fé, mas não podemos perder de vista as práticas de atos piedosos, o que dão prova de um cristianismo comprometido com as verdades bíblicas.

Jesus diz que quando algum de seus servos desse esmolas não deveria proceder como os hipócritas, os quais agiram como atores, postura que profanava as práticas religiosas, porque as praticavam por meio de uma demonstração teatral no propósito de atrair as multidões com seus espetáculos farisaicos.

Os seguidores de Jesus são chamados a dar esmolas, a orar e jejuar, mas nunca deveriam ter um espírito de ostentação, não deveriam tocar trombeta (Mt 6.2). Há diversas opiniões que orbitam em torno da palavra trombeta: alguns acreditam que se tratava de uma prática dos fariseus que logo ao darem esmolas tocavam trombetas para chamar atenção dos pobres; outros dizem que os pobres tocavam trombetas para chamar atenção de quem passava pelas ruas; e àqueles que afirmam que era o som do dinheiro que caía quando postono cofre das esmolas doadas nas sinagogas. Apesar de todas essas interpretações, é bem provável que tal expressão fosse um provérbio que apontava para a ostentação.

É necessário levar em consideração que Jesus não está dizendo que não se pode dar esmolas nas ruas, praças, nos templos e sinagogas, a justiça pode ser desenvolvida em qualquer lugar, não havia nenhum erro em um judeu fazer essas práticas piedosas. O grande problema é que eles faziam isso procurando os lugares mais movimentados para se exibirem de maneira egoísta querendo aprovação dos homens.

Queridos irmãos, como servos de Jesus Cristo, devemos ter em mente que Deus não somente está nos contemplando constantemente, Ele sabe também o que se passa em cada coração; ademais, é preciso saber que sua atenção não é atraída por atos exteriores, mas Ele se volta para aquele que tem um coração contrito, que o ama de verdade, que procura andar segundo a sua Palavra, que busca agradá-lo em tudo, esses irão receber a recompensa do Pai.


AUXILIANDO O PRÓXIMO SEM ALARDE


Qual é a motivação do teu coração? Servir aos pobres sempre foi uma ordem divina, o que mostra uma preocupação com essas pessoas, observe que eles também estavam inclusos nos ensinamentos de Cristo. Lendo Deuteronômio 15.10,11, entendemos que a lei judaica ordenava dar auxílio aos pobres, assim, os novos seguidores de Cristo precisariam atender essas pessoas necessitadas.

A grande questão não é dar esmolas aos pobres, mas saber o que o seu coração está pensando. Quando se pratica esse tipo de ação, como já foi dito, Jesus foi incisivo e disse que não se pode ser hipócrita nesses atos, procurando fazer algo apenas para ficar em evidência, não é assim que procede alguém que tem o coração transformado por Cristo, seu motivo na prática de boas obras não é a ostentação, pois nele está a verdade, não mais a hipocrisia.

Podemos dizer que o versículo primeiro do capítulo seis de Mateus vai ser o fio condutor do que irá se desenvolver no mesmo: não exercer a justiça própria diante dos homens, mas a justiça que irá sobressair é mais digna, está acima daquela que era proposta pelos escribas e fariseus (Mt 5.20), essa justiça mais sublime é a de Cristo implantada em nossos corações, ela é o princípio geral que dirigirá nossa vida e atos religiosos. Quem vive na justiça de Cristo jamais usará as esmolas, oração e jejum para exibição, mas terá uma qualidade de vida da qual o mundo louvará a Deus, mostrando equilíbrio e firmeza, pois, se não for assim, poderá caminhar em dois extremos: o primeiro é o da autoglorificação, o segundo é o da ausência, do medo, agindo como monges, fugindo de tudo. Quando há consciência da justiça de Cristo no coração as coisas alcançam um equilíbrio total.

O que buscamos quando auxiliamos o próximo? No auxílio ao próximo, por ser consciente do ensino de Cristo, devemos atentar para o verbo no tempo presente voz ativa modo imperativo que aparece no texto, que diz: guardai-vos, que do grego é prosécho, levar à, trazer para perto, mudar a mente para, tentar ser solícito, assistir a si mesmo, isto é, dar atenção a si mesmo, esse é o  remédio certo para não procedermos no propósito de exibirmos nossa justiça pessoal. Em nosso viver diário, em tudo o que fazemos, temos que decidir ou em agradar a nós mesmos, chamando atenção dos outros para aquilo que fazemos, ou procurar fazer tudo para a glória de Deus, o cristão verdadeiro, procura a última, porque sabe que tudo que faz deve ser para glória do Senhor.

No momento em que o crente se propõe a ajudar o seu próximo, a primeira coisa que leva em consideração é o seu relacionamento com Deus. Paulo diz que tudo quanto fizermos, seja por palavras, seja por  obras, deve ser em nome do Senhor (Cl 3.17; 1Co 10.31; 1Pe 4.11).

Ao dar prioridade a Deus naquilo que faz para com alguém, o cristão nunca agirá de modo contrário, querendo fama, popularidade, nome, reconhecimento por parte dos homens. Para viver sem qualquer intenção de exibição, da glorificação do eu, o que é preciso é só olhar para o exemplo de Cristo (Mt 11.29), e em tudo nos deu exemplo (Jo 13.15), pois em seu viver sempre procurou agradar ao Pai e fazer a sua vontade.

A maneira de ofertar segundo Jesus - “Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens...” (Mt 6.3). Observe que o versículo começa com o uso do pronome pessoal da segunda pessoa do singular “tu”, é muito enfático  o uso aqui desse pronome, ele é indicativo, o que esclarece que o novo discípulo de Cristo nunca deve proceder como os hipócritas, que buscavam a glória humana.

Cristo ensina como deve ser a maneira certa de se dar uma esmola para ajudar alguém, Ele leva em consideração não a aprovação dos homens, mas prioriza o motivo, a verdadeira intenção que impulsiona  para essa prática maravilhosa.

A expressão “ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita” (Mt 6.3, ARA), nada tem a ver como pensam alguns, que no ato de dar tal pessoa fica contando o dinheiro mudando de uma mão para outra  com ostentação. Também não se deve pensar que essa expressão seja o ato de alguém que com uma mão e de imediato tenta recuperar o que deu com a outra. Por fim, não se deve pensar que a mão direita é o símbolo da piedade, e que a esquerda é símbolo de algo errado.

Em resumo, a expressão de Mateus 6.3 é simplesmente um provérbio hiperbólico, querendo retratar o modo oculto de uma pessoa realizar alguma coisa, ou seja, ao dar esmola para alguém, tal pessoa não deve em momento algum orgulhar-se ou pensar que é boa em si mesma, nem deve buscar o reconhecimento por parte de outros por se achar alguém melhor, o correto é ficar no anonimato, levando em consideração que Deus está atento para aquilo que nos move para uma determinada atitude.


DEUS CONTEMPLA O BEM QUE REALIZAMOS


O Deus que tudo Teologicamente, Deus é descrito nas páginas da Bíblia Sagrada como um ser perfeito, luz (Jo 1.7), Ele tanto conhece a si mesmo como todas as demais coisas. Esse conhecimento divino aparece em muitas passagens bíblicas: (1Sm 2.3; Jó 12.13, Sl 94.9; Is 29.15; 40.27,28). Não se pode jamais comparar o conhecimento de Deus com o do homem, o conhecimento de Deus é arquétipo, conhece o universo antes mesmo de sua existência, ao passo que o homem o conhece da forma que lhe é apresentado, do lado de fora, é parcial. O conhecimento de Deus é absoluto, inato, imediato, sucessivo, completo, pleno e não necessita de um processo de raciocínio.

Além do conhecimento de Deus ser perfeito, também é abrangente, é denominado de onisciência, o que envolve compreensão absoluta. Deus tem o conhecimento interno de si, e, como conhece tudo que emana dEle, isto é, as coisas, não há problema para Ele com relação ao passado, presente e futuro. Deus conhece as coisas em sua essência, nada está oculto, Ele penetra, perscruta onde o homem nunca pode chegar, por mais que estude. O homem enxerga e conhece apenas o lado externo, Deus, por outro lado, conhece o coração de cada ser humano (1Sm 16.7; 2Cr 28.9,17; Jr 17.10), observa todas as ações e a conduta dos homens (Dt 2.7; 23.10; Sl 1.6). É por esse motivo que o conhecimento de Deus é perfeito (Jó 37.16).

Um exemplo claro da onisciência divina está no Salmo 139 e faremos um destaque para os versículos 1 a 6. O salmista demonstra que por meio de um relacionamento que tem com Deus, o qual sabe de todas as coisas ([...] tu me sondaste e me conheces), inclusive de pormenores de sua vida, passa a falar que o conhecimento de Deus é sem limites e perfeito. Além disso, Deus não sabe apenas alguns detalhes da vida do salmista, pelo contrário, Ele sabe de todas as coisas, como também conhece os propósitos e intenções dos corações dos homens, então, o salmista deixa claro que o conhecimento de Deus está acima da capacidade humana (2Rs 19.27; Mt 9.4; Jo 2.25).

Em Gênesis 16.13 (ARA) é dito: “Tu és Deus que vê”, assim, Ele conhece todos os nossos pensamentos e intenções do coração, o melhor é viver segundo o seu querer para não sermos condenados (Lc 16.15). O cristão que toma conhecimento da onisciência de Deus desenvolve um relacionamento com Ele em toda santidade e verdade em tudo, pois sabe que sempre está debaixo do seu olhar, de modo que para Deus não vale a hipocrisia; afinal, um dia iremos prestar contas de tudo perante Ele (Hb 4.13).

O Deus que recompensa Vimos que Deus é onisciente, tudo sabe e tudo vê, nada limita sua visão, de maneira que se alguém der uma esmola a uma pessoa em uma estrada isolada, Ele vê, caso em uma estrada bem  movimentada de pessoas, Ele vê, se for para uma pessoa desconhecida, Ele vê. Tudo isso nos ensina que ainda que aos olhos  humanos qualquer bondade feita a alguém não seja vista por outros, o Pai que está no céu contempla toda a piedade.

Aquele que exerce a justiça própria perante os homens, desenvolvendo o papel de um ator serão louvados com os aplausos humanos, mas aquele que ajuda o seu próximo com sinceridade, amor e verdade será galardoado com amor pelo bondoso Deus, como bem diz o escritor aos Hebreus: “Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos” (Hb 6.10, ARA).

Podemos dizer que a recompensa ou galardão é algo totalmente espiritual, aquele que vive de acordo com a vontade de Deus, agradando-o em tudo, recebe a vida espiritual (Sl 1.1-3), sendo como árvore junto de águas, ele dará frutos na estação própria, tudo isso aponta para uma qualidade de vida saudável no aspecto espiritual, essa realidade tem início nesta vida e se concretizará no futuro (1Jo 3.2). Jesus tinha consciência de um galardão, por isso suportou a cruz (Hb 12.2). Moisés deixou toda a glória do Egito e preferiu sofrer com o povo de Deus no deserto porque tinha consciência de algo melhor (Hb 11.26). Jesus ensinou aos seus seguidores que aqueles que são limpos de mãos e puros de coração verão a Deus (Mt 5.8), diante de tudo isso a certeza da recompensa é certa. (GOMES, Osiel. Os valores do reino de Deus: a relevância do Sermão do Monte para a Igreja de Cristo. Rio de Janeiro: CPAD, 2022. p. 89-97.)