sexta-feira, 6 de novembro de 2020

LIÇÃO 6: A TEOLOGIA DE ELIFAZ: Só os pecadores sofrem?

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Nesta lição, estudaremos o discurso de Elifaz. Ele é o primeiro amigo de Jó a expor sua concepção teológica acerca da situação degradante em que se encontrava o homem de Uz. Nesse sentido, veremos que, para Elifaz, a justiça retributiva é certa, ou seja, só os pecadores sofrem e os justos não passam por revezes. Para ele, Jó contrariou esse ensinamento, atacou a forma religiosa de pensar e, portanto, feriu a ortodoxia que deveria guardar. Finalmente, veremos também as respostas de Jó a cada acusação de Elifaz. – Após o lamento de Jó, um de seus amigos, Elifaz, o temanita, profere o seu primeiro discurso. Os outros dois discursos estão nos capítulos 15 e 22. Para termos um entendimento da teologia de Elifaz, é necessário ver os três eixos do seu pensamento teológico exposto nesses três capítulos. Se o pensamento teológico de Elifaz ficar resumido apenas ao que ele dizer no primeiro discurso, corre-se o risco de perder oque, de fato, esse sábio pensava. Evidentemente que o pilar do seu argumento teológico está no seu primeiro discurso. Todavia, os outros discursos não podem ser vistos apenas como desdobramentos do primeiro. Na interação com Jó e, também, com os outros amigos, Elifaz introduz ideias novas nas suas últimas falas que permitem termos uma visão completa daquilo que ele cria e defendia.

   I. OS PECADORES NO CONTEXTO DA JUSTIÇA RETRUBUTIVA

1. A lei da semeadura e da colheita. Depois de firmar um princípio oriental de cordialidade, Elifaz se dirige a Jó com uma defesa contundente do pensamento teológico tradicional – a justiça retributiva. Ele está firmemente convencido de que a lei de causa e efeito é um princípio da ortodoxia teológica que não pode ser contraditado. Elifaz argumenta que Deus é soberano, justo e puro (4.7) e que o homem é a causa dos seus próprios problemas (5.7). Acusa Jó de não ser reto, o sofrimento de Jó prova que ele é um pecador. – Falando sobre ‘justiça retributiva’, Russell Norman Champlin defende que a justiça de Deus requer a retribuição, contudo, ‘temperada pela misericórdia’: “A justiça, embora vindicativa e retributiva, também deve manifestar-se temperada pela misericórdia. Não há justiça divina crua, ou seja, retribuição não-condicionada pelo amor. O primeiro capitulo de Romanos mostra-nos que Deus não estaria errado se aplicasse uma justiça nua, constituída somente por vingança e retribuição. Porém, a partir do terceiro capítulo de Romanos, Paulo mostra-nos que, de fato, a justiça divina não opera dessa maneira inflexível. A intervenção do evangelho serve de prova desse fato. Aqueles a quem Deus tem de julgar, também procurou salvar, ele através da elaborada missão de Cristo, uma missão com um aspecto terreno, outro no hades e outro no céu (I Ped. 3: 18-4:6)” (CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 4603). – Nessa mesma linha de pensamento, o apologista americano Norman L Geisler (1932-2019), afirma que, devemos considerar tudo o que nos sobrevêm como uma bênção de Deus, pura e preciosa!: “[…] se o Senhor nosso Deus designa qualquer coisa para nós, quer seja bom ou mal, traga bênção ou aflição, seja vergonha ou honra, prosperidade ou adversidade, tenho de considerar bom e realmente sagrado, e tenho de dizer: Esta é uma bênção pura e preciosa. Não sou digno disso que isto me toque. Assim diz o profeta: “Justo é o Senhor em todos os seus caminhos e santo em todas as suas obras” (SI 145.17). Se dou louvores a Deus por tais questões e as considero boas, santas e excelentes, eu o santifico em meu coração. Mas os que consultam os livros da lei reclamam que está sendo feita uma injustiça a eles. Dizem que Deus está dormindo e não ajudará os justos e conterá os injustos — eles o desonram e nem o consideram justo nem santo. Mas quem é cristão deve atribuir justiça a Deus e injustiça a si, deve considerar Deus santo e ele profano e deve dizer que em todas as suas obras e ações Deus é santo e justo. E o que Ele requer. […] Se cantamos Deogratias e Te Deum laudamus e dizemos: Deus seja louvado e bendito, quando o infortúnio nos colher, é o que Pedro e Isaías chamam uma verdadeira santificação ao Senhor. (M5, pp. 555, 556)” (GEISLER. Norman. Teologia Sistemática INTRODUÇÃO A TEOLOGIA A Bíblia Deus A Criação. Editora CPAD. pag. 834).

2. O homem colhe o que plantou. Essa primeira parte de seu discurso compreende os capítulos 4 e 5, em que defende que o homem colhe o que plantou: “Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo” (Jó 4.8). Para Elifaz nós habitamos em um universo moral que exige consequências de nossas ações. A Bíblia mostra esse princípio. Por exemplo, o salmista confirma que Deus é bom e justo e, por isso, recompensa os bons e pune os maus (Sl 1.6). O Novo Testamento também atesta esse princípio: “Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos, […] mas o rosto do Senhor é contra os que fazem males” (1 Pe 3.12). Portanto, Elifaz defende que o pecado sempre produz consequências, mas que somente os pecadores pagam por isso. Assim, segundo Elifaz, se Jó estava sofrendo era porque havia pecado. Cabia a Jó, então, assumir a responsabilidade moral de seu pecado. Não havia outra opção.

Quantos são os que fazem acusações precipitadas quando alguém passa por momentos delicados na vida? Ao julgar precipitadamente, muitos cometem injustiças e esquecem de que Deus é quem pode ver todo o lado da questão. – Sobre colher o que se planta, Paulo escreve aos crentes da Galácia que o homem recebe a justa retribuição pelo que fizer – “aquilo que o homem semear... ceifará” (Gl 6.7,8). Ele faz uso de um princípio da agricultura, aplicado, metaforicamente, à esfera moral e espiritual, e que é universalmente verdadeiro (Jó 4.8: Pv 1.31-33; Os 8.7; 10.12). É interessante compreendermos que essa lei é uma forma da ira de Deus (Rm 1.18). De fato, aqueles que vivem segundo os desejos pecaminosos da carne, ceifarão corrupção, palavra cujo sentido original é apodrecimento! O pecado sempre corrompe e, quando deixado sem controle, sempre faz com que a pessoa piore cada vez mais quanto ao seu caráter (Rm 6.23). De igual forma, aqueles que semeiam para o Espírito, que andam pelo Espírito Santo (Gl 5.16-18), ceifarão vida eterna; não somente uma vida que permanece para sempre, mas, principalmente, a maior qualidade de vida que uma pessoa pode experimentar! (SI 51.12; Jo 10.10; Ef 1.3,18). – Se Elifaz defende a lei da retribuição, a mesma que Paulo ensina em seus escritos, onde está então, o erro? Elifaz defende que o pecado sempre produz consequências, mas que somente os pecadores pagam por isso! O justo não sofre, caso enfrente algum percalço, isso é um sinal de pecado. Qual teologia atual defende essa ideia de Elifaz?

3. A queixa de Jó. Em sua defesa, Jó se contrapõe à teologia de Elifaz (Jó 6 – 7). Essa teologia era a base de como se imaginava o universo governado por uma lei moral de causa e efeito: Há uma recompensa para os bons e punição para os maus. Elifaz não estava de todo errado, mas equivocou-se quando pensava que esse pressuposto era o único existente. Tratava de parte da verdade, mas não de toda. Sua teologia não se aplicava no caso de Jó.

O patriarca não aceita a tese de Elifaz e, por isso, sente-se alienado de Deus, (6.1-7), de si mesmo (6.8-13) e de seus amigos (6.14-23). Isso leva Jó a se queixar de Deus (Jó 6.1-13). Ele se queixa pela sua atual situação. É uma queixa fundamentada ainda nos antigos pressupostos teológicos: Ele era justo, não estava em pecado, portanto, não merecia sofrer. Em seguida, Jó se queixa a Deus (Jó 7.11-21), desejando abrir uma porta de diálogo com o Altíssimo. Ele não quer explicações baseadas em teorias teológicas antigas, mas uma conversa sincera através de um relacionamento direto com o Criador, onde Jó fala com Ele e Deus fala com Jó.

No momento da dor, a melhor coisa a se fazer é se dirigir pessoalmente a Deus. – Jó responde a Elifaz, como se não bastasse todo o seu sofrimento físico e sua esposa provocadora, ele é constrangido a responder à ignorância e insensibilidade de seu amigo ao expressar sua frustração. Jó contestou seus amigos usando palavras sábias. Mesmo que um homem tivesse abandonado a Deus (o que não era o seu caso), seus amigos não lhe demonstrariam compaixão? Como Elifaz podia ser tão desprovido de compaixão a ponto de acusá-lo continuamente? – Russell Norman Champlin escreve: “Elifaz havia oferecido um discurso ortodoxo. Mas a ortodoxia dele não se aplicava ao caso de Jó. Sua calamidade era grande demais. Ultrapassava qualquer julgamento divino razoável, quanto a qualquer pecado secreto que ele pudesse ter praticado. Seus infortúnios tinham de estar envolvidos em fatores que ainda não tinham sido ventilados. Jó era um homem inocente que estava sofrendo (Jó 2.3). Jó continuou com sua resposta a Elifaz, tomando, de forma marcante, a posição de um pessimista, tão evidente em sua lamentação do capítulo 3. Os pessimistas argumentam que a própria vida é um mal, e que a salvação consiste na sensação de toda a existência, na redução ao nada. Isso garantiria paz a todos os sofredores. “Jó sofria porque a vida humana, de modo geral, é um serviço duro. Ele estava sujeitado à condição de um homem mortal que levava a vida de um soldado ou mercenário (vss. 1-3). A dor física faz as noites e os dias parecer intermináveis (vss. 4 e 5)” (Samuel Terrien, in loc.). A vida nada é senão dor, e ela tem uma miserável e dolorosa duração. Não vale a pena viver, era o pensamento central de Jó, embora ele nunca tivesse proferido tais palavras. A vida é ridiculamente breve, e até essa brevidade está plena de dores absurdas. A vida passa como se fosse um vento, e esse vento é um tufão” (CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 1890; 1897).

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Antes de iniciar o primeiro tópico é importante contextualizar mais uma vez o aluno a respeito da estrutura do Livro de Jó. Informe a ele que a partir desta lição iniciaremos o estudo da parte principal do livro: os diálogos de Jó com os seus amigos Elifaz, Bildade e Zofar (Jó 4.1–25.6). Para facilitar esse processo, leve em conta o seguinte: Há pelo menos três ciclos de diálogo entre Jó e seus amigos; (1) O primeiro (4.1–14.22) está assim organizado: Elifaz e Jó (4.1–7.21), Bildade e Jó (8.1–10.22), Zofar e Jó (11.1–14.22); o segundo ciclo (15.1–21.34) está estruturado assim: Elifaz e Jó (15.1–17.16), Bildade e Jó (18,19), Zofar e Jó (20,21); finalmente, o terceiro ciclo de diálogo (22.1–25.6) está organizado desta forma: Elifaz (22), Jó (23.1–24.25) e Bildade (25.1-6). Exponha essa estrutura aos alunos, pois certamente os ajudará na melhor compreensão desses diálogos.

  II. OS PECADORES NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO RELIGIOSA

1. Ortodoxia engessada. Em seu segundo discurso (Jó 15.1-35), Elifaz argumenta que as palavras de Jó são uma ameaça ao dogma religioso aceito: “E tu tens feito vão o temor e diminuis os rogos diante de Deus” (15.4). Assim, se Jó estivesse certo, a religião tradicional, que sempre ensinou a prosperidade dos bons e o sofrimento dos maus, estaria errada. Nesse aspecto, Jó era uma ameaça àquela forma de pensar. Por isso Elifaz ataca Jó de uma forma contundente dizendo que suas palavras não revelam sabedoria, mas são palavras ao vento. – Dos capítulos 15.1 ao 21.34, o livro apresenta o segundo ciclo de discursos proferidos por Jó e seus três amigos. Os apelos e a resistência de Jó em aceitar as acusações recebidas fizeram com que seus amigos intensificassem suas confrontações. Elifaz retorna para sua segunda seção de discurso (caps. 4 a 5). Ele começou acusando Jó de pecar contra Deus por meio de suas reclamações. Elifaz achava que Jó era culpado por dizer palavras vazias e não demonstrar o temor verdadeiro nem fazer a oração correta, pelo contrário, de pecar em suas orações. Elifaz condenou Jó por rejeitar a sabedoria convencional, como se Jó tivesse mais discernimento do que outros homens e pudesse rejeitar a sabedoria dos idosos e a bondade de Deus. – Nessa linha de pensamento, Francis Ian Andersen (1925 – 2020) escreve em “Jó Introdução e Comentário” (Mundo Cristão): “Jó não somente é estulto, como também é perigoso. Suas palavras são uma ameaça à sã religião. O hebraico tem simplesmente “temor”, mas trata-se certamente de uma forma curta da frase consagrada temor de Deus que é atribuído a Jó em 1.1, 8; 2.3, e equiparado com a sabedoria em 28.28. A NEB até mesmo tem Jó sabotando sua própria religião (“você até mesmo expulsa o temor de Deus da sua mente”), ao passo que a TEV tem Jó minando a religião doutras pessoas (“você desanima as pessoas de temerem a Deus”). Se, na realidade, aqui “Elifaz estigmatiza as ideias de Jó como sendo uma ameaça à sociedade” (Rowley, pág. 134), a questão passa a não ser desenvolvida. A ênfase recai sobre o dano que Jó está causando a si mesmo” (Francis I. Andersen. Jó Introdução e Comentário. Editora Mundo Cristão. pag. 173).

2. Uma ameaça à tradição religiosa. A partir do versículo 7 do capítulo 15, Elifaz apela para a tradição religiosa como forma de validar seu princípio teológico: “Que sabes tu, que nós não saibamos? Que entendes, que não haja em nós? Também há entre nós encanecidos e idosos, muito mais idosos do que teu pai” (15.9,10). Segundo Elifaz, ainda que fosse homem sábio, Jó não era mais sábio nem mais antigo do que o dogma que ele estava negando. – Allen e Hughes (1998) destacam que todos nós somos frutos de alguma tradição. Quem professa alguma crença, quer queira quer não, possui alguma tradição religiosa, mesmo aqueles que acham que não tem nenhuma. Nesse aspecto, dentro do cristianismo histórico, há uma tradição católica e outra protestante. Desta forma, convém dizer que a tradição não é um mal em si. Há boas tradições, assim como também há tradições ruins. As tradições funcionam, portanto, como uma espécie de paradigma que dá forma àquilo que as pessoas creem ou aceitam como válido. Portanto, é muito difícil romper contra uma tradição ou costume. Há muito tempo enraizado numa cultura. Essa tradição acaba por criar aquilo que Charles Taylor (2010) denomina de “imaginário social”, uma forma acrítica de enxergar as coisas. Não é propriamente uma cosmovisão, uma forma mais completa de enxergar as coisas, mas uma visão fragmentada dos fatos. Nesse contexto, alguém pode defender as suas crenças e pontos de vista mesmo que nunca tenha refletido sobre eles. Era exatamente isso que estava acontecendo no contexto de Jó. É nesse aspecto que o livro de Jó vem como uma quebra de modelo ou paradigma. “Será que você ouviu o conselho secreto de Deus e detém toda a sabedoria? O que você sabe, que nós não sabemos? O que você entende, que nós não entendemos?”

3. Um defensor celeste. Em sua defesa, Jó se contrapõe ironicamente ao argumento de Elifaz (Jó 16 – 17). Aqui não podemos esquecer de que a resposta de Jó deve ser ouvida na forma poética, conforme o fazemos em salmos, orações e súplicas recitados assim. Isso evita um literalismo rígido que empobrece o sentido do texto, quando este é poético, e, consequentemente, transforma Jó em um sacrílego.

Nesse texto Jó reclama, mas não blasfema contra Deus. Ele tem consciência de que a teologia de seu amigo firmava-se na terra, mas o homem de Uz apelava aos céus. Sua fé o projeta para o alto, à procura de quem possa defendê-lo. Ele quer um defensor que interceda por ele no céu (Jó 16.18 – 17.2). O patriarca se expressa em linguagem poética, mas sua mensagem é profética. Seu anseio por um mediador prenuncia o justo advogado, Jesus Cristo (1 Jo 1.5,7). – Os amigos de Jó tinham vindo para consolá-lo. Apesar dos sete agradáveis dias de silêncio do início, a missão deles falhou miseravelmente, e o consolo havia se transformado num tormento ainda maior para Jó. O sincero esforço inicial de Elifaz de ajudar Jó a compreender seu dilema transformou-se em rancor e sarcasmo. Ao final, os falatórios dos amigos acabaram por intensificar as frustrações de todos os envolvidos. Se a situação fosse inversa, e Jó fosse consolar seus amigos, ele jamais os teria tratado da maneira como eles o trataram. Jó os teria fortalecido e consolado. O Comentário Bíblico Beacon (CPAD) traz no seu volume 3, de autoria de Milo L. Chapman, a seguinte tese sobre a resposta de Jó com sua segunda refutação: “Somente parte desta resposta a Elifaz, de forma semelhante às outras, é dirigida diretamente aos amigos. Jó também se dirige a Deus, e também há um tipo de conversa introspectiva que Jó tem consigo mesmo. O apelo prévio de Jó a Deus (13.20-28) permaneceu sem resposta. Deus aparentemente recusou-se a responder a Jó ou revelar-se a ele. Jó tinha a esperança de que seu apelo honesto aos céus convenceria seus amigos da integridade dele. Em vez disso, ele é acusado do uso astuto das palavras para ocultar o seu pecado (15.5-6). Elifaz tenta convencer Jó de que seus amigos o abandonaram, e Jó reage com ira, movido por profunda dor” (Milo L. Chapman. Comentário Bíblico Beacon. Jó. Editora CPAD. Vol. 3. pag. 57). – Em sua defesa, Jó argumenta com pungentes pensamentos que expressam o lamento de Jó por sofrer o severo castigo de Deus, que havia sugado suas forças, seu vigor físico e arrasado a sua vida por meio de uma vigilância minuciosa ("aguça os olhos''). Jó refere-se a Deus como "meu adversário", que o quebrantou, pegou pelo pescoço e o despedaçou (vs. 12-14). Ele não tinha mais ninguém a quem se voltar além de Deus, que permanecia em silêncio e não o defendia.

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Jó também afirmava possuir uma sabedoria igual ou superior à dos seus amigos. Elifaz sarcasticamente pergunta acerca da base de sua afirmação: És tu, porventura, o primeiro homem que foi nascido? (7). Jó havia admitido que a sabedoria vinha com a idade (12.12). Ironicamente Elifaz pergunta se Jó se considerava um ser especial, alguém que ouviu o secreto conselho de Deus (8) no princípio dos tempos. Ele também pergunta: A ti somente limitaste a sabedoria? A sabedoria aqui referida é a sabedoria divina. Será que Jó, como membro do conselho celestial, tinha acesso ao conhecimento dos mistérios de Deus? Elifaz responde à pergunta que ele mesmo levantou, concluindo que Jó, na verdade, não é mais sábio do que eles: Que sabes tu, que nós não saibamos? Na verdade, existe alguém no meio deles (seria o próprio Elifaz?) que tem idade para ser pai de Jó (10). Se existe uma relação entre idade e sabedoria, então existe alguém muito mais sábio do que Jó. Elifaz também afirmou em seu primeiro discurso ter recebido sabedoria por meio de revelação divina” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 55).

  III. OS PECADORES DIANTE DE UM DEUS INFINITO

1. Deus não se importa com quimeras humanas. Em seu terceiro discurso (Jó 22), Elifaz apela para a transcendência divina ao atacar Jó. Grosso modo, a transcendência diz respeito ao conjunto de atributos do Criador que ressalta a sua superioridade em relação à criatura. Significa que Deus está acima da Criação e não é limitado por ela. Realça, portanto, a infinitude divina em contraste com a finitude humana (Jó 22.1-3). Para Elifaz, o sofrimento de Jó era um atestado de que ele havia pecado e que, por isso, Deus o havia abandonado; Ele era grande e não poderia se envolver em quimeras humanas, principalmente nas do pecador Jó. A teologia de Elifaz destaca um Deus transcendente, porém, distante, que não se importa muito com o que acontece aqui na terra, indiferente às coisas que criou (Jó 22.12). Não adiantava Jó chorar ou reclamar. Ele precisava se arrepender. – No seu terceiro discurso, Elifaz expõe uma defesa da transcendência de Deus. O conceito que ele possuía da grandeza de Deus não destoa daquele que encontramos em outras porções das Escrituras. O problema com a argumentação de Elifaz não diz respeito ao conteúdo da sua doutrina, mas sim, à forma como era interpretada e aplicada por ele. Então, ele usa esse conceito de transcendência para humilhar e rebaixar Jó. Para ele, Deus é onipotente, grandioso e majestoso e, devido a isso, não deveria rebaixar-se para dar atenção a um pecador como Jó, que deveria reconhecer o seu lugar de insignificância e conformar-se com o julgamento punitivo do Senhor sobre ele.

2. Deus caminha com os homens. Nessa parte da poesia Jó expõe seus argumentos de forma mais clara (Jó 23.1 – 24.25). Ele demonstra que nunca negou a transcendência de Deus como Elifaz quer dar a entender. Ele reconhece que Deus é excelso e pode fazer o que intenta: “Mas, se ele está contra alguém, quem, então, o desviará? O que a sua alma quiser, isso fará” (Jó 23.13). Todavia, esse é apenas um lado da história. Jó está consciente que esse Deus, embora grande, também caminha com os homens (Jó 23.10). A ideia no texto hebraico é que Jó passa a ficar cada vez mais seguro e consciente, não apenas de seu caminhar com Deus, mas do caminhar de Deus com ele. É exatamente isto: Não devemos temer mais em ficar diante de Deus, pois o andar com Ele é reto. Em Cristo Jesus, Deus caminha com os homens; sendo o Altíssimo transcendente, envolve-se com os seres humanos nos diversos detalhes da vida. – A resposta de Jó ao terceiro discurso de Elifaz não foi uma refutação, mas expressou o seu anseio pela comunhão com Deus, para que pudesse sentir o amor e a bondade dele, bem como ouvir dele o significado de todo o seu sofrimento. Ainda que Jó não pudesse sentir a presença de Deus, acreditava que ele estava presente, e afirmou o seu compromisso com o propósito do Senhor naquela provação e a sua contínua obediência à palavra de Deus, que eram as questões mais importantes de sua vida. Cito novamente, Russell Norman Champlin: “Deus, em Sua vontade suprema, não dava atenção ao devoto que era tão zeloso e inocente. E continuava a fazer a Sua vontade. “O que Ele deseja, isso Ele faz”. E isso incluía ignorar o pobre sofredor, Jó, e até adicionar más dores às suas grandes agonias. Deus obedecia a Seus próprios padrões e não era obrigado a abençoar o homem justo. Seus padrões não eram, necessariamente, aqueles que Ele tinha imposto ao homem. Dentro desse sistema, a razão se esvai e é desconsiderada. Poder é direito. Algo está certo porque Deus o faz; Deus não faz algo porque isso está correto pelos padrões humanos. Ninguém pode questionar a Deus, a despeito da injustiça óbvia das situações. Deus é chamado aqui de imutável, em Seus caminhos voluntaristas, e não em seus caminhos beneficentes, como em Sal. 33.5. Suas misericórdias também perduram para sempre (ver I Cr. 16.34), mas Jó não falava sobre isso. De fato, ele lamentava o fato de Deus persistir em Sua punição, quando nenhuma misericórdia podia ser encontrada. A persistência de Deus na perseguição deixava Jó perplexo (vs. 15). Deus tinha posto a Sua soberania antes do sofrimento humano, como sua causa. Nenhum homem pode mudar Sua mente e fazer Deus desviar-se de Seus decretos de punição. Note o leitor como até Paulo, influenciado por uma teologia primitiva dos hebreus, caiu nesse modo voluntarista de pensamento, em Rom. 9. Caros leitores, o voluntarismo é uma teologia deficiente, sem importar quem o defenda; ele oblitera o amor de Deus; ignora e distorce um conceito melhor de Deus, que a revelação cristã trouxe, no geral, do Novo Testamento. Eis que arrebata a presa! Quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que fazes? (Jó 9.12) Para mim tudo é o mesmo; por isso digo: tanto destrói ele o íntegro como o perverso. (Jó 9.22) Melhor: Deus é amor (I João 4.8). Os decretos de Deus são beneficentes. O próprio julgamento é remediai (ver I Ped. 4.6)” (CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 1960)

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Somente parte desta resposta a Elifaz, de forma semelhante às outras, é dirigida diretamente aos amigos. Jó também se dirige a Deus, e também há um tipo de conversa introspectiva que Jó tem consigo mesmo. O apelo prévio de Jó a Deus (13.20-28) permaneceu sem resposta. Deus aparentemente recusou-se a responder a Jó ou revelar-se a ele. Jó tinha a esperança de que seu apelo honesto aos céus convenceria seus amigos da integridade dele. Em vez disso, ele é acusado do uso astuto das palavras para ocultar o seu pecado (15.5-6). Elifaz tenta convencer Jó de que seus amigos o abandonaram, e Jó reage com ira, movido por profunda dor” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 57).

  CONCLUSÃO

Estudamos o pensamento teológico de Elifaz, um dos amigos de Jó. Para ele só os maus sofriam os infortúnios da vida. Ele estava convencido de que ao se negar a reconhecer de que estava em pecado, Jó depunha contra a religião tradicional que sempre associou as desgraças ao cometimento de algum pecado. Para ele, Jó estava abandonado por Deus e isso era uma prova irrefutável de que havia pecado. Jó o contrapôs e defendeu sua integridade e comunhão diante de Deus. – A lição apresentou o confronto de duas teologias, a de Jó e a de Elifaz, em busca da resposta para o sofrimento do justo Jó. Elifaz começou bem a sua apologia, reconhecendo a maturidade espiritual de Jó e como esse justo homem havia sido uma bênção para muitas vidas. Seu argumento teve base lógica, apresentou o que é um ensino notoriamente bíblico: “ao justo, sucede o bem e, aos que semeiam o mal, virão os males” (Jó 4.7-8; Gl 6.7). Com uma boa teologia, mas um péssimo conselheiro! Ele reconheceu a santidade, a justiça, a sabedoria e a misericórdia de Deus, mas mostrou insensatez diante de alguém em terrível sofrimento. Sua teologia se torna falha à medida que afirma que Deus sendo justo, não castigaria um homem inocente; logo, Jó era um grande pecador e, por isso, estava sendo castigado. Não satisfeito, no capítulo 15, usa um discurso cada vez mais duro, acusando Jó de presunção, uso da linguagem dos astutos e de beber a maldade como água, e no capítulo 22, acusa Jó de diversos pecados, caluniando Jó sem fundamento. Elifaz mostrou-se um bom teólogo, mas um péssimo conselheiro. Que nos fique o exemplo de Elifaz: como conselheiros, precisamos buscar a sabedoria divina para confortar e ajudar os que sofrem, pois só Deus sabe o porquê de todo o sofrimento humano.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Francisco. Lição 6: A teologia de Elifaz. Disponível em: https://auxilioebd.blogspot.com. Acesso em 06.11.2020

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1960.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 6. Rio de Janeiro: CPAD, 08, nov. 2020.

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