COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I
INTRODUÇÃO
Nesta lição,
estudaremos o discurso de Elifaz. Ele é o primeiro amigo de Jó a expor sua
concepção teológica acerca da situação degradante em que se encontrava o homem
de Uz. Nesse sentido, veremos que, para Elifaz, a justiça retributiva é certa,
ou seja, só os pecadores sofrem e os justos não passam por revezes. Para ele,
Jó contrariou esse ensinamento, atacou a forma religiosa de pensar e, portanto,
feriu a ortodoxia que deveria guardar. Finalmente, veremos também as respostas
de Jó a cada acusação de Elifaz. – Após o lamento de Jó, um de seus amigos, Elifaz, o
temanita, profere o seu primeiro discurso. Os outros dois discursos estão nos
capítulos 15 e 22. Para termos um entendimento da teologia de Elifaz, é
necessário ver os três eixos do seu pensamento teológico exposto nesses três capítulos.
Se o pensamento teológico de Elifaz ficar resumido apenas ao que ele dizer no
primeiro discurso, corre-se o risco de perder oque, de fato, esse sábio
pensava. Evidentemente que o pilar do seu argumento teológico está no seu
primeiro discurso. Todavia, os outros discursos não podem ser vistos apenas
como desdobramentos do primeiro. Na interação com Jó e, também, com os outros
amigos, Elifaz introduz ideias novas nas suas últimas falas que permitem termos
uma visão completa daquilo que ele cria e defendia.
I. OS
PECADORES NO CONTEXTO DA JUSTIÇA RETRUBUTIVA
1. A lei da semeadura e da
colheita. Depois de firmar um princípio oriental
de cordialidade, Elifaz se dirige a Jó com uma defesa contundente do pensamento
teológico tradicional – a justiça retributiva. Ele está firmemente convencido
de que a lei de causa e efeito é um princípio da ortodoxia teológica que não
pode ser contraditado. – Elifaz argumenta que Deus é soberano, justo e puro
(4.7) e que o homem é a causa dos seus próprios problemas (5.7). Acusa Jó de
não ser reto, o sofrimento de Jó prova que ele é um pecador. – Falando sobre
‘justiça retributiva’, Russell Norman Champlin defende que a justiça de Deus
requer a retribuição, contudo, ‘temperada pela misericórdia’: “A justiça,
embora vindicativa e retributiva, também deve manifestar-se temperada pela
misericórdia. Não há justiça divina crua, ou seja, retribuição não-condicionada
pelo amor. O primeiro capitulo de Romanos mostra-nos que Deus não estaria
errado se aplicasse uma justiça nua, constituída somente por vingança e
retribuição. Porém, a partir do terceiro capítulo de Romanos, Paulo mostra-nos
que, de fato, a justiça divina não opera dessa maneira inflexível. A
intervenção do evangelho serve de prova desse fato. Aqueles a quem Deus tem de
julgar, também procurou salvar, ele através da elaborada missão de Cristo, uma
missão com um aspecto terreno, outro no hades e outro no céu (I Ped. 3: 18-4:6)” (CHAMPLIN,
Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora
Hagnos. pag. 4603). – Nessa mesma linha de pensamento, o apologista
americano Norman L Geisler (1932-2019), afirma que, devemos considerar tudo o
que nos sobrevêm como uma bênção de Deus, pura e preciosa!: “[…] se o Senhor
nosso Deus designa qualquer coisa para nós, quer seja bom ou mal, traga bênção
ou aflição, seja vergonha ou honra, prosperidade ou adversidade, tenho de
considerar bom e realmente sagrado, e tenho de dizer: Esta é uma bênção pura e
preciosa. Não sou digno disso que isto me toque. Assim diz o profeta: “Justo é
o Senhor em todos os seus caminhos e santo em todas as suas obras” (SI 145.17).
Se dou louvores a Deus por tais questões e as considero boas, santas e
excelentes, eu o santifico em meu coração. Mas os que consultam os livros da
lei reclamam que está sendo feita uma injustiça a eles. Dizem que Deus está
dormindo e não ajudará os justos e conterá os injustos — eles o desonram e nem
o consideram justo nem santo. Mas quem é cristão deve atribuir justiça a Deus e
injustiça a si, deve considerar Deus santo e ele profano e deve dizer que em
todas as suas obras e ações Deus é santo e justo. E o que Ele requer. […] Se
cantamos Deogratias e Te Deum laudamus e dizemos: Deus seja louvado e bendito,
quando o infortúnio nos colher, é o que Pedro e Isaías chamam uma verdadeira
santificação ao Senhor. (M5, pp. 555, 556)” (GEISLER. Norman.
Teologia Sistemática INTRODUÇÃO A TEOLOGIA A Bíblia Deus A Criação. Editora
CPAD. pag. 834).
2. O homem colhe o que plantou. Essa primeira parte de seu discurso compreende os capítulos 4 e 5, em
que defende que o homem colhe o que plantou: “Segundo eu tenho visto, os que
lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo” (Jó 4.8). Para Elifaz nós
habitamos em um universo moral que exige consequências de nossas ações. A
Bíblia mostra esse princípio. Por exemplo, o salmista confirma que Deus é bom e
justo e, por isso, recompensa os bons e pune os maus (Sl 1.6). O Novo
Testamento também atesta esse princípio: “Porque os olhos do Senhor estão sobre
os justos, […] mas o rosto do Senhor é contra os que fazem males” (1 Pe 3.12).
Portanto, Elifaz defende que o pecado sempre produz consequências, mas que
somente os pecadores pagam por isso. Assim, segundo Elifaz, se Jó estava
sofrendo era porque havia pecado. Cabia a Jó, então, assumir a responsabilidade
moral de seu pecado. Não havia outra opção.
Quantos são os que fazem acusações
precipitadas quando alguém passa por momentos delicados na vida? Ao julgar
precipitadamente, muitos cometem injustiças e esquecem de que Deus é quem pode
ver todo o lado da questão. – Sobre colher o que se
planta, Paulo escreve aos crentes da Galácia que o homem recebe a justa
retribuição pelo que fizer – “aquilo que o homem semear... ceifará” (Gl
6.7,8). Ele faz uso de um princípio da agricultura, aplicado, metaforicamente,
à esfera moral e espiritual, e que é universalmente verdadeiro (Jó 4.8: Pv
1.31-33; Os 8.7; 10.12). É interessante compreendermos que essa lei é uma forma
da ira de Deus (Rm 1.18). De fato, aqueles que vivem segundo os desejos
pecaminosos da carne, ceifarão corrupção, palavra cujo sentido original é
apodrecimento! O pecado sempre corrompe e, quando deixado sem controle, sempre
faz com que a pessoa piore cada vez mais quanto ao seu caráter (Rm 6.23). De
igual forma, aqueles que semeiam para o Espírito, que andam pelo Espírito Santo
(Gl 5.16-18), ceifarão vida eterna; não somente uma vida que permanece para
sempre, mas, principalmente, a maior qualidade de vida que uma pessoa pode
experimentar! (SI 51.12; Jo 10.10; Ef 1.3,18). – Se Elifaz defende a lei da
retribuição, a mesma que Paulo ensina em seus escritos, onde está então, o
erro? Elifaz defende que o pecado sempre produz consequências, mas que somente
os pecadores pagam por isso! O justo não sofre, caso enfrente algum percalço,
isso é um sinal de pecado. Qual teologia atual defende essa ideia de Elifaz?
3. A queixa de Jó. Em sua defesa, Jó se contrapõe à teologia de Elifaz (Jó 6 – 7). Essa
teologia era a base de como se imaginava o universo governado por uma lei moral
de causa e efeito: Há uma recompensa para os bons e punição para os maus.
Elifaz não estava de todo errado, mas equivocou-se quando pensava que esse pressuposto
era o único existente. Tratava de parte da verdade, mas não de toda. Sua
teologia não se aplicava no caso de Jó.
O patriarca não aceita a tese de Elifaz
e, por isso, sente-se alienado de Deus, (6.1-7), de si mesmo (6.8-13) e de seus
amigos (6.14-23). Isso leva Jó a se queixar de Deus (Jó 6.1-13). Ele se queixa
pela sua atual situação. É uma queixa fundamentada ainda nos antigos
pressupostos teológicos: Ele era justo, não estava em pecado, portanto, não
merecia sofrer. Em seguida, Jó se queixa a Deus (Jó 7.11-21), desejando abrir
uma porta de diálogo com o Altíssimo. Ele não quer explicações baseadas em
teorias teológicas antigas, mas uma conversa sincera através de um
relacionamento direto com o Criador, onde Jó fala com Ele e Deus fala com Jó.
No momento da dor, a melhor coisa a se
fazer é se dirigir pessoalmente a Deus. – Jó responde a Elifaz,
como se não bastasse todo o seu sofrimento físico e sua esposa provocadora, ele
é constrangido a responder à ignorância e insensibilidade de seu amigo ao
expressar sua frustração. Jó contestou seus amigos usando palavras sábias.
Mesmo que um homem tivesse abandonado a Deus (o que não era o seu caso), seus
amigos não lhe demonstrariam compaixão? Como Elifaz podia ser tão desprovido de
compaixão a ponto de acusá-lo continuamente? – Russell Norman Champlin escreve:
“Elifaz havia oferecido um discurso ortodoxo. Mas a ortodoxia dele não se
aplicava ao caso de Jó. Sua calamidade era grande demais. Ultrapassava qualquer
julgamento divino razoável, quanto a qualquer pecado secreto que ele pudesse
ter praticado. Seus infortúnios tinham de estar envolvidos em fatores que ainda
não tinham sido ventilados. Jó era um homem inocente que estava sofrendo (Jó 2.3).
Jó continuou com sua resposta a Elifaz, tomando, de forma marcante, a posição
de um pessimista, tão evidente em sua lamentação do capítulo 3. Os pessimistas
argumentam que a própria vida é um mal, e que a salvação consiste na sensação
de toda a existência, na redução ao nada. Isso garantiria paz a todos os
sofredores. “Jó sofria porque a vida humana, de modo geral, é um serviço duro.
Ele estava sujeitado à condição de um homem mortal que levava a vida de um
soldado ou mercenário (vss. 1-3). A dor física faz as noites e os dias parecer
intermináveis (vss. 4 e 5)” (Samuel Terrien, in loc.). A vida nada é senão dor,
e ela tem uma miserável e dolorosa duração. Não vale a pena viver, era o
pensamento central de Jó, embora ele nunca tivesse proferido tais palavras. A
vida é ridiculamente breve, e até essa brevidade está plena de dores absurdas.
A vida passa como se fosse um vento, e esse vento é um tufão” (CHAMPLIN,
Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora
Hagnos. pag. 1890; 1897).
SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
Antes de iniciar o primeiro
tópico é importante contextualizar mais uma vez o aluno a respeito da estrutura
do Livro de Jó. Informe a ele que a partir desta lição iniciaremos o estudo da
parte principal do livro: os diálogos de Jó com os seus amigos Elifaz, Bildade
e Zofar (Jó 4.1–25.6). Para facilitar esse processo, leve em conta o seguinte:
Há pelo menos três ciclos de diálogo entre Jó e seus amigos; (1) O primeiro
(4.1–14.22) está assim organizado: Elifaz e Jó (4.1–7.21), Bildade e Jó
(8.1–10.22), Zofar e Jó (11.1–14.22); o segundo ciclo (15.1–21.34) está
estruturado assim: Elifaz e Jó (15.1–17.16), Bildade e Jó (18,19), Zofar e Jó
(20,21); finalmente, o terceiro ciclo de diálogo (22.1–25.6) está organizado
desta forma: Elifaz (22), Jó (23.1–24.25) e Bildade (25.1-6). Exponha essa
estrutura aos alunos, pois certamente os ajudará na melhor compreensão desses
diálogos.
II. OS
PECADORES NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO RELIGIOSA
1. Ortodoxia engessada. Em seu segundo discurso (Jó 15.1-35), Elifaz argumenta que as palavras
de Jó são uma ameaça ao dogma religioso aceito: “E tu tens feito vão o temor e
diminuis os rogos diante de Deus” (15.4). Assim, se Jó estivesse certo, a
religião tradicional, que sempre ensinou a prosperidade dos bons e o sofrimento
dos maus, estaria errada. Nesse aspecto, Jó era uma ameaça àquela forma de
pensar. Por isso Elifaz ataca Jó de uma forma contundente dizendo que suas
palavras não revelam sabedoria, mas são palavras ao vento. – Dos capítulos 15.1 ao 21.34, o livro apresenta o
segundo ciclo de discursos proferidos por Jó e seus três amigos. Os apelos e a
resistência de Jó em aceitar as acusações recebidas fizeram com que seus amigos
intensificassem suas confrontações. Elifaz retorna para sua segunda seção de
discurso (caps. 4 a 5). Ele começou acusando Jó de pecar contra Deus por meio
de suas reclamações. Elifaz achava que Jó era culpado por dizer palavras vazias
e não demonstrar o temor verdadeiro nem fazer a oração correta, pelo contrário,
de pecar em suas orações. Elifaz condenou Jó por rejeitar a sabedoria
convencional, como se Jó tivesse mais discernimento do que outros homens e
pudesse rejeitar a sabedoria dos idosos e a bondade de Deus. – Nessa linha de
pensamento, Francis Ian Andersen (1925 – 2020) escreve em “Jó Introdução e
Comentário” (Mundo Cristão): “Jó não somente é estulto, como também é
perigoso. Suas palavras são uma ameaça à sã religião. O hebraico tem
simplesmente “temor”, mas trata-se certamente de uma forma curta da frase
consagrada temor de Deus que é atribuído a Jó em 1.1, 8; 2.3, e equiparado com
a sabedoria em 28.28. A NEB até mesmo tem Jó sabotando sua própria religião
(“você até mesmo expulsa o temor de Deus da sua mente”), ao passo que a TEV tem
Jó minando a religião doutras pessoas (“você desanima as pessoas de temerem a
Deus”). Se, na realidade, aqui “Elifaz estigmatiza as ideias de Jó como sendo
uma ameaça à sociedade” (Rowley, pág. 134), a questão passa a não ser
desenvolvida. A ênfase recai sobre o dano que Jó está causando a si mesmo” (Francis
I. Andersen. Jó Introdução e Comentário. Editora Mundo Cristão. pag. 173).
2. Uma ameaça à tradição
religiosa. A partir do versículo 7 do capítulo 15,
Elifaz apela para a tradição religiosa como forma de validar seu princípio
teológico: “Que sabes tu, que nós não saibamos? Que entendes, que não haja em
nós? Também há entre nós encanecidos e idosos, muito mais idosos do que teu
pai” (15.9,10). Segundo Elifaz, ainda que fosse homem sábio, Jó não era mais
sábio nem mais antigo do que o dogma que ele estava negando. – Allen e Hughes (1998) destacam que todos nós somos
frutos de alguma tradição. Quem professa alguma crença, quer queira quer não,
possui alguma tradição religiosa, mesmo aqueles que acham que não tem nenhuma. Nesse
aspecto, dentro do cristianismo histórico, há uma tradição católica e outra
protestante. Desta forma, convém dizer que a tradição não é um mal em si. Há boas
tradições, assim como também há tradições ruins. As tradições funcionam,
portanto, como uma espécie de paradigma que dá forma àquilo que as pessoas
creem ou aceitam como válido. Portanto, é muito difícil romper contra uma
tradição ou costume. Há muito tempo enraizado numa cultura. Essa tradição acaba
por criar aquilo que Charles Taylor (2010) denomina de “imaginário social”, uma
forma acrítica de enxergar as coisas. Não é propriamente uma cosmovisão, uma
forma mais completa de enxergar as coisas, mas uma visão fragmentada dos fatos.
Nesse contexto, alguém pode defender as suas crenças e pontos de vista mesmo
que nunca tenha refletido sobre eles. Era exatamente isso que estava acontecendo
no contexto de Jó. É nesse aspecto que o livro de Jó vem como uma quebra de
modelo ou paradigma. “Será que você ouviu o conselho secreto de Deus e detém
toda a sabedoria? O que você sabe, que nós não sabemos? O que você entende, que
nós não entendemos?”
3. Um defensor celeste. Em sua defesa, Jó se contrapõe ironicamente ao argumento de Elifaz (Jó
16 – 17). Aqui não podemos esquecer de que a resposta de Jó deve ser ouvida na
forma poética, conforme o fazemos em salmos, orações e súplicas recitados
assim. Isso evita um literalismo rígido que empobrece o sentido do texto,
quando este é poético, e, consequentemente, transforma Jó em um sacrílego.
Nesse texto Jó reclama, mas não blasfema
contra Deus. Ele tem consciência de que a teologia de seu amigo firmava-se na
terra, mas o homem de Uz apelava aos céus. Sua fé o projeta para o alto, à
procura de quem possa defendê-lo. Ele quer um defensor que interceda por ele no
céu (Jó 16.18 – 17.2). O patriarca se expressa em linguagem poética, mas sua
mensagem é profética. Seu anseio por um mediador prenuncia o justo advogado,
Jesus Cristo (1 Jo 1.5,7). – Os amigos de Jó tinham vindo
para consolá-lo. Apesar dos sete agradáveis dias de silêncio do início, a
missão deles falhou miseravelmente, e o consolo havia se transformado num
tormento ainda maior para Jó. O sincero esforço inicial de Elifaz de ajudar Jó
a compreender seu dilema transformou-se em rancor e sarcasmo. Ao final, os
falatórios dos amigos acabaram por intensificar as frustrações de todos os
envolvidos. Se a situação fosse inversa, e Jó fosse consolar seus amigos, ele
jamais os teria tratado da maneira como eles o trataram. Jó os teria
fortalecido e consolado. O Comentário Bíblico Beacon (CPAD) traz no seu volume
3, de autoria de Milo L. Chapman, a seguinte tese sobre a resposta de Jó com
sua segunda refutação: “Somente parte desta resposta a Elifaz, de forma
semelhante às outras, é dirigida diretamente aos amigos. Jó também se dirige a
Deus, e também há um tipo de conversa introspectiva que Jó tem consigo mesmo. O
apelo prévio de Jó a Deus (13.20-28) permaneceu sem resposta. Deus
aparentemente recusou-se a responder a Jó ou revelar-se a ele. Jó tinha a
esperança de que seu apelo honesto aos céus convenceria seus amigos da
integridade dele. Em vez disso, ele é acusado do uso astuto das palavras para
ocultar o seu pecado (15.5-6). Elifaz tenta convencer Jó de que seus amigos o
abandonaram, e Jó reage com ira, movido por profunda dor” (Milo
L. Chapman. Comentário Bíblico Beacon. Jó. Editora CPAD. Vol. 3. pag. 57).
– Em sua defesa, Jó argumenta com pungentes pensamentos que expressam o lamento
de Jó por sofrer o severo castigo de Deus, que havia sugado suas forças, seu
vigor físico e arrasado a sua vida por meio de uma vigilância minuciosa
("aguça os olhos''). Jó refere-se a Deus como "meu adversário", que
o quebrantou, pegou pelo pescoço e o despedaçou (vs. 12-14). Ele não tinha mais
ninguém a quem se voltar além de Deus, que permanecia em silêncio e não o
defendia.
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“Jó
também afirmava possuir uma sabedoria igual ou superior à dos seus amigos.
Elifaz sarcasticamente pergunta acerca da base de sua afirmação: És tu,
porventura, o primeiro homem que foi nascido? (7). Jó havia admitido que a
sabedoria vinha com a idade (12.12). Ironicamente Elifaz pergunta se Jó se
considerava um ser especial, alguém que ouviu o secreto conselho de Deus
(8) no princípio dos tempos. Ele também pergunta: A ti somente limitaste a
sabedoria? A sabedoria aqui referida é a sabedoria divina. Será que Jó,
como membro do conselho celestial, tinha acesso ao conhecimento dos mistérios
de Deus? Elifaz responde à pergunta que ele mesmo levantou, concluindo que Jó,
na verdade, não é mais sábio do que eles: Que sabes tu, que nós não
saibamos? Na verdade, existe alguém no meio deles (seria o próprio Elifaz?)
que tem idade para ser pai de Jó (10). Se existe uma relação entre idade e
sabedoria, então existe alguém muito mais sábio do que Jó. Elifaz também
afirmou em seu primeiro discurso ter recebido sabedoria por meio de revelação
divina” (CHAPMAN,
Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon:
Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 55).
III. OS PECADORES DIANTE DE UM
DEUS INFINITO
1. Deus não se importa com quimeras
humanas. Em seu terceiro discurso (Jó 22), Elifaz
apela para a transcendência divina ao atacar Jó. Grosso modo, a transcendência
diz respeito ao conjunto de atributos do Criador que ressalta a sua
superioridade em relação à criatura. Significa que Deus está acima da Criação e
não é limitado por ela. Realça, portanto, a infinitude divina em contraste com
a finitude humana (Jó 22.1-3). Para Elifaz, o sofrimento de Jó era um atestado
de que ele havia pecado e que, por isso, Deus o havia abandonado; Ele era
grande e não poderia se envolver em quimeras humanas, principalmente nas do
pecador Jó. A teologia de Elifaz destaca um Deus transcendente, porém,
distante, que não se importa muito com o que acontece aqui na terra,
indiferente às coisas que criou (Jó 22.12). Não adiantava Jó chorar ou
reclamar. Ele precisava se arrepender. – No seu terceiro discurso,
Elifaz expõe uma defesa da transcendência de Deus. O conceito que ele possuía da
grandeza de Deus não destoa daquele que encontramos em outras porções das
Escrituras. O problema com a argumentação de Elifaz não diz respeito ao conteúdo
da sua doutrina, mas sim, à forma como era interpretada e aplicada por ele.
Então, ele usa esse conceito de transcendência para humilhar e rebaixar Jó. Para
ele, Deus é onipotente, grandioso e majestoso e, devido a isso, não deveria
rebaixar-se para dar atenção a um pecador como Jó, que deveria reconhecer o seu
lugar de insignificância e conformar-se com o julgamento punitivo do Senhor
sobre ele.
2. Deus caminha com os homens. Nessa parte da poesia Jó expõe seus argumentos de forma mais clara (Jó
23.1 – 24.25). Ele demonstra que nunca negou a transcendência de Deus como
Elifaz quer dar a entender. Ele reconhece que Deus é excelso e pode fazer o que
intenta: “Mas, se ele está contra alguém, quem, então, o desviará? O que a sua
alma quiser, isso fará” (Jó 23.13). Todavia, esse é apenas um lado da história.
Jó está consciente que esse Deus, embora grande, também caminha com os homens
(Jó 23.10). A ideia no texto hebraico é que Jó passa a ficar cada vez mais
seguro e consciente, não apenas de seu caminhar com Deus, mas do caminhar de
Deus com ele. É exatamente isto: Não devemos temer mais em ficar diante de
Deus, pois o andar com Ele é reto. Em Cristo Jesus, Deus caminha com os homens;
sendo o Altíssimo transcendente, envolve-se com os seres humanos nos diversos
detalhes da vida. – A resposta
de Jó ao terceiro discurso de Elifaz não foi uma refutação, mas expressou o seu
anseio pela comunhão com Deus, para que pudesse sentir o amor e a bondade dele,
bem como ouvir dele o significado de todo o seu sofrimento. Ainda que Jó não
pudesse sentir a presença de Deus, acreditava que ele estava presente, e
afirmou o seu compromisso com o propósito do Senhor naquela provação e a sua
contínua obediência à palavra de Deus, que eram as questões mais importantes de
sua vida. Cito novamente, Russell Norman Champlin: “Deus, em Sua vontade
suprema, não dava atenção ao devoto que era tão zeloso e inocente. E continuava
a fazer a Sua vontade. “O que Ele deseja, isso Ele faz”. E isso incluía ignorar
o pobre sofredor, Jó, e até adicionar más dores às suas grandes agonias. Deus
obedecia a Seus próprios padrões e não era obrigado a abençoar o homem justo.
Seus padrões não eram, necessariamente, aqueles que Ele tinha imposto ao homem.
Dentro desse sistema, a razão se esvai e é desconsiderada. Poder é direito.
Algo está certo porque Deus o faz; Deus não faz algo porque isso está correto
pelos padrões humanos. Ninguém pode questionar a Deus, a despeito da injustiça
óbvia das situações. Deus é chamado aqui de imutável, em Seus caminhos
voluntaristas, e não em seus caminhos beneficentes, como em Sal. 33.5. Suas
misericórdias também perduram para sempre (ver I Cr. 16.34), mas Jó não falava
sobre isso. De fato, ele lamentava o fato de Deus persistir em Sua punição,
quando nenhuma misericórdia podia ser encontrada. A persistência de Deus na
perseguição deixava Jó perplexo (vs. 15). Deus tinha posto a Sua soberania
antes do sofrimento humano, como sua causa. Nenhum homem pode mudar Sua mente e
fazer Deus desviar-se de Seus decretos de punição. Note o leitor como até
Paulo, influenciado por uma teologia primitiva dos hebreus, caiu nesse modo voluntarista
de pensamento, em Rom. 9. Caros leitores, o voluntarismo é uma teologia
deficiente, sem importar quem o defenda; ele oblitera o amor de Deus; ignora e
distorce um conceito melhor de Deus, que a revelação cristã trouxe, no geral,
do Novo Testamento. Eis que arrebata a presa! Quem o pode impedir? Quem lhe
dirá: Que fazes? (Jó 9.12) Para mim tudo é o mesmo; por isso digo: tanto
destrói ele o íntegro como o perverso. (Jó 9.22) Melhor: Deus é amor (I
João 4.8). Os decretos de Deus são beneficentes. O próprio julgamento é
remediai (ver I Ped. 4.6)” (CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por
versículo. Editora Hagnos. pag. 1960)
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“Somente parte desta resposta a Elifaz, de forma
semelhante às outras, é dirigida diretamente aos amigos. Jó também se dirige a
Deus, e também há um tipo de conversa introspectiva que Jó tem consigo mesmo. O
apelo prévio de Jó a Deus (13.20-28) permaneceu sem resposta. Deus
aparentemente recusou-se a responder a Jó ou revelar-se a ele. Jó tinha a
esperança de que seu apelo honesto aos céus convenceria seus amigos da
integridade dele. Em vez disso, ele é acusado do uso astuto das palavras para
ocultar o seu pecado (15.5-6). Elifaz tenta convencer Jó de que seus amigos o
abandonaram, e Jó reage com ira, movido por profunda dor” (CHAPMAN, Milo L.;
PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a
Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 57).
CONCLUSÃO
Estudamos o pensamento teológico de Elifaz, um dos amigos de Jó.
Para ele só os maus sofriam os infortúnios da vida. Ele estava convencido de
que ao se negar a reconhecer de que estava em pecado, Jó depunha contra a
religião tradicional que sempre associou as desgraças ao cometimento de algum
pecado. Para ele, Jó estava abandonado por Deus e isso era uma prova
irrefutável de que havia pecado. Jó o contrapôs e defendeu sua integridade e
comunhão diante de Deus. – A
lição apresentou o confronto de duas teologias, a de Jó e a de Elifaz, em busca
da resposta para o sofrimento do justo Jó. Elifaz começou bem a sua apologia,
reconhecendo a maturidade espiritual de Jó e como esse justo homem havia sido
uma bênção para muitas vidas. Seu argumento teve base lógica, apresentou o que
é um ensino notoriamente bíblico: “ao justo, sucede o bem e, aos que semeiam o
mal, virão os males” (Jó 4.7-8; Gl 6.7). Com uma boa teologia, mas um péssimo
conselheiro! Ele reconheceu a santidade, a justiça, a sabedoria e a
misericórdia de Deus, mas mostrou insensatez diante de alguém em terrível
sofrimento. Sua teologia se torna falha à medida que afirma que Deus sendo
justo, não castigaria um homem inocente; logo, Jó era um grande pecador e, por
isso, estava sendo castigado. Não satisfeito, no capítulo 15, usa um discurso
cada vez mais duro, acusando Jó de presunção, uso da linguagem dos astutos e de
beber a maldade como água, e no capítulo 22, acusa Jó de diversos pecados,
caluniando Jó sem fundamento. Elifaz mostrou-se um bom teólogo, mas um péssimo
conselheiro. Que nos fique o exemplo de Elifaz: como conselheiros, precisamos
buscar a sabedoria divina para confortar e ajudar os que sofrem, pois só Deus
sabe o porquê de todo o sofrimento humano.
REFERÊNCIAS
BARBOSA,
Francisco. Lição 6: A teologia de Elifaz. Disponível em: https://auxilioebd.blogspot.com. Acesso em 06.11.2020
CHAMPLIN, R. N. O
Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo:
Hagnos, 2001, p. 1960.
GONÇALVES, José. A
fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó.
Rio de Janeiro: CPAD, 2020.
LIÇÕES BÍBLICAS.
4º Trimestre 2020 - Lição 6. Rio de Janeiro: CPAD, 08, nov. 2020.
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