COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I
INTRODUÇÃO
Nesta aula,
estudaremos sobre a teologia do segundo amigo de Jó, Bildade. Veremos que ela
apresenta o caráter justo e reto de Deus em contraposição ao suposto pecado
oculto de Jó. Estudaremos também a defesa de Bildade por uma moralidade rígida,
fundamentada em meros preceitos religiosos, sem, contudo, guiar-se por
princípios espirituais. E, finalmente, analisaremos a ideia de que, segundo
Bildade, Deus é um ser muito distante e que, devido a sua onipotência e
grandeza, está muito longe do mortal. Ele, portanto, é inacessível. Ao longo de
cada argumento de Bildade, veremos a contraposição de Jó. – A teologia dos amigos de Jó, embora se movendo em eixos diferentes,
demonstram possuir uma mesma direção. Todos defendem um tipo de justiça
retributiva, que tem como consequência final a recompensa dos bons e o castigo
dos maus. É por isso que, às vezes, o livro dá a impressão de ser muito
repetitivo. Esse, porém, é um recurso que o autor utilizou para deixar em
relevo aquilo que ele queria tratar. – O segundo amigo acusador, Bildade,
ofereceu a sua sabedoria a Jó. Bildade, também absolutamente certo de que Jó
havia pecado e que deveria arrepender-se, foi duro nas acusações que fez contra
o servo de Deus. Bildade acusou Jó de defender a própria inocência com um monte
de balela e argumentou que aquelas circunstâncias representavam o castigo de
Deus para os seus pecados e os de sua família. – No Livro de Jó, temos três
discursos de Bildade, nos quais ele realça a prosperidade como a evidência de
uma vida aprovada por Deus. Eis por que, agora, despreza a Jó; neste, vê o
sinal da ira divina. No drama do patriarca, cumpria-se o que disse Ovídio:
“Enquanto o homem tem uma vida próspera, conta sempre com um numeroso grupo de
amigos; tão logo a adversidade o visita, os pretensos amigos o abandonam.
I. O PECADO EM CONTRASTE COM O CARÁTER JUSTO
E SANTO DE DEUS
1. Deus é justo e reto. A teologia de Bildade (Jó 8.1-22) possui semelhanças com a de seu amigo,
Elifaz. Para esse segundo amigo, as ações de Jó não poderiam ser justificadas,
pois elas condenavam a Deus, revelando que Ele punia pessoas justas. Por outro
lado, como Deus não era injusto, então, Jó deveria reconhecer o seu pecado,
pois ele estava sendo terrivelmente afligido. Assim, a teologia de Bildade pode
ser classificada em duas esferas: a dos maus e a dos bons. Por exemplo, Bildade
assevera que os filhos de Jó foram mortos porque eram maus (8.4); por outro
lado, como um homem que alegava ser justo e bom, Jó poderia desfrutar novamente
do favor de Deus se reconhecesse o seu pecado (Jó 8.5). – Adam Clark (2014, p. 11) observa que há a suposição de que
Bildade seria descendente de Suá, um dos filhos de Abraão com Quetura, e que
morava na Arábia, denominada na Bíblia de “terra oriental” (Gn 25.1-2;6). – Bildade
está incomodado com a fala de Jó. No seu entender, Jó, por estar sendo
afligido, estaria acusando o Senhor de ser injusto. Ele acredita que Jó está
sendo punido pelo pecado que cometeu e, por isso, está convencido de que os
argumentos de Jó não passavam de palavras ao vento. Jó tentou de todas as
maneiras evitar as acusações dessa natureza, mas as evidências levaram Bildade
a essa conclusão porque ele não tinha conhecimento dos fatos celestiais.
Bildade afirma a justiça de Deus, mas erra quando julga Jó de ser injusto e o
chama ao arrependimento e, em consequência, gozar outra vez dos favores
divinos. De fato, esse foi o resultado na vida de Jó, não porque ele tenha se
arrependido de algum pecado específico, mas porque se humilhou diante da
soberana e inescrutável vontade de Deus. – Russell Norman Champlin, comentando
o discurso de Bildade, afirma: “Bildade feriu Jó com sua grande faca ao
relembrar-lhe como seus filhos tinham morrido miseravelmente, “Naturalmente,
eles morreram por serem pecadores. Deus os cortou desta vida. E tu, Jó, estás sofrendo
por causa de teus pecados, e em breve Deus também te cortará, se não te
arrependeres.” Bildade ignorou o mistério do sofrimento dos inocentes com uma
pergunta retórica. Em seguida, sua ira inspirou-o a mostrar-se cruel. Elifaz
ainda demonstrou alguma simpatia; mas Bildade assemelhou-se mais a um boxeador
que salta quando a campainha toca. Bildade era o campeão de Deus, enquanto Jó
era o ofensor de Deus. Bildade feriu Jó com sua adaga, “precisamente onde sabia
que feriria mais fundo: no coração do pai cujos filhos tinham morrido. Seus
filhos eram pecadores, e essa era a razão pela qual morreram prematuramente” [...].
Diz o original hebraico: “Deus os jogou fora”, como se eles fossem um lixo
inútil. Jogar fora significa a destruição e o esquecimento da morte. Eles
sofreram a inevitável consequência de seus atos tolos. “Certamente esse ataque
cruel e sem coração feriu Jó profundamente. Afinal de contas, ele tinha
oferecido sacrifícios para encobrir os pecados de seus filhos (ver Jó 1.5)”
2. Uma compreensão limitada da
natureza de Deus. Bildade traz consigo uma
compreensão incompleta e limitada da natureza de Deus, o que faz com que ele
pense que o sofrimento de Jó seja a consequência de um pecado oculto. Assim,
outra compreensão é evidente: Jó deve demonstrar que é realmente bom e que
merece o favor de Deus. É uma teologia que destaca uma meritocracia humana no
processo de justificação diante de Deus: “Mas, se tu de madrugada buscares a
Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia, se fores puro e reto, certamente,
logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça” (8.5,6). Logo, o
enfoque de Bildade não é a graça que flui de Deus, mas o esforço humano que,
por mérito próprio, pretende justificar o homem diante de Deus. – As palavras de Bildade: “Se fores puro e reto, certamente,
logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça” (8.6), parecem-se
com as palavras de seu amigo Elifaz: Une-te, pois, a Deus, e tem paz, e, assim,
te sobrevirá o bem” (22.21). – A essa altura da intervenção de Bildade, está
claro que este amigo de Jó entende que o assunto está nas mãos de Jó, não está
com Deus; Jó deveria ser mais humilde, menos arrogante, para que resgate o
favor de Deus. Champlin, afirma: “O segundo crítico de Jó, portanto, perdeu
completamente de vista que a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura, não
explica todo o sofrimento que há no mundo. Os inocentes podem sofrer e
realmente sofrem. O problema do mal está repleto de enigmas. A lei do carma é
poderosa, e a retribuição é necessária e útil, porquanto cura, e não meramente
castiga. Mas não podemos explicar todas as coisas e condições más apelando a
essa lei. Jó havia apelado a Deus (ver Jó 7.20,21), mas seus críticos supunham
que seu apelo carecesse de sinceridade moral. Deus havia arrebatado as
propriedades de Jó. Mas, se ele se arrependesse, obteria novas propriedades, ‘restauração
da justiça de tua morada’, onde Deus entraria em comunhão com o seu
proprietário. Suas antigas propriedades eram cenário de segredos e pecados
graves, ou não teriam sido destruídas pelas forças da natureza. Alguns
estudiosos espiritualizam ‘morada’ neste versículo, pensando significar a alma.
Jó prosperaria espiritualmente, mas essa é uma explicação anacrônica”
3. A imperfeição humana. Diante da defesa teológica feita por Bildade, Jó pergunta: “Como se
justificaria o homem para com Deus?” (Jó 9.2). Ora, Deus é infinitamente sábio
e justo. Jó está consciente de que nenhuma perfeição humana o habilitará a
aproximar-se de Deus. Dessa forma a autopurificação não passava de presunção:
“Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão,
mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão”
(Jó 9.30,31). A linguagem é poética, mas ela afirma objetivamente a
doutrina da santidade de Deus e a pecaminosidade humana. Deus é santo e Jó, um
pecador. Entretanto, essa não era a questão para Jó. O grande questionamento
dele poderia ser feito da seguinte forma: “É verdade que onde há sofrimento há
pecado?” Seus amigos responderiam: sim; Jó, um retumbante não.
Deus já havia testemunhado
acerca da integridade e da justiça de Jó. Isso deixa claro que nem sempre o
sofrimento é fruto de uma imperfeição moral ou resultado de um pecado pessoal.
Esse era o caso de Jó. – Contrariamente ao pensamento de
Bildade, Jó estava convencido de que já vivia uma vida reta diante de Deus. A
insistência de Bildade para que ele buscasse a pureza e a retidão soava aos
seus ouvidos que ele precisava nivelar-se ao Altíssimo na sua pureza. Isso,
evidentemente, Jó tinha consciência de que seria algo inalcançável: “Ainda que
me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me
submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão” (9.30,31). Em
contraste com os amigos, que constantemente recomendarão remédios religiosos
para conservar o relacionamento entre Jó e Deus, ele vê, a despeito da sua
piedade destacada, que a autopurificação é impossível, e, realmente, é uma
presunção. Embora a lavagem das mãos (30) possa ser cerimonial, sem dúvida Jó
pretende aqui representar uma total purificação moral. Tudo em vão. Jó diz de
modo horrível que Deus o submergirá no lodo. Alguns comentaristas veem nesta
declaração repugnante o pessimismo de Jó no seu mais baixo ponto. Visto que
Deus faz tudo, é Ele quem toma sujos os homens. Mas as palavras seguintes
corrigem esta impressão unilateral. – Jó, entretanto tinha consciência que
ninguém poderia alcançar um estado de perfeição completa. Para ele viver essa santidade
absoluta seria impossível, visto que quem a possui é somente o Senhor.
SUBSÍDIO DIDÁTICO -PEDAGÓGICO
Para explicar melhor
este primeiro tópico, é importante que você faça uma reflexão doutrinária
acerca da justiça de Deus e da imperfeição do ser humano. São duas áreas
teológicas que estudamos nas disciplinas de Teologia (estudo de Deus) e
Antropologia Bíblica (estudo do homem). Dominar esses dois temas é muito
importante para desenvolver o presente tópico com segurança. Para auxiliá-lo
nessa tarefa sugerimos duas boas obras editadas pela CPAD: Teologia
Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal, organizada por Stanley Horton;
Doutrinas Bíblicas: Os Fundamentos da Nossa Fé, de Stanley Horton e William W.
Menzies.
II. O PECADO VISTO COMO QUEBRA DA MORALIDADE
TRADICIONAL
1. Moralismo por tradição. Bildade (Jó 18.1-21) também está comprometido na defesa da moralidade
que ele acredita ser a correta. Para ele não havia nada errado quando fez a
defesa da justiça divina, da mesma forma que acreditou estar correto quando
defendera a moralidade dos seus dias. Todavia, não podemos falar de uma ética
ou teologia moral de Bildade, mas simplesmente de um moralismo fundamentado na
tradição (18.1-21). – Bildade, no seu
segundo discurso posiciona-se na defesa da moral tradicional. Há um conteúdo ético
embutido por trás dos seus argumentos de que a luz dos ímpios se apagará.
Vivemos em um universo moral onde as ações sempre produziram consequências. Ele,
portanto, posiciona-se em defesa da moralidade que herdara dos seus
antepassados. Não há dúvida de que o rigorismo ético não está presente apenas
no discurso dos amigos de Jó, mas também pode ser encontrado em outras partes
do Antigo Testamento. A Antiga Aliança posiciona-se a favor de uma moralidade
de cunho universal. Compreender a evolução do pensamento ético dentro da revelação
hebraica do Antigo Testamento sem dúvida contribui para o entendimento do
contexto de Jó.
2. A subversão da ordem
moral. Na verdade, Bildade simplesmente repete o que já
vem sendo defendido por gerações passadas, todavia, acrescentando alguns
contornos aos seus pressupostos teológicos. Para ele as desgraças sofridas por
Jó ocorreram por causa da quebra da moralidade estabelecida. Como o entendimento
de Bildade era o de que o universo é controlado por leis morais inflexíveis, ao
quebrá-las Jó sofreu as consequências da mesma forma que sofre quem quebra a
lei da gravidade. Nesse aspecto, praticar a justiça é se ajustar à dinâmica
dessas leis morais. Bildade acreditava que de nada adiantava Jó achar que os
maus prosperavam, pois isso era apenas ilusão. No seu entendimento, a
prosperidade dos maus assemelhava-se as raízes de uma árvore que foram
cortadas, cujos ramos, embora mantenham a aparência de verdor por algum tempo,
todavia, necessariamente murcharão (18.12-16). Ao não reconhecer isso, Jó
estaria tentando subverter a ordem moral aceita. –
Bildade professa uma teologia torta, mesclada com verdades e erros. Ele acusou
o homem errado pelos motivos errados, mas, aquilo que disse sobre a morte (rei
dos terrores - Jó 18.14, a morte personificada com todos os seus
terrores para o perverso), deve ser levado a sério. A morte é um inimigo temido
por todos os que não estão preparados para enfrentá-lo (1Co 15.26), e a única
forma de se preparar é crer em Jesus Cristo (Jo 5.24). O crente firmado nas
Escrituras entende que, morrer significa ir para o lar e estar junto do Pai no
céu (Jo 14.1-6), adormecer na terra e despertar no céu (At 7.60; Fp 1.21-23), entrar
no descanso (Ap 14.13) e numa luz mais fulgurante (Pv 4.18). Nenhuma das
figuras apresentadas por Bildade aplica-se àqueles que são salvos em Cristo! O
verso 21 termina, dizendo: Tais são, na verdade, as moradas do perverso, e
este é o paradeiro dos que não conhecem a Deus. E nós acrescentamos que
esta foi a consolação que Bildade trouxe ao seu amigo, uma descrição digna do
pior elemento humano, do mais degradado, do mais iníquo, do mais diabólico.
Mesmo sabendo que se trata de poesia, ainda assim, tirando o que se pode tirar
deste famoso discurso, uma lição fica: o pecado é, a ruína do homem e da
sociedade” (Mesquita. Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do
sofrimento humano. Editora JUERP).
3. Contemplando a cruz. O capítulo 19 é dedicado à defesa de Jó. É inegável que Jó sabia que
Deus atua em um universo moral e que tudo o que acontece está sob seu controle.
O homem de Uz estava convicto de que não havia quebrado nenhuma lei moral,
sendo, portanto, inocente e que o seu sofrimento não teria razão aparente. Mas
diante das acusações dos amigos, ele está disposto a abandonar toda tentativa
de se autojustificar (Jó 19. 21-24). Ele quer abandonar toda instância humana e
apelar para um mediador (redentor) que defenderá sua causa. Ele não quer mais
se defender; ao invés disso, apela para alguém totalmente justo, que vai ficar
entre ele e Deus. É ai que ele contempla a cruz: “Eu sei que meu redentor vive”
(v. 25). A palavra “redentor” traduz o hebraico goel e significa alguém que
defendia um familiar quando este não podia fazer sua própria defesa.
Os primeiros líderes da Igreja
entendiam que Jó predisse a ressurreição que será efetuada por Cristo no final
dos tempos e da qual ele participará. O patriarca queria a intercessão desse
justo, imparcial e eficiente mediador. – No capítulo 19.1-29
temos a resposta desesperada de Jó ao segundo discurso de Bildade. Jó começou
com o grito angustiado de que seus amigos haviam se tornado recalcitrantes e
intransigentes como mentores (vs. 2-3), e que não conseguiam causar nenhum
efeito na maneira como ele lidava com o pecado que julgavam existir. Jó deixou
claro que se Deus lhe havia enviado amigos como Bildade, quem precisava de
inimigos? Ele temia que não houvesse justiça. Deus o havia cercado, destituído,
arruinado e se virado contra ele. Seus familiares e amigos o desampararam, por
isso todos deveriam compadecer-se dele porque: Deus havia causado tudo isso
(vs. 21-22). Sobre a esperança que Jó nutria em um Redentor, CHAMPLIN escreve:
“Por que eu sei que o meu Redentor vive. A palavra hebraica goel é assim
traduzida. A palavra admite ambas as ideias de vindicador e de redentor. Existe
aquele parente redentor que vai buscar as propriedades que um homem vendera. E
existe aquele vingador do sangue, que vinga a morte de um parente e, assim
sendo, recebe as honras de um remidor. Isso posto, o goel podia ser um
redentor, um vingador ou um defensor dos oprimidos. Nesse ofício, ele seria um
mediador. Deus, como goel, redimiu Israel do Egito (ver Êx 6.6; 15.13; Sal.
74.2). Ele também redime do exílio (ver Is 41.14) da morte (ver Sl 69.18; 2.14;
Lm 3.58; Os 13.14). Resta saber qual desses sentidos possíveis está no texto à
nossa frente. Jó buscava vindicação (vss. 23 e 24), de modo que é provável que
ele estivesse pensando em Deus como o divino vindicador, o qual finalmente
defenderia o seu caso e diria “Jó era inocente, embora tenha sofrido”. Dessa
maneira a honra de Jó seria restaurada, e seu nome seria limpo. Deus se
levantaria para vindicar Jó e corrigir os seus atormentadores”.
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“Neste capítulo [18],
Bildade disfere um segundo ataque contra Jó. No seu primeiro discurso (Jó 8),
ele lhe tinha dado encorajamento para ter esperança de que tudo lhe sairia bem.
Mas aqui não há uma palavra sequer sobre isto; ele ficou mais irritante, e está
tão longe de ser convencido pelos argumentos de Jó que está ainda mais
exasperado. I. Ele reprova Jó de maneira contundente, como sendo arrogante e
inflamado, e obstinado na sua opinião (vv.1-4). II. Ele detalha a doutrina que
tinha apresentado antes, a respeito da miséria dos ímpios e a ruína que os
acompanha (vv.5-21). Aqui, ele parece, o tempo todo, se fixar nas queixas de Jó
sobre a infeliz condição em que se encontrava, de que ele estava nas trevas,
confuso, preso, aterrorizado, e apressando-se para deixar o mundo. ‘Esta’, diz
Bildade, ‘é a condição de um homem ímpio; e, portanto, és um deles’. […] Aqui
Bildade dispara suas flechas, e também suas palavras amargas, contra o pobre
Jó, sem pensar que, embora ele (Bildade) fosse um homem sábio e bom, neste caso
estava servindo os desígnios de Satanás, contribuindo para a aflição de Jó” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo
Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 92).
III. O PECADO EM CONTRASTE COM A
MAJESTADE DE DEUS
1. A grandeza de Deus. O terceiro discurso de Bildade é feito para exaltar Deus e rebaixar Jó
(Jó 25.1-6). Não há como negar que o longo debate entre Jó e seu amigo, esgotou
o poder argumentativo de Bildade, o que fez com que ele repetisse várias vezes
o que já havia dito. Na verdade, o seu último discurso não traz nada de novo.
No capítulo 25 ele destaca a
onipotência divina. Deus é grande e poderoso (v. 2). Por isso nada há de errado
quando Bildade defende a majestade do Altíssimo. Todavia, como alguns autores
destacam, Bildade acaba por criar um abismo que não existe entre a criatura e o
Criador. O Deus defendido por ele não é o revelado na Bíblia. As ideias de
Bildade se antecipam àquela defendida milênios depois pelo deísmo do final do
século XVIII. Segundo os deístas, Deus criou o mundo, mas ausentou-se dele. – Bildade proferiu seu terceiro discurso (o último discurso
dos três amigos), e reafirmou a mesma teoria que Deus era majestoso e exaltado,
e o homem era pecador, principalmente Jó. Ele queria contrastar Deus com o
humilde e pecaminoso homem, entre os quais ele contava Jó. Comentando este
último discurso de Bildade, Champlin argumenta: “Deus é soberano, o Rei do
universo, e todos O temem, exceto Jó, aquele pecador que continuava propagando
sua própria inocência. As hostes do céu temem a Deus; homens sensatos O temem;
justos O temem; mas não aquele verme, Jó. Deus, que habita nos altos céus,
aplaca toda a oposição e estabelece a paz, até mesmo nas habitações mais elevadas
de todas as criaturas, incluindo os santos anjos. No entanto, Deus não teria
conseguido estabelecer a paz com o rebelde, Jó. Cf. a paz trazida por Cristo na
escala universal, em Cl 1.20 e Ef 1.10. No céu, Deus mantém a harmonia, mas, na
terra, é forçado a tolerar homens como Jó, que estão sempre semeando o caos.
Seja como for, a profunda admiração nem sempre se transmuda em amor, sendo
certo que a rebeldia de Jó não o fazia. Deus governa inúmeras forças, mas o
minúsculo e miserável Jó resistia ao governo de Deus, sendo esse o motivo pelo
qual ele sofria tão grandes dores”.
2. Onipotente, mas não
ausente. Jó responde a Bildade com
ironia: “Como ajudaste aquele que não tinha força e sustentaste o braço que não
tinha vigor!” (Jó 26.2). Aqui, Jó não questiona a onipotência divina, mas a
aplicação que Bildade faz desse conceito. O conceito de um Deus grandioso, que
é soberano em suas ações, não deveria vir acompanhado também do conceito de um
ser compassivo e amoroso? Deus não deve ser visto apenas em sua força, mas,
sobretudo, por seu amor. Ele nunca exaltou seu poder e grandeza acima do seu
amor. Ele não disciplina simplesmente porque é grande, forte e soberano, mas
porque ama.
Diferentemente do conceito
apresentado por Bildade, o Deus que a Bíblia apresenta é poderoso e glorioso,
mas, principalmente, misericordioso e gracioso. Temos de cuidar para que no
momento do sofrimento não manchemos a imagem de um Deus que não é só força, mas
igualmente amor. – Jó proferiu seu último discurso em refutação a
Elifaz, Bildade e Zofar, respondendo à falta de preocupação de Bildade para com
ele, mostrando que todas as palavras teológicas e racionais de seus amigos
haviam perdido totalmente o foco de sua necessidade e em nada ajudaram. Jó faz
uso de uma linguagem irônica nessa refutação à Bildade, procurando repreender à
sua fútil tentativa de fazê-lo confessar seus pecados para que pudesse receber
alívio. Warren W. Wiersbe, em seu “Comentário Bíblico Expositivo. A.T. Vol.
III” (Central Gospel), escreve: “Antes de engrandecer o poder Deus no Universo,
Jó repreendeu Bildade por não lhe dar ajuda alguma (Jó 26:1-4). Jó não tinha
poder algum, mas Bildade não o fortaleceu. De acordo com seus amigos, Jó não
tinha sabedoria e, no entanto, Bildade não compartilhou com ele uma só migalha
de sabedoria ou discernimento. “Com a ajuda de quem proferes tais palavras? E
de quem é o espírito que fala em ti?” (v. 4). Se as palavras de Bildade
tivessem vindo de Deus, teriam edificado Jó, pois ele havia clamado a Deus
pedindo que lhe respondesse. A conclusão é que as palavras de Bildade vinham
apenas dele próprio e, por isso, não fizeram bem algum a Jó” (WIERSBE.
Warren W. Comentário Bíblico Expositivo. A.T. Vol. III. Editora Central Gospel.
pag. 55).
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“Deus é Exaltado e o Homem é Abatido [25]
(vv.1-6). Bildade deve ser elogiado aqui, por dois motivos: 1. Por não mais
falar sobre o assunto sobre o qual ele e Jó divergiam. Talvez ele começasse a
pensar que Jó estava certo, e então era justo não dizer mais nada sobre isto,
como alguém que disputava pela verdade, ficaria satisfeito em ceder a vitória;
ou, se ainda se julgasse certo, ainda assim sabia quando já tinha dito o
suficiente, e não discutiria incessantemente pela última palavra. Talvez, na
verdade, uma razão pela qual ele e os demais deixaram diminuir este
debate foi o fato de que percebiam que Jó e eles mesmos não divergiam tanto em
opinião como pensavam: eles reconheceram que os ímpios podiam prosperar por
algum tempo, e Jó reconheceu que eles seriam destruídos, no final; quão
pequena, então, era a diferença! Se os contendores entendessem melhor, uns aos
outros, talvez se encontrassem mais próximos uns dos outros, do que imaginavam.
2. Por falar tão bem sobre o assunto em que ele e Jó estavam de acordo. Se
tivéssemos os nossos corações cheios de pensamentos respeitosos e reverentes
sobre Deus e pensamentos humildades sobre nós mesmos, não seríamos tão
propensos como somos a contender por questões de duvidosa controvérsia, que são
assuntos intricados ou insignificantes” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a
Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 125).
CONCLUSÃO
Nesta lição vimos
que o debate entre Bildade e Jó assume alguns contornos teológicos muito
relevantes. Bildade faz três discursos teológicos e em cada um deles põe em
destaque a sua crença. Ele não crê na inocência de Jó e, por isso, atribui o
seu sofrimento à existência do pecado. Assim, ele orienta Jó a viver segundo os
ditames da tradição e, como consequência, o empurra para um moralismo de
natureza apenas religiosa. Por último, quando quer exaltar a grandeza de Deus a
qualquer custo, acaba por criar um abismo intransponível entre o Criador e a
criatura. – Poderíamos certamente elogiar
Bildade nesse seu discurso em busca da resposta ao sofrimento humano,
principalmente, quando ele afirma acertadamente que “A Deus pertence o domínio
e o poder; ele faz reinar a paz nas alturas celestes” (Jó 25.2). No desenrolar
da conversa, parece haver um começo de pensar que Jó estava certo, e cessa de
argumentar teologicamente os motivos de tanto sofrimento. As teologias
debatidas, tanto dos três amigos quanto a de Jó, de fato, divergem pouco, e
talvez essa tenha sido a razão do término dos debates; concluíram não divergiam
tanto em opinião como pensavam. “Se tivéssemos os nossos corações cheios de
pensamentos respeitosos e reverentes sobre Deus e pensamentos humildes sobre
nós mesmos, não seríamos tão propensos como somos a contender por questões de
duvidosa controvérsia, que são assuntos intrincados ou insignificantes”.
REFERÊNCIAS
ANDRADE. Claudionor Corrêa de, Jó o Problema do sofrimento
do justo e o seu propósito. Série Comentário Bíblico. Editora CPAD. p.
37-38.
BARBOSA,
Francisco. Lição 6: A teologia de Bildade. Disponível em: https://auxilioebd.blogspot.com. Acesso em 13.11.2020
CHAMPLIN, R. N. O
Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo:
Hagnos, 2001, p. 1901.
GONÇALVES, José. A
fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de
Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.
HENRY, Matthew. Comentário
Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.
Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
LIÇÕES BÍBLICAS.
4º Trimestre 2020 - Lição 7. Rio de Janeiro: CPAD, 15, nov. 2020.
MESQUITA.
Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. São Paulo:
JUERP, 2013.
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