sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

LIÇÃO 10: A ÚLTIMA DEFESA DE JÓ

 
 

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

O capítulo 31 encerra da seguinte forma: “Acabaram-se as palavras de Jó” (Jó 31.40). Trata-se de uma retrospectiva nostálgica do passado Jó (Jó 31.29-31). Por isso, nesta lição, veremos a lembrança de Jó acerca de sua prosperidade material e espiritual, de sua adoração a Deus e das bênçãos que o Todo-Poderoso concedeu à sua casa; mas, agora, em oposição ao momento de escárnio e vergonha que ele passa no presente. Nesse sentido, Jó não aceita que as coisas terminem assim e, portanto, ele deseja se apresentar diante de Deus para defender a sua causa. – O longo debate entre Jó e os seus amigos terminou com um primoroso discurso de Jó sobre a sabedoria (Jó 28). Um novo ciclo está para ter início. Todavia, antes que Eliú entre em cena (Cap. 32), Jó faz a sua última defesa em prol da sua inocência. O poderoso discurso final de Jó tem três seções. Ao rever o primeiro em um tom nostálgico, vida feliz passado antes que a mão de Deus caiu sobre ele (cap. 29). Na segunda, descrito em tom patético, isolamento e degradação presente (cap. 30). O terceiro expressa, em tom de desafio, uma série de maldições se chegando ao seu clímax com um apelo desesperado para ser ouvido e alegou (cap. 31). Completamente ignorar os amigos, e não dirigida a Deus. Jó é totalmente falando de si mesmo, e sua concentração nesta questão que torna esta uma das partes mais incríveis e emocionantes do livro.

   I. JÓ RELEMBRA SEU PASSADO DE GLÓRIA

1. Prosperidade material e espiritual (29.1-11). Jó demonstra um sentimento nostálgico com relação a seu passado. A primeira coisa que se lembrou desse passado glorioso foi a comunhão que ele desfrutou com Deus (Jó 29.2,4). Eram lembranças de um passado que não mais existia. Ele lembra que Deus o protegia (Jó 29.2); suas bênçãos sobre ele e sua família (Jó 29.3); sua orientação em meio às dificuldades (Jó 29.3); e a presença real de Deus na vida dele (Jó 29.5). Jó, portanto, havia sido um homem grandemente abençoado por Deus.

2. Reconhecimento social (29.14-25). Jó também se lembra de sua antiga condição social, quando exercia a função de um respeitado juiz de sua cidade (Jó 29.7). Tanto os jovens como os velhos o procuravam para serem orientados (29.8). Talvez isso explique a linguagem jurídica que aparece com frequência nos diálogos do livro. Isso demonstra que ele exercia um importante papel social na sua comunidade. Ele ajudava o desvalido, dava orientação de forma sábia e agia com justiça (Jó 29.14-20,21-25).

Na sua busca pela justiça social, Jó protegia os pobres e punia os opressores (Jó 29.17). Seu amor e defesa pela justiça eram-lhe como uma vestimenta e adorno (Jó 29.14). Ele dava apoio social aos menos favorecidos e era como se fosse os “olhos” do cego. Até mesmo com os estrangeiros ele se preocupava (Jó 29.15,16). Tendo agido com justiça e equidade, nada mais natural que esperasse que seus dias terminassem em paz ao lado de sua esposa e filhos (Jó 29.18). O contrário disso não estava em sua agenda: terminar a vida sem saúde, sem honra e sem paz com Deus. Jó dá início às suas lembranças recordando o seu relacionamento com Deus. “Como nos dias em que Deus me guardava!” (v. 2). No passado, Jó sentia-se cuidado e protegido por Deus. Nesse aspecto, a lâmpada do Senhor estava sempre sobre a sua cabeça (v. 3). Tudo isso agora fazia parte de um passado distante. Agora, ele sentia-se abandonado por Deus, pelos amigos e pela comunidade. Sem dúvida, uma trágica lembrança. – Essa retrospectiva nostálgica não somente preenche os detalhes do retrato da vida de Jó que nos foram apresentados no prólogo, mas também nos transmite o tom de como era a vida que Jó perdeu: de relacionamentos enternecidos e dignos. Aqueles haviam sido dias em que Deus cuidava de mim (v. 2), os dias do meu vigor (v. 4), lit. “dias de outono”, sendo o outono a estação da maturidade e do novo crescimento, quando vêm as chuvas frescas. Aqueles haviam sido dias de prosperidade; os seus rebanhos eram tão numerosos que as suas veredas se embebiam em nata; as suas oliveiras, tão carregadas de frutos que a rocha [as prensas] me despejava torrentes de azeite (v. 6). Aqueles haviam sido dias em que ele era respeitado como o homem mais importante, ou o xeque, da sua vila, cuja opinião tinha o maior peso na reunião de anciãos na porta da cidade, i.e., o espaço aberto perto da entrada da vila (v. 7-10). Aqueles haviam sido dias em que ele estava na posição de prestar ajuda aos necessitados, entre eles o pobre e o órfão (v. 12), o que estava à beira da morte (v. 13), a viúva (v. 13b), o cego e o aleijado (v. 15), os desconhecidos por cuja defesa ele se interessava (v. 16b). Os dois mesmos temas da sua segurança e da sua função proeminente e positiva na sociedade são então repetidos nos v. 18ss e 21-25. – É notável que para Jó as bênçãos daquele período da sua vida não incluíam som ente prosperidade material e honra social, mas, o que é igualmente importante, a possibilidade de fazer o bem aos necessitados. Ao contrário da estimativa de Elifaz de que o pecado de Jó teria de incluir omissões na esfera social (22.6-9), o presente discurso de Jó indiretamente o absolve de qualquer falha nessa esfera. O privilégio das riquezas aos olhos de Jó era exatamente o de ser capaz de cuidar dos necessitados. O orgulho de Jó pelas suas realizações, como Andersen destaca, era legítimo, e não farisaico: “Para Jó, adotar a postura de um pecador encolhido e humilhado teria sido um tipo de farisaísmo”. Embora da perspectiva paulina saibamos que no sentido estrito não há ninguém justo diante de Deus (Rm 3.10), o exemplo de Jó deixa claro que fazemos mal em achar que o ser humano é absolutamente mau, ou que ele nunca pode ser inocente ou justo.

3. Uma ponderação importante. Não há dúvida de que Jó, conforme a Bíblia mostra, era um modelo de justiça social. Todavia, devemos ter o cuidado de não transportar para dentro do texto bíblico nenhuma teoria moderna de justiça social firmada em valores materialistas contrários aos defendidos nas Escrituras. De fato ele era um homem que defendia a justiça social, mas nem de longe se pode classificá-lo como um socialista nos termos modernos. Isso seria forçar o texto, ir além do que está escrito e sobrepor o pensamento político na Bíblia. À luz da teologia bíblica, a leitura de Jó transcende em muito o mero discurso social. Não é que ele não seja relevante, pois é relevante sim, todavia, a mensagem de Jó não pode ser resumida a essa temática. Quando o livro de Jó é visto por esse prisma, torna-se apenas uma alegoria de uma sociedade oprimida e marginalizada economicamente. Se for visto dessa forma, o livro de Jó não passa de um panfleto com ideias socialistas, o que não condiz com a rica mensagem do livro. Embora as questões sociais possam ser discutidas a partir do livro de Jó, a questão contemplada por ele é muito mais relevante. Não pode ser visto como um conflito de classes onde a nobreza e o proletariado estão em conflito, nem tampouco um contraste entre comunismo e capitalismo. Essas são ideologias modernas que são frequentemente transportadas para dentro do texto. Jó transcende em muito a tudo isso.

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Para introduzir este primeiro tópico, fale um pouco acerca das parcerias nos momentos de sucesso e da solidão nos momentos difíceis. É bem provável que você tenha na classe alunos que já experimentaram essa realidade. Quando tinham posses viviam cercados de “amigos”, mas quando perderam tudo os tais “amigos” simplesmente desapareceram. Embora Jó tenha usado esse exemplo para demarcar bem aos seus amigos o tamanho de sua tragédia, podemos usar esse mesmo exemplo para constatar uma mesma realidade: vivemos numa sociedade que valoriza mais o “ter” que o “ser”. Por isso, como Igreja de Cristo, devemos acolher entre nós as pessoas que precisam de comunhão e serviço.

  II. JÓ LAMENTA SEU ESTADO PRESENTE

1. Desprezo por parte dos jovens e das classes menos favorecidas (30.1-23). Após lembrar com tristeza da sua antiga condição social próspera, Jó lamenta o ponto que havia chegado sua miséria. No Antigo Oriente, os mais velhos eram objetos de grande estima (Pv 20.29). Por isso, quando gozava de sua prosperidade, ele era respeitado não apenas pelos mais velhos, mas também pelos mais jovens. Entretanto, Jó lembra que “agora se riem de mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho” (Jó 30.1). De homem respeitado, ele passou a ser visto como uma escória social (Jó 30.1-8). Jó, portanto, lamentava estar no fundo do poço.

2. Abatimento físico e emocional (30.16-31). O patriarca se sente um homem abandonado por Deus, por isso, essa lembrança o lança numa profunda tristeza e produz em sua vida um grande sofrimento que, além de físico, era também de natureza emocional. Como o salmista, Jó lamenta suas dores (Sl 42.4). Nas suas vestes, ele via uma prova real de seu sofrimento (Jó 30.18). Nesse sentido, no versículo 18 aparece a palavra “desfigurou”.

Alguns intérpretes acreditam que a palavra melhor traduzida é “manchada”. Ou seja, as feridas abertas de Jó haviam manchado suas vestes. Ele imagina que Deus está por trás de todo esse sofrimento (Jó 30.19) e que, mesmo depois de clamar, o Altíssimo lhe ignora. O homem de Uz sente-se caçado como um animal selvagem e atormentado por um furacão (Jó 3.21,22).

3. Deus teria abandonado Jó? O sofrimento emocional de Jó refletia a sua crença de que havia sido abandonado por Deus (Jó 30.16-23). Todavia, era também um reflexo de ter sido abandonado pelos homens (30.24-31). Junto a isso, ele observou que o seu clamor foi totalmente desconsiderado. Doía saber que havia ajudado muitas pessoas carentes e necessitadas de socorro (Jó 30.25), mas agora o seu clamor por socorro ser totalmente ignorado. Em vez de ajudado, ele era repelido como uma escória social (Jó 30.26). Quantas pessoas não passam por esse sentimento? Quantas vezes um sentimento de injustiça não assola-nos à alma? Cheguemo-nos diante de Deus e entreguemos tudo em seu altar. – Agora que Jó compara a sua sorte atual com o período anterior da sua vida, o contraste não poderia ser mais cruel. Assim como o período anterior da vida havia consistido em uma rede de relacionamentos harmoniosos com Deus, seus pares e com os menos privilegiados, sua condição atual é representada pela destruição daqueles relacionamentos. Os homens agora o tratam com desprezo (v. 1-15; v. 24-31), enquanto Deus o rejeitou (v. 16-23); de certa forma, no entanto, é tudo a mesma experiência, porque é por causa de Deus que ele está sofrendo o desprezo dos homens (v. 11). (a) As pessoas sem valor que o desprezam (30.1-8). As três primeiras estrofes desse movimento do poema começam com: Mas agora (v. 1; cf. v. 9,16), destacando a mudança da condição de Jó. A atitude de Jó para com aqueles que o desprezam à primeira vista parece muito aristocrática: eles são Prole desprezível e sem nome (v. 8), os pobres da terra que vivem de folhas e raízes (como parece querer dizer o v. 4). Não é exatamente dessas pessoas que em dias passados Jó teria cuidado? Sim, e é exatamente por essa razão que ele trata com desprezo o desdém deles agora. Até mesmo aqueles a quem antes ele tratava com generosidade se voltaram contra ele agora e o consideram inferior a eles. É a ingratidão deles que o leva à ira. O texto dessa estrofe contém muitas dificuldades, mas o sentido geral é que, entre aqueles que agora se consideram superiores a ele, Jó vê fracos que, passando necessidade e fome (v. 3), não têm forças para qualquer trabalho produtivo; eles são os marginalizados da sociedade (v. 8), e mesmo assim a sua posição é superior à dele. (b) Os embrutecidos que o atacam (30.9-15). Jó é agora o alvo do escárnio (canções [...] provérbio) para aqueles a quem tinha ajudado. Jó se queixa de que eles o atacam (v. 14); embora o texto não sugira maiores ataques físicos do que os que ocorreram no ser expulso da comunidade dos homens (v. 12), o tratamento que ele recebe o faz sentir como uma cidade sitiada (v. 14), incluindo os pavores que fazem parte disso (v. 15). Tudo isso acontece porque Deus permitiu e estimulou os que o atacam, pois afrouxou a corda do arco de Jó (metáfora da perda de sua vitalidade) ou soltou a sua “corda” (RSV), uma metáfora relacionada a soltar a corda da tenda, que faz a tenda desabar (v. 11). (c) O sofrimento que Deus lhe inflige (30.16-23). Acima de toda a desgraça por que passa, está o puro sofrimento físico que o tem atormentado desde o início. Dia e noite, as dores o corroem como um monstro (v. 16ss). Tudo isso é obra de Deus (v. 19); contudo, os apelos a ele caem em ouvidos surdos (v. 20), mas Deus também, como a turba repugnante, se voltou contra ele com dureza (v. 21) e inevitavelmente o fará descer até a morte (v. 23). (d) Ele precisa clamar por ajuda (30.24-31). Embora esteja convicto de que isso não vai resultar em bem algum, ele precisa gritar por socorro (v. 24); ele merece ajuda, pois ajudou a tantos (v. 25), mas, quando esperava o bem, veio o mal (v. 26). Este movimento (cap. 30) do seu discurso termina com a recapitulação da sua desgraça aos olhos dos homens, o tema com que começou: ele é rejeitado pela assembleia dos seus aldeões (v. 28) e é despachado para a companhia de criaturas selvagens (v. 29). A sua pele se escurece em virtude de sua doença (v. 28,30), e assim ele se torna repugnante, e a música de sua antiga vida se transforma em cantos fúnebres (v. 31).

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Este capítulo [30] contrasta com o capítulo 29. No lugar em que Jó desfrutava do respeito e honra dos anciãos da cidade e das pessoas importantes, ele agora é desprezado pelas pessoas mais vis da sociedade. Mas agora (1) introduz a mudança de como era o passado para o que é no presente. O capítulo 29 terminou com Jó lembrando de como em épocas passadas ele era semelhante a um rei entre os homens. Agora, mesmo homens mais jovens, cujos pais Jó não consideraria aptos para serem os cães do seu rebanho, o menosprezam. Essa classe de homens era tão miserável que eram magros devido à fome (3). O único alimento que eles podiam obter era a produção escassa das áreas desertas. Eles eram forçados a comer as folhas das malvas (4), um arbusto raquítico que cresce nos brejos salgados da Palestina, e raízes de zimbros, semelhantes a arbustos do deserto (giesta) em vez da árvore de zimbro. Esses infelizes eram expulsos (5) da sociedade como se fossem ladrões e eram, portanto, forçados a viver nas cavernas e entre as rochas (6). Bramavam entre os arbustos (7), vivendo como o asno e comendo a comida de asnos silvestres. Assim, eles eram filhos de doidos (8), literalmente, ‘filhos de desprezíveis’. Como filhos de gente sem nome, eles eram expulsos da terra (‘da terra são escorraçados’, ARA). Mas agora (9) Jó é alvo do seu escárnio! Ele é como um provérbio para eles. A repugnância deles é tão grande que cospem no seu rosto (10). Porque Deus oprimiu (11) Jó, eles são incontidos em sua hostilidade contra ele. Moços o empurram (12) para o lado e obstruem o seu caminho (13) e, dessa forma, promovem a sua miséria. A ação desses párias não é acidental. Ela vem contra Jó como por uma grande brecha (14). Eles o apavoram com seus abusos persistentes até que sua honra (dignidade) evapora como uma nuvem (15)” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.77)

  III. O FUTURO EM ABERTO DE JÓ

1. Jó em defesa de sua ética sexual (31.1-4). Seus amigos silenciaram, Jó sabe que nada está resolvido, o futuro ainda está em aberto e se mostra incerto. Haverá alguma resposta? Ao querer mostrar a sua inocência, Jó ainda sente a necessidade de se defender. A primeira defesa dele é em relação ao comportamento ético-sexual, dizendo que sempre se comportou com integridade em todas as esferas da sua vida. Nos versículos 1-4 do capítulo 31, ele mostra, por exemplo, que jamais permitiu desvios de seu comportamento sexual, fazendo uma aliança com os próprios olhos para evitar a luxúria e a impureza quando olhasse para uma donzela. Segundo o ensino do Novo Testamento, somos estimulados também a fazer um concerto com os próprios olhos (Mt 5.27-30).

2. Jó em defesa de sua ética social (31.16-23). Jó também faz uma defesa de sua ética social. Ele já havia mostrado que a justiça social marcou sua forma de agir. Todavia, ele lembra que isso só foi possível porque procurou conduzir-se sempre por princípios de uma ética social. Por exemplo, ele sempre tratou o órfão e a viúva com humanidade; os escravos, mesmo sendo sua propriedade, tinham liberdade para o procurarem e apresentarem-lhe suas queixas. O seu comportamento ético-social o habilitou a agir como tribuno dos desvalidos (Jó 31.13-23).  Lembremo-nos da verdadeira religião, como bem Tiago afirmou: “Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo” (1.27). Eis um dos fundamentos de nossa ética social.

3. Jó busca a resposta de Deus (31.35-37). Agora Jó se dirige a Deus na forma exclamativa: “Ah! Quem me dera um que me ouvisse!” (v.35). Ele já havia feito uma viagem retrospectiva sobre o seu passado, agora ele faz uma análise sobre sua situação presente, mas seu olhar está no futuro. Ele quer se apresentar diante de Deus porque está consciente de sua inocência. Sua confiança é de um príncipe que se apresenta diante de um tribunal (Jó 31.37). Ele confia de que será inocentado.

Como podemos nos apresentar diante de Deus e justificar os nossos atos? Pela graça divina, por meio de Jesus Cristo, o Filho de Deus, Ele mesmo nos justifica (Rm 8.31-33). – Este movimento final do discurso de Jó, em que faz uma declaração solene da sua integridade, vem em forma de “confissão negativa” em que ele nega qualquer crime de que possa ser acusado. Se ele cometeu algum dos pecados mencionados, ora para que Deus execute a lei da retribuição e lhe devolva na mesma moeda. Esse tipo de catálogo de imprecações contra si mesmo poderia ser pronunciado somente por uma pessoa completamente convicta da sua integridade, e não é de admirar que a declaração chegue ao clímax (v. 35ss) com o apelo ousado de Jó para que Deus lhe dê atenção e responda com o castigo devido. Que Jó pelo menos receba a lista de acusações que Deus tem contra ele; ele teria orgulho em carregar um documento para o qual tivesse resposta tão pronta e segura. – Os delitos e pecados que Jó menciona nos dão uma excelente indicação dos seus padrões morais. Em todos os casos, a não ser em um (o de idolatria, v. 26,27), são pecados contra o próximo; mas são pecados contra Deus também propriamente falando. A forma dos juramentos que Jó faz não é sempre completa ou sistemática. Eles geralmente começam com Se..., mas em um caso (v. 1-4) se usa uma declaração mais positiva; geralmente concluem com que... (e.g., v. 8,10), mas de vez em quando a retribuição correspondente é deixada por conta da imaginação (e.g., v. 33,34). Visto que os v. 35ss são claramente o clímax do poema, poderíamos esperar que os v. 38ss, mais um juramento do tipo comum, os precedessem; essa retomada da linha principal da argumentação após o clímax não é incomum em Jó, mas é possível que a localização estranha dos v. 38ss seja devida a um simples escorregão do escriba. (a) Lascívia (31.1-4). Embora o pecado do adultério seja mencionado adiante (v. 9-12), aqui Jó declara que não pecou olhando com cobiça (v. 1) para uma virgem, uma tentação especialmente forte para o proprietário de muitos servos e servas, como no caso de Jó. Ele diz que fez um acordo com os seus olhos de não olhar com cobiça para as moças (v. 1); como no Sermão do Monte, o pecado é visto como algo que reside nas intenções profundas do coração, e não somente no ato exterior. A crença de na doutrina da retribuição permanece inabalável (v. 2ss); a sua única queixa é que ele está sofrendo em virtude do mau funcionamento dessa lei moral do Universo, sofrendo quando não merecia sofrer. (b) Desonestidade (31.5-8). Mais uma vez, se observa que o pecado é algo que ocorre primeiro no coração (v. 7). A referência à balança (v. 6) e ao fracasso das colheitas como castigo pela desonestidade (v. 8) sugere que ele está pensando principalmente em falsidade e engano (v. 5) nas transações comerciais. (c) Adultério (31.9-12). No seu protesto, Jó não alude de forma intencional a nenhum código de leis, como os Dez Mandamentos, mas o delito do adultério era considerado muito grave em todo o Oriente Médio (cf. v. 11,12); muitas vezes era chamado de “o grande pecado”. O castigo “na mesma moeda” que Jó está pedindo para si mesmo é ou que a sua mulher seja reduzida à posição mais baixa de servidão (cf. Ex 11.5), ou talvez que ela seja tomada em troca por seu vizinho (moa [v. 10] talvez seja um eufemismo para a relação sexual). (d) Injustiça feita a servos (31.13ss). Aqui Jó afirma que foi além do que se exigia nas responsabilidades da época no tratamento das queixas dos seus servos e que lidou com isso com a seriedade com que lidava com outra pessoa qualquer. Ele não tratou seus servos como sua propriedade, embora a sociedade da época lhe desse o direito de fazer isso, mas como seres humanos, de igual para igual (v. 15), uma perspectiva ética extraordinariamente sensível. (e) Falta de interesse social (31.16-23). Jó já retratou sua compaixão pelos pobres, pela viúva, pelos órfãos e estrangeiros, as pessoas tipicamente menos privilegiadas da sociedade semita antiga (29.11-16). Ele reitera esse aspecto do seu comportamento, declarando que havia inclusive recebido órfãos em sua casa (v. 18). Ele ora para que, se levantou a mão contra o órfão “ao ver que eu tinha apoio no tribunal” (v. 21) e que poderia escapar com a injustiça cometida contra o órfão sem receber castigo, a retribuição caia sobre a mão levantada em injustiça e que o seu braço descaia do ombro (v. 22). O medo da retribuição foi o instinto que o guiou (v. 23). (f) Avareza (31.24,25). Jó se volta agora para outros pecados interiores (cf. v. 1-4): o amor secreto pelas riquezas (v. 24,25), a adoração ao sol e à lua (v. 26ss), o prazer na ruína dos inimigos (v. 29,30), qualquer maldade por meio de ignorância dos fatos (v. 31,32) ou qualquer outra hipocrisia (v. 33,34). Nenhuma dessas negações é seguida explicitamente de uma maldição, mas esta deve ser subentendida. Neste caso, embora Jó tenha sido extremamente rico, sua riqueza nunca se tornou um ídolo em que confiasse, em vez de confiar em Deus. (g) Idolatria (31.26,27). Este é o único pecado religioso no catálogo de delitos de Jó. Em bora a adoração aos corpos celestes fosse algo quase universal no mundo antigo, para Jó esse tipo de adoração teria sido servir à criatura, em vez de ao criador; isso significaria que ele teria sido infiel a Deus, que está nas alturas (v. 28). A prática aludida no v. 27 é a de lançar beijos à lua como um objeto de culto e adoração. (h) Índole vingativa (31.29,30). Não se alegrar com a queda dos maus é algo que mais uma vez vai além da ética dos tempos de Jó; nem mesmo os salmistas consideravam errado que ocasionalmente se alegrassem com o castigo dos maus (cf., e.g., SI 54.7; 118.7; 137.8,9), mas Jó preferiu seguir o espírito daquela lei que prescrevia ajudar o seu inimigo (Êx 23.4,5; cf. também Pv 20.22; 24.17,18; 25.21,22). (i) Negligência em relação aos necessitados (31.31,32). Talvez esteja presente aqui ainda a ideia dos pensamentos secretos, que Jó esteja pensando em ocasiões em que poderia ter feito de conta que não sabia de casos de necessidades. Ele foi generoso com os necessitados não somente em casos de necessidades óbvias (v. 16-21), mas também em casos em que ele foi o único a saber da necessidade. (j) Hipocrisia (31.33,34). Nem aqui, Jó está admitindo pecado. O que ele está querendo dizer é: “Se cometi transgressões e depois tentei escondê-las ‘como fez Adão’”. Ele nega que tenha cometido a iniquidade e depois tenha tentado escondê-la com medo do populacho. (l) Exploração da terra (31.38-40). A imprecação final de Jó contra si mesmo, talvez deslocada por acidente de outro lugar do capítulo para cá, chama o castigo sobre si mesmo se a terra for capaz de testemunhar de que ele a adquiriu por meio de opressão dos seus donos por direito (v. 39). Se esse for o caso, que a retribuição caia sobre ele, que cresçam espinhos em lugar de trigo e ervas daninhas em lugar de cevada.

SUBSÍDIO TEOLÓGICO

“Jó revê várias categorias de pecado que poderiam ter sido a causa da sua desgraça e jura solenemente que ele é inocente de qualquer ação má. Ocasionalmente, junto com seu protesto de inocência, ele inclui uma declaração do porquê ele ter decidido ser virtuoso. Ele também inclui uma maldição sobre si mesmo, caso tenha deixado de falar a verdade. Primeiro Jó nega que seja culpado de pecados sensuais que são tão comuns entre homens. Ele fez um concerto (acordo) com os seus olhos, para que não desejasse uma virgem (uma moça, 1). Aqui Jó reconhece que a tentação vem por meio da observação daquilo que pode ser desejável. Ele tem um acordo com os seus olhos para que não o desviem. Qual seria a parte (2) que ele teria com Deus se ele fosse culpado desse tipo de crime? Certamente Deus castiga o perverso e aqueles que praticam a iniquidade (3). Não só isso, mas Jó pergunta: Não vê ele? (4). Ele é enfático, ressaltando a ideia de que Deus observa de perto o homem e castiga sua vaidade e engano (5). Os versículos 6-8 são um juramento de inocência e uma maldição por qualquer falsidade que Jó possa ter falado nos versículos precedentes” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.78).

  CONCLUSÃO

Nesta lição, vimos que Jó se lembrou de seu passado abençoado e de como agiu com integridade e humanidade com o próximo. Nunca havia agido de forma injusta com ninguém nem tampouco cometido pecados que o desonrassem moralmente. Sua integridade estava intacta. Assim, ele acredita que chegou o grande momento de se apresentar diante de Deus e receber dEle o veredito de que é um homem injustiçado e inocente. – A ética defendida por Jó reveste-se de universalidade porque se firma num princípio igualmente universal e imutável. Ele agora faz um apelo final revestido de um juramento de justificação que foi tão formal que ele pode concluí-lo com: Agora assino a minha defesa, como se fosse um documento escrito. Quem dera ele pudesse ter, para corresponder à sua declaração de inocência, a denúncia por escrito do seu acusador, i.e., a lista de acusações que Deus tem contra ele. Longe de ser humilhado por ela, ele está tão confiante em que tudo o que ela poderia fazer seria confirmar a sua integridade que a usaria como coroa (v. 36). Ele se aproximaria de Deus não como um criminoso, mas como um inocente que poderia lhe prestar contas de tudo que tivesse sido usado na acusação contra ele

REFERÊNCIAS

BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamento - Jó. p. 750, São Paulo: Vida, 2009.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 43.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 10. Rio de Janeiro: CPAD, 06, dez. 2020.

 

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