COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I
INTRODUÇÃO
Nesta lição vamos
estudar como Deus se revelou a Jó e dialogou com o patriarca (Caps. 38 – 41).
Esse episódio marca o ápice do Livro de Jó, pois mostra a quebra do silêncio
divino. Ao longo desse estudo veremos que as respostas de Deus não são
precisas, segundo a objetividade que os humanos esperam. Jó, portanto, é
desafiado a comparar sua habilidade e sabedoria com as divinas e a responder
quem, de fato, age com justiça no mundo. –
Jó calou-se, mas não convenceu os amigos. Eliú o silenciara; porém, não o
levara a reconhecer a sua culpa diante de Deus. Aprouve ao Senhor intervir. O
Senhor humilha a Jó em seu discurso, e o leva a arrepender-se de suas
apaixonadas expressões sobre as providências para com ele. Faz tudo a fim de
convidá-lo a que se compare a existência de Deus de eternidade a eternidade,
com o seu próprio tempo de vida; o conhecimento que Deus tem de todas as coisas
é comparado à ignorância de Jó; e o poder de Deus, com a fraqueza de Jó.
Obscurecer com nossas atitudes néscias os conselhos da sabedoria de Deus é uma
grande provocação para Ele. A fé humilde e a obediência sincera enxergam a
vontade de Deus melhor e mais longe.
I. A REVELAÇÃO DE UM DEUS PESSOAL
1. O Deus que tem voz. O Altíssimo havia falado nos dois primeiros capítulos, mas essa fala era
totalmente desconhecida por Jó e seus amigos ao longo do livro. Assim, até o
capítulo 38, houve muitas falas sobre Deus. Jó falou, sua mulher e seus amigos
falaram. Todavia, Deus mesmo não falou durante todo esse período. Ele estava o
tempo todo presente, mas sem dizer nada a Jó. Até que quebrou o silêncio:
“Depois disto, o SENHOR respondeu a Jó de um redemoinho” (Jó 38.1).
2. A poderosa manifestação de
Deus. A cena, sem dúvida, é impactante, parecida com a da
pesca maravilhosa (Lc 5.1-11). Quando Simão Pedro, após seguir a orientação de
Jesus, pegou uma grande quantidade de peixes ao recolher as redes que havia
lançado, imediatamente exclamou: “Senhor, ausenta-te de mim, por que sou um
homem pecador” (Lc 5.8). A majestade divina impactou a Pedro.
Não foi diferente com o
patriarca Jó. Ele ouviu a voz que tanto ansiava por ouvir. O Altíssimo
revelou-se pessoalmente. Jó estava diante de uma manifestação teofânica de
Deus, e Este falava-lhe do meio de um redemoinho. Essa forma de manifestação
divina é confirmada ao longo das Escrituras, como, por exemplo, com Moisés (Êx
19.16-19). Isso mostra que Deus não é impessoal. Pelo contrário, Ele é um Ser
que se revela e fala com homens. Jó teve a sua vida transformada depois de
ouví-Lo.
3. O Deus que está
presente. Expositores bíblicos destacam
que Deus se revela como “Jeová”, o Deus do pacto. Entre os capítulos 3 e 37
aparecem várias referências a Deus como El Shaddai, o Deus Todo-Poderoso. Na
teologia tradicional exposta pelos amigos de Jó essa era uma forma fria e
distante de se referir a Deus. Um Deus que existe, mas que está longe dos
homens. Dessa forma El Shaddai era, no entendimento deles, o nome que identificava
Deus como forte e poderoso, mas distante e indiferente. Essa visão tradicional
de Deus acabou por exaltar sua soberania, mas diminuir sua compaixão e
misericórdia.
Nesse contexto, Jó clama por
encontrar a Deus, chegar ao seu trono (Jó 23.3,8,9). Esse era o grande dilema
do homem de Uz: pensar que Deus o havia abandonado. O patriarca nada sabia dos
bastidores celestiais, onde o Diabo apostou na sua falta de integridade. Ele
não sabia a razão do silêncio de Deus, daí toda a sua angústia e desespero por
se sentir sozinho e abandonado. Para ele, o Criador se escondeu para não ouvir
sua defesa. Mas o grande propósito do Livro de Jó revela que, mesmo quando
estamos às escuras, andando somente por fé, e não por vista, Deus está presente
e próximo de nós. – Finalmente Jó recebe a resposta que tão ardentemente
esperava: entre as suas últimas palavras, estava a súplica: “Que o Todo-poderoso
me responda” (31.35). Todos os apelos de Jó por um confronto com Deus foram expressos
em linguagem judicial: ele pensou no ambiente relativamente calmo e pacífico de
um tribunal, mas esse não foi o ambiente que Javé escolheu. Deus fala do meio da tempestade, pois o objetivo dele
não é discutir com Jó, mas deixar claro para ele quanto as questões acerca do
governo do Universo estão além da compreensão de Jó. A tempestade tradicionalmente
acompanha a revelação de Deus (cf., e.g., Na 1.3; Zc 9.14; SI 18.7-15; 50.3).
Embora seja amedrontadora e já tenha aparecido no livro de Jó como força destrutiva
(1.19), ela significa para Jó que Deus não tem a intenção de se manter distante
dos sofrimentos dele, mas vai se encontrar com ele onde está e se revelar a
ele. Ao tratar Jó como aquele que obscurece o meu conselho com palavras sem
conhecimento (v.
2), Deus não minimiza a inteligência de Jó, como os amigos fizeram algumas
vezes, mas declara que ele não tem compreensão alguma do plano divino (conselho) acerca da organização
do Universo. Jó não poderia contestar o fato de que a sua falta de percepção
dos propósitos de Deus de fato tornava esses planos “escuros” e fazia os atos
de Deus parecerem arbitrários. Mas, ao incentivar Jó a se preparar como simples homem (v. 3; a palavra tem
conotação de “guerreiro”, e a ação é o preparo para uma tarefa difícil ou para
a batalha; cf. Jr 1.17; Is 5.27), Deus não está escarnecendo de Jó, mas o
encoraja a usar toda a sua força mental para compreender a mensagem que ele vai
lhe transmitir de forma indireta. “Jó como homem não é humilhado como um verme inútil,
mas confrontado como alguém que é convidado a discutir com Deus acerca dos mistérios
cósmicos” (Habel).
SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
Antes de iniciar esta penúltima
lição, faça um pequeno resumo do trimestre. Selecione os principais temas
estudados neste trimestre e revise-os na classe. Retome, por exemplo, a
historicidade de Jó, de sua terra, o seu drama, as críticas implacáveis de seus
amigos, as principais repostas de Jó, a resposta de Eliú e a resposta
reveladora de Deus. A ideia é que o aluno tenha uma visão de todo o trimestre
e, assim, aproveite o máximo o estudo acerca de como Deus se revelou ao justo
Jó. Você, professor, e professora, tem o desafio de, além de ensinar o conteúdo
bíblico, transmiti-lo da maneira mais clara, objetiva e fácil possível. Nesse
sentido, o método pedagógico faz toda a diferença.
II. A REVELAÇÃO DE UM DEUS SÁBIO
1. Na mecânica celeste. Deus convida Jó a contemplar o universo e vê-lo como funciona (Jó 38).
Há uma mecânica celeste que rege os fenômenos naturais de forma que garanta sua
perfeita regência. O Criador desafia Jó a contemplar tudo isso e ver como seu
funcionamento harmônico atende a um propósito superior. De fato, o salmista
disse que “os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra
das suas mãos” (Sl 19.1). Jó se comportara como um grande sábio, mas Deus
mostrou-lhe que ele nada sabia. Por isso, o Criador o desafia a contemplar o
mar e o sol (Jó 38.8-15), pois ele nada sabia da origem dos oceanos, da
grandeza da luz solar e, menos ainda, das dimensões da Criação.
2. Na dinâmica da vida. Se Jó nada sabia sobre a ordem da criação, muito menos sabia sobre a
providência divina para mantê-la (38.39-41). Jó deveria ser capaz responder as
seguintes questões: Como veio a existir a Criação? Como ela é preservada?
Saberia Jó explicar como Deus faz para alimentar os leões e seus filhotes? Como
as cabras monteses conseguiam dar cria a seus filhotes e protegê-los dos
predadores (39.1-4)? E sobre o jumento e o boi selvagem? O avestruz? O cavalo
de guerra? O falcão? A águia?
Está claro que há uma
providência divina que preserva as coisas criadas, pois todos esses animais
foram projetados por um design inteligente com suas peculiaridades, modo de ser
e de viver. Se Jó não sabia como explicar como eles viviam e se comportavam, o
que o levava a pensar que poderia discutir com Deus de igual para igual? Era
hora, portanto, de reconhecer o seu lugar e se humilhar diante da majestade
divina.
3. Na necessidade de se conhecer
melhor a Deus. Era preciso que Jó contivesse
seu orgulho. De fato, ele falou muita verdade sobre Deus, mas ignorou o quanto
não sabia acerca do Criador. A revelação de Deus sobre a mecânica celeste e da
vida não foi uma censura à integridade e sinceridade do patriarca. Aos olhos de
Deus, ele permanecia um homem justo e íntegro, mas falto de humildade, pois
agiu de forma presunçosa ao questionar a majestade divina. Era necessário,
portanto, que conhecesse melhor a Deus.
Cada contorno da Criação, cada formação de uma vida e cada ato de preservação da Criação é Deus dando-se a conhecer ao ser humano. Reconheçamos o agir do Criador no universo e em nossa vida. – Os fenômenos da terra e do céu (38.4-38) (a) A criação da terra (38.4-7). Aqui a criação do mundo é retratada como a construção de um edifício, com alicerces e pedra de esquina, e construído segundo o projeto com a ajuda de um a linha de medir. A fundação e a construção da terra foram acompanhadas da música das estrelas matutinas, que provavelmente são a mesma coisa que os “filhos de Deus”, os anjos. (O lançamento dos alicerces e a colocação da pedra de esquina eram momentos para celebração com música e alegria; Ed 3.10-11; Zc 4.7). Esse é só um dos muitos retratos bíblicos da Criação pintados com elementos da obra criativa humana; não deve ser compreendido literalmente como a concepção hebraica da estrutura do Universo. O seu propósito, como o de outras perguntas retóricas no capítulo, não é humilhar Jó, mas fazê-lo refletir acerca da abrangência das capacidades de Deus que estão além da sua compreensão. (b) A criação do mar (38.8-11). O mar é retratado como tendo nascido do ventre materno de uma mãe anônima (v. 8) e que foi envolto por Deus em um “cobertor de nuvem” e de “neblina” (v. 9, NEB). Mas é também uma força ameaçadora que precisa ser mantida nos seus limites, fechada atrás de portas e barreiras (v. 10). Aqui Deus protege (v. 9) e controla (v. 10,11) o misterioso mar. (c) A alvorada (38.12-15). Até mesmo a vinda da alvorada está além da compreensão de Jó, não importa quantas vezes ele já a tenha observado. A NEB provavelmente está correta em remover desses versículos as referências aos ímpios (v. 13,15), que parecem inadequadas nesse contexto, e em encontrar referências a diversos corpos celestes, como as “estrelas do mapa dos navegadores” que “saem uma a uma” (v. 15) enquanto surge a alvorada. Muito pitoresca é a linha que retrata o início do dia realçando “o horizonte em relevo como o barro sob o sinete, até que todas as coisas se destaquem como as dobras de um manto” (v. 14, NEB). (d) O mundo subterrâneo (38.16ss). Abaixo da terra, há todo um domínio de criaturas desconhecidas ao homem (apesar do seu conhecimento da mineração; 28.1-11): as nascentes do mar, as “fontes das grandes profundezas” (Gn 7.11) que alimentam as águas do mar, e a terra da morte, retratada como uma cidade com portas (v. 17) e “porteiros da terra da Sombra” (v. 17b; BJ). A terra ou o mundo cuja vastidão Jó não consegue compreender provavelmente é a terra da morte, o mundo subterrâneo. (e) Luz e trevas (38.19ss). Luz e trevas são consideradas entes separados que têm a sua habitação determinada desde o tempo da Criação e à qual retornam na época devida. Jó não sabe como “escoltar” cada uma no seu “caminho para casa” (v. 20, BJ); ao contrário da sabedoria, o artífice-mor de Deus (Pv 8.22,23), ele nem tinha nascido na época da criação delas e no tempo da determinação do seu lugar de habitação (v. 21). A ironia do v. 21 não é tão amarga se for lida como pergunta ou como uma afirmação hipotética: “Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido e grande é o número dos teus anos” (BJ). (f) Neve (38.22,23). O que também está além do conhecimento de Jó são os reservatórios de neve e os depósitos de saraiva (v. 22), reservados para períodos de tribulação (v. 23) (cf. Êx 9.22-26; Js 10.11; Is 30.30). (g) Tempestades (38.24-27). Não é provável que os ventos orientais causem tempestades e chuvas. Há dificuldades na tradução do v. 17b. O melhor parece ser seguir a JB, que traduz: “quando espalha faíscas sobre a terra”. O canal para as torrentes de chuva dos depósitos celestes (v. 25) é semelhante às “comportas do céu” que foram abertas no tempo do Dilúvio (Gn 7.11). Um novo aspecto é apresentado nos v. 26,27, que vai ser desenvolvido em mais detalhes no cap. 39. Aí se destaca que muito do que acontece na Criação não ocorre para o benefício do homem, mas para o benefício de outras partes da criação de Deus, ou simplesmente porque Deus o quer. Aqui é o caso da chuva que cai na terra em que não vive nenhum homem ou no deserto (v. 26). (h) Chuva (38.28ss). Na mitologia cananéia, Baal, o deus da tempestade, poderia ser considerado o pai da chuva, e uma de suas filhas era chamada Talia, o orvalho (v. 28). Mas aqui se julga óbvio que nenhuma resposta satisfatória pode ser dada acerca da origem da chuva, do orvalho ou do gelo: isso está além da compreensão humana. (i) As constelações (38.3 lss). A referência a diversas constelações entre as estrofes que tratam da chuva (v. 28ss) e das nuvens (v. 34-38) talvez sugira que os corpos celestes são considerados aqui como detentores de alguma influência sobre o clima, embora nada no texto afirme isso especificamente. As “doces influências” das Plêiades na VA (v. 31) são somente as “cadeias” invisíveis (nota de rodapé) que ligam esse conjunto de sete estrelas; a frase o domínio de Deus sobre a terra (v. 33b, NVI) é enganosa (a linha pode ser mais bem traduzida por “Você na terra pode determinar as leis que as governam?”). O Orion (v. 31) parece retratado, como na mitologia clássica, como um caçador com cinturão (corda) e espada. A identificação das outras constelações é incerta, embora a CNBB traduza “signos do Zodíaco” no lugar de constelações (v. 32). Nessa série de perguntas retóricas, Javé tem conduzido os pensamentos de Jó para o fato de que, qualquer que seja a influência das estrelas, Jó não tem influência alguma sobre elas, nem mesmo das leis (v. 33; “leis da natureza”, NEB) que determinam o movimento delas. (j) As nuvens (38.34-38). Jó também não tem influência alguma sobre a vinda da chuva ou a ocorrência de relâmpagos. O v. 36 é muito obscuro: será que as “nuvens” e a “névoa” (como parece querer dizer o heb.) têm sabedoria em si (até mesmo em termos poéticos)? A NEB encontra aqui uma referência à sabedoria de Deus envolta em “trevas” e “segredo”, enquanto a NAB acha que o versículo originariamente seguia o v. 40 e era uma referência à sabedoria do “galo”, que, na tradição judaica, possuía a inteligência para discernir entre a noite e o dia (semelhante na BJ). A tradução da NVI apresenta uma frase que parece fora de lugar. A descrição pitoresca da chuva causada por Deus que despeja cântaros de água dos céus (v. 37) não tem a intenção de ser entendida literalmente, assim como não deve ser interpretado literalmente o “canal” para a chuva que apareceu anteriormente (v. 25). – A criação animal (38.39-39.30). O restante do primeiro discurso de Deus conduz Jó à criação animal — não aos animais conhecidos e usados pelo homem, como as ovelhas, o jumento e o camelo, mas àqueles que não servem para coisa alguma na economia humana e são, ao contrário, misteriosos, inúteis ou hostis ao homem. Esses também fazem parte da criação de Deus, embora o homem talvez não veja valor algum neles ou até os considere de fato malevolentes. A mesma coisa acontece com o sofrimento: às vezes ele pode ter realmente um propósito reconhecível, mas às vezes pode ser tão enigmático e prejudicial ao homem como os animais selvagens podem ser. Não obstante, faz parte da ordem de Deus no mundo, e ele sabe o que está fazendo ao permitir que isso ocorra. – A pós o Senhor levar Jó a fazer autorreflexão a respeito de sua grandeza e poder, Jó então, responde a Deus. Nesta resposta, muitos comentaristas encontram uma expressão da submissão, humilhação e derrota de Jó. Ele de fato diz: Sou indigno (lit. “Estou leve”), em vista das limitações de sua com preensão inculcadas nele por meio do discurso de Javé. Mas até agora ele não tem nada a responder, a sua causa ainda não foi encerrada. Embora Javé o tenha desafiado a responder, é Jó quem convida Javé a continuar o seu discurso. Jó vai pôr a mão sobre a sua boca (v. 4) e ainda não tem nada a acrescentar ao que já disse (v. 5). A sua real resposta a Javé virá somente em 42.2-6; aqui ele não faz nada mais do que reconhecer a força do discurso de Deus; ele vai esperar pela conclusão (40.6—41.34).
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“A Criação do Mundo – vv. 4-11. Para humilhação de Jó, aqui Deus lhe mostra a sua ignorância, até mesmo
a respeito da terra e do mar. Embora tão próximos, embora tão grandes, ainda
assim Jó não era capaz de explicar a sua origem, muito menos do céu, acima, ou
do inferno, abaixo, que estão tão distantes, e nem das várias partes da matéria
que são tão minúsculas, e menos ainda dos conselhos divinos. A respeito da
fundação da terra. Se ele tem uma percepção tão poderosa, como pensa ter, dos
conselhos de Deus, que forneça alguma explicação da terra sobre a qual vive, e
que é dada aos filhos dos homens. 1. Que ele diga onde estava, quando este
mundo inferior foi criado, e se ele forneceu conselhos para auxiliar naquela
maravilhosa obra (v.4) […] As tuas pretensões são elevadas; podes ter pretensões
a isto? Estavas presente quando o mundo foi criado?” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo
Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.186).
III. A REVELAÇÃO DE UM DEUS
PODEROSO E JUSTO
1. O Behemot e o Leviatã. Nos capítulos 40 e 41, Deus faz referências a duas grandes criaturas.
Ele chama a atenção de Jó para a natureza indomável desses animais, a fim de
ilustrar seu poder divino. Algumas Bíblias traduzem esses termos como
hipopótamo e crocodilo, respectivamente. Enquanto o Behemot representava a
força bruta de um animal por excelência, o Leviatã se parece mais com uma
criatura com poderes sobrenaturais. Ele se apresenta, por exemplo, dessa forma
em Isaias 27. Assim, o Behemot e o Leviatã representam o ápice da força tanto
natural como sobrenatural, assim como é o inexplicável e maravilhoso mundo
criado por Deus. Mesmo poderosos, Behemot e Leviatã estavam debaixo da mão de
Deus.
2. Justiça e graça. Se Jó não é capaz de lidar nem com Behemot nem com o Leviatã, então,
como poderia tratar desse mundo complexo? Ele agiria com justiça ao tratar dos
complexos dilemas humanos? Deus deseja mostrar a Jó o seu erro ao dizer que o
Criador não havia sido justo com ele nem com o ímpio (Jó 6.29; 27.1-6;
21.29-31; 24.1-7). Nesse sentido, Jó seria capaz de tratar com o mundo de forma
melhor que Deus, como deu indiretamente a entender nas suas argumentações? Ele
não era capaz de domar sequer duas criaturas criadas por Deus. Logo, jamais
poderia ser igual ou mais justo que o próprio Criador, nem, muito menos, auto
justificar-se diante dEle. Só a graça de Deus poderia justificá-lo. Ele
dependeria somente da graça divina.
Não há nada que possa justificar
o ser humano diante de Deus, senão a sua maravilhosa graça (Ef 2.8). – O segundo discurso
divino se mostra, como a resposta reservada a Jó, e não mais do que uma expansão dos temas do primeiro discurso. Aqui, no entanto, no
lugar das tomadas rápidas no cap. 39 dos animais da Criação, são apresentados
dois elogios ao Beemote, o mais feroz dos animais da terra, e Leviatã, a mais
temível das criaturas marinhas. Se os capítulos anteriores se concentraram mais
nos mistérios dos animais, estes capítulos se ocupam mais com o terror e a
monstruosidade, e mesmo assim o esplendor, de duas das criaturas de Deus. Beemote significa, como o
plural de Ifhêmãh, “criatura da terra”, ou simplesmente a “grande besta”; tem
sido diferentemente identificado como crocodilo (NEB), búfalo selvagem (Pope),
hipopótamo (RSV e a maioria dos comentaristas) ou elefante ou uma criatura
mística. Embora a descrição de Beemote e de Leviatã seja rica em exagero
poético (e.g., 40.18; 41.19ss), parece que o que se tem em mente aqui são
criaturas reais criadas por Deus (v. 15,19). Aliás, as duas criaturas são
também símbolos do caos primevo, e o fato de Deus as ter criado demonstra o seu
controle sobre os poderes caóticos que podem ameaçar a estabilidade do
Universo. Mas parece que eles também são animais reais que Jó conhece e
reconhece. De uma criatura dessas, repulsiva e hostil ao homem, Deus pode
dizer: eu a criei quando criei você (v. 15) e até que ela ocupa o primeiro lugar entre as obras
de Deus (v.
19), sem dúvida um a alusão a Gn 1.21 em que as “grandes criaturas do mar” são
citadas em primeiro lugar entre os animais criados por Deus. O ponto é que o
mundo que Deus criou contém não somente o ser humano, mas também alguns seres
que são inexplicavelmente aterrorizadores ao ser humano. Provavelmente é melhor
considerar Beemote uma
descrição, poeticamente desenvolvida, do hipopótamo. A sua alimentação
principal é o capim (v.
15), o seu hábitat é entre os juncos do brejo (v. 21). Talvez seja
inesperado que os montes lhe ofereçam tudo o que produzem (v. 20), embora os
hipopótamos sejam conhecidos por arrastar-se morro acima em encostas íngremes à
busca de comida. A sua força é lendária (v. 16ss), e ele não pode ser atacado
pelo homem com segurança (som ente o seu criador pode conquistá-lo com uma
espada; v. 19b), muito menos ser pego com ganchos ou amarrado pelo nariz (v.
24). Um rio que se enfurece não representa perigo algum para ele;
“ele fica tranquilo mesmo que o Jordão borbulhe até sua goela” (v. 23, BJ). O
único elemento ambíguo na descrição é que sua cauda balança como o cedro (v. 17), pois a cauda
do hipopótamo é curta e pequena; mas a ideia talvez seja que até essa parte
relativamente insignificante da anatomia desse animal seja de força
excepcional. (3) Leviatã (41.1-34) Embora diversos autores tenham argumentado
que o Leviatã é um golfinho, um atum ou uma baleia (como a NEB faz ao transpor
41.1-6 para depois de 39.30), o ponto de vista mais aceito é que ele seja o
crocodilo. Precisamos lembrar que Leviatã está na mitologia cananéia como Lotã,
um monstro das profundezas, de sete cabeças, e há alusões a essa figura
mitológica no A T (e.g., SI 74.13,14; Is 27.1). Assim, aqui Leviatã, como Beemote, tem um
valor simbólico como personificação do caos; mas é mais provável que o animal
real esteja sendo descrito em linguagem mitológica e ilustrativa do que a
criatura mitológica esteja sendo descrita nos termos do crocodilo. (a) A inutilidade do
Leviatã (41.1-11). O relato do Leviatã não está organizado de acordo
com uma sequência exata, mas essa primeira seção parece dedicada
em grande parte a realçar que o Leviatã não tem utilidade prática para os seres
humanos. Ele não pode ser capturado (v. 1) nem amansado (v. 2) nem domesticado (v.
3); não pode ser usado a serviço do homem (v. 4) ou como animal de estimação para
entreter as crianças (v. 5). Ele não pode servir de comida para o homem (v. 6),
pois, como o início da estrofe já destacou, ele não pode nem ser capturado (v.
7ss). Qualquer pessoa que fosse tão descuidada a ponto de pôr a mão nele não o faria uma segunda
vez (v. 8)! Apenas avistar o crocodilo já é suficiente para afastar possíveis
caçadores (v. 9). As últimas frases (v. 10b, 11) desta estrofe são um tanto
obscuras; na NVI, estão formuladas de forma que parece que Deus esteja dizendo
que, se um homem de coragem é amedrontado só ao avistar um crocodilo, somente
um tolo seria suficientemente descuidado para se aproximar de Deus. Mas é
improvável que Deus esteja repreendendo Jó por estar se aproximando dele, mesmo
que seja para se queixar, e é melhor entender essas frases como referência ao
Leviatã. (b) O terror de Leviatã (41.12-34). A ênfase
dessa seção do poema está no terror causado por várias características
anatômicas do crocodilo. A linguagem altamente poética e as fantasias retóricas
não podem ser apreciadas se tudo que o leitor exigir da literatura for a
exatidão literal. A capa externa (v. 13), provavelmente uma crosta
dura, é reconhecível como as escamas duras do crocodilo; o seu ventre, especialmente na
parte da cauda, é conhecido como um caco denteado (v. 30); e o seu movimento na água de
fato faz as profundezas se agitarem como caldeirão fervente (v. 31). Mas
questionamos se o relato de atirar lampejos de luz com o seu forte sopro (v. 18-21) deve ser
levado muito a sério. Rowley observa que “quando o crocodilo sai da água, ele
expele o seu sopro retido junto com a água em um jato quente da sua boca, e
isso é parecido com um jato de fogo contra a luz do sol”, mas a poesia acerca
do dragão que solta fogo como Leviatã não deveria ser reduzida a um nível tão
prosaico. O que importa nesse poema em honra ao soberano sobre todos os
orgulhosos (v.
34), i.e., os animais selvagens, é que o leitor consiga perceber o terror e a
grandeza dessa criatura que é tão repulsiva e hostil ao homem. Leviatã é o clímax
dos discursos de Javé a Jó, e o ponto dessa digressão para o reino animal não
deixou de ser compreendido por Jó: o sofrimento é um crocodilo, um hipopótamo,
apavorante e misterioso, e mesmo assim parte do mundo de Deus e detentor de um
esplendor peculiar em si mesmo. – A segunda resposta de Jó (42.1-6) O
discurso final de Jó, por mais crucial que seja para a compreensão do diálogo
entre ele e Deus, é um tanto enigmático e aberto a diversas interpretações. O
que está claro, no entanto, é que ao contrário do seu primeiro discurso de
40.2-5, que na verdade não foi uma resposta, mas uma recusa de resposta, este
discurso revela uma verdadeira solução da disputa de Jó com Deus. Ela é
resolvida pelo reconhecimento de Jó do direito que Deus tem de fazer o que está
fazendo — até mesmo, embora isso não seja dito explicitam ente — a ponto de
trazer sofrimento sobre uma pessoa inocente. O que é novo acerca do
conhecimento de Jó de que Deus pode fazer todas as coisas; e que nenhum dos [...] planos [dele] pode ser
frustrado (v.
2) não é que Deus é todo-poderoso — Jó sempre soube disso —, mas que a
onipotência de Deus tem um propósito inescapável em tudo que faz. A queixa de
Jó tem sido que o sofrimento não tinha sentido — era contra as regras
teológicas da culpa e do castigo. Agora ele sabe, por meio da reflexão que ele
foi levado a fazer acerca dos mistérios de Deus nos animais criados, que o seu
sofrimento tem sentido para Deus. E isso que interessa a ele, mesmo que Deus
não tenha de forma alguma explicado ou justificado a ele o seu sofrimento; é
suficiente para ele saber que Deus sabe o que está fazendo. E por isso que Jó
se ocupa com a pergunta anterior de Deus: Quem é esse que obscurece, ao não reconhecer, o conselho ou o plano divino sem conhecimento? (v. 3; v. 38.2); ele
confessa agora que esse foi o seu erro.
SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO
“Deus tinha feito a Jó muitas
perguntas humilhantes e perturbadoras, no capítulo anterior; agora, neste
capítulo: I. Ele exige uma resposta a elas, [40] vv.1,2. II. Jó se submete em
um silêncio humilde, vv.3-5. III. Deus passa a argumentar com ele, para a sua
convicção, a respeito da infinita distância e desproporção entre ele e Deus,
mostrando que Jó não era de modo algum páreo para Deus. O Senhor o desafia
(vv.6,7) a competir consigo, se ousar, na questão da justiça (v.8), do poder
(v.9), da majestade (v.10), e do domínio sobre a soberba (vv.11-14), e dá um
exemplo do seu poder em um determinado animal, aqui chamado de ‘Beemote’,
vv.15-24. […] A descrição aqui apresentada do leviatã, um peixe muito grande,
forte e terrível, ou animal marinho, tem o objetivo de convencer Jó ainda mais
da sua própria impotência, e da onipotência de Deus, para que Jó possa ser
humilhado pela sua loucura de se fazer tão ousado para com o Senhor. I. Para
convencer Jó da sua própria fraqueza, ele é aqui desafiado a dominar e amansar
este leviatã, se puder, e se fazer seu senhor (vv.1-9); visto que ele não pode
fazer isso, deve reconhecer que é totalmente incapaz de permanecer na presença
do grande Deus, v.10” (HENRY, Matthew. Comentário
Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD,
2010, pp.200-01).
CONCLUSÃO
Neste estudo mostramos como Deus
se revelou a Jó de uma forma maravilhosa. O que Jó tanto desejava finalmente
aconteceu: o encontro com Deus. Este se revelou a Jó não para recriminá-lo, mas
para revelar-lhe o quão imperfeito ele era e o quanto conhecia pouco acerca da
majestade divina. O Criador mostrou a Jó que, apesar de seu silêncio, Ele
sempre esteve presente e no controle de todos os acontecimentos. Cabendo,
portanto, ao homem louvá-lo em toda e qualquer situação. – Os
discursos de Javé a Jó são extraordinários tanto por aquilo que omitem quanto
por aquilo que contêm. Em primeiro lugar, é de admirar, mas certamente da mais
alta importância, que Deus não faça referência alguma a qualquer pecado ou
falhas por parte de Jó como os que os amigos insistiam em atribuir a Jó e que o
próprio Jó exigia que lhe fossem mostrados. Está claro, então, que Deus não tem
nada contra Jó; nem mesmo as suas “palavras impetuosas” (6.3) são motivo de
repreensão. Acima de tudo, a importância dos discursos divinos não está tanto
no que eles contêm, mas no simples fato de que estão aí. A sua presença mostra
que a pessoa que clama a Deus com determinação — mesmo que seja por raiva e
frustração — no final das contas vai conseguir conversar com Deus, e essa vai
ser uma conversa que conduz ao alívio da tensão.
REFERÊNCIAS
BRUCE, F. F. Comentário
Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamento - Jó. p. 750, São Paulo: Vida, 2009.
GONÇALVES, José. A
fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de
Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.
HENRY, Matthew. Comentário
Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 43.
Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
LIÇÕES BÍBLICAS.
4º Trimestre 2020 - Lição 12. Rio de Janeiro: CPAD, 06, dez. 2020.
WIERSBE, Warren W.
Comentário Bíblico Expositivo. Antigo Testamento, v. III, Poéticos, p.
72-76. Santo André: Geográfica, 2010.
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