quinta-feira, 21 de abril de 2022

LIÇÃO 4: RESGUARDANDO-SE DE SENTIMENTOS RUINS


INTRODUÇÃO

Neste capítulo, abordaremos a primeira temática dos seis pontos importantes que serão tratados por Cristo Jesus. A forma como Ele introduz os seus ensinos deixa claro o que quis dizer aos seus discípulos sobre a justiça deles ultrapassar a dos escribas e fariseus. Outro ponto relevante nos versículos que analisaremos é que Jesus faz uma distinção clara entre a forma como Ele e os seus opositores interpretavam a Lei.

É preciso entender que em momento algum Jesus será antagonista a Moisés, pois, como dito anteriormente, Ele tinha consciência de que a Lei e os profetas eram a Palavra de Deus. Sua intenção era mostrar a fragilidade da interpretação dos escribas e dos fariseus.

Podemos declarar que a partir de agora a lâmina de Cristo será bem afiada e o corte profundo, atingirá o âmago da essência humana,  o coração, de onde procede o pecado (Mt 15.19). Ele atacará a interpretação mórbida dos escribas e dos fariseus, condenando-os, depois mostrará o que de fato a Lei de Deus propõe ao homem. No teor desse capítulo, nosso alvo é mostrar que o evangelho não é contra a Lei e que toda ação positiva ou negativa realizada pelo homem começa primeiramente no coração.

O EVANGELHO NÃO É ANTINOMISTA

O que é Antinomismo? - O termo antinomismo, ou antinomianismo, foi cunhado por Martinho Lutero e é definido como uma declaração que, sob a dispensação do evangelho da graça, a lei moral é de nenhum uso ou  obrigação, porque somente a é necessária para a salvação.

Sendo bem direto, os que adotam a posição antinomista dizem que o cristão que vive em Jesus não precisa mais da lei moral como padrão ou regra de vida, mas não somente isso, passam a negar outras leis e são dominados por suas concepções subjetivas, emitindo pareceres e julgamentos propriamente seus como sendo os mais corretos.

Essa posição é por demais perigosa por dois motivos: o primeiro, é  que uma pessoa com tal atitude pode pensar que suas noções interiores são as mais corretas, negando outras verdades, mas tendo as suas como se realmente fossem inspiradas; em segundo lugar, cria-se a ideia de que não existem leis que possam ser observadas como obrigatórias, dessa forma, cada pessoa acaba padronizando por si mesma um estilo de vida conforme seus desejos e interesses.

Compreendemos que uma pessoa que se julga antinomista criará suas próprias concepções, não atentando para aquelas que são formuladas para o nosso bem, agirá segundo o próprio entendimento. Essa verdade está presente naqueles crentes que são carnais, cujas vidas não estão sob o poder do Espírito Santo, de modo que são dirigidos por suas próprias leis, fazendo o que bem entendem (Ef 5.19-21).

Lendo os textos de duas passagens de Juízes (Jz 17.6; 21.25), é dito o seguinte: “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada qual fazia o que parecia direito aos seus olhos” (ARA). Isso mostra que nesse tempo as irregularidades eram grandes pelo desprezo às leis, e, quando isso acontece, coisas indesejáveis surgem, causando grandes males.

Queridos irmãos, sabemos o quanto são importantes as leis humanas e a obediência a elas, e, como cristãos, jamais devemos agir negando as leis morais do Antigo Testamento, nem agir como se vivêssemos sem leis, na baderna, motins, confusões, gritaria (Ef 4.31).   Afinal, tal procedimento não faz parte do comportamento de um cristão sincero que está com sua vida firmada em Cristo, posto que Ele mesmo não se manifestou como um ser contrário às normas, antes, disse que veio para cumpri-las (Mt 5.17,18), e suas palavras foram: “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15, ARA).

A Lei e o Evangelho - Pela estrutura teológica do antinomismo, evangelho e Lei não combinam, visto que o primeiro, se firma na graça, ao passo que o segundo, tem sua base na Lei mosaica. Assim, como o cristão foi justificado por Cristo e vive sob a lei do Espírito, é desnecessário o cumprimento da Lei de Moisés. A citação de Romanos 6.14, “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça”, é uma verdade paulina incontestável. Quando ele a escreve, não está querendo dizer que o cristão deve manifestar total desprezo à Lei; seu propósito aqui é tão somente enfatizar que os que vivem em Cristo não procuram mais viver sob o antigo regime da Lei mosaica com o propósito de alcançar a salvação.

Na busca por essa compreensão de Lei e evangelho, o teólogo e escritor bíblico F. F. Bruce disse que a Lei exigia obediência, mas a graça dá poder para obedecer. Daí a graça rompe o domínio do pecado, coisa que a Lei não era capaz de fazer.

Paulo procura esclarecer a todos os cristãos que eles deveriam manifestar alegria porque passaram a viver debaixo da graça de Deus em Cristo, porém, ele fala também que a Lei, os profetas e os Escritos, isto é, todo o Antigo Testamento, revelam o pecado do homem (Rm 3.20; 5.20), e, por meio dos ensinos de Jesus e de seus apóstolos, eles passam a ser compreendidos plenamente. Para esse apóstolo, o Antigo Testamento ensinava maravilhosos ensinos e grandes verdades cristãs sobre Deus; no demais, Paulo tinha plena consciência de que Cristo e seus ensinamentos tratavam da própria Lei. O que se compreende agora é que houve um entrosamento claro da Lei de Moisés na lei do Espírito Santo, ou seja, a primeira foi incorporada à segunda. Isso se deu de dois modos: primeiramente, por meio da lei do amor, em que o cristão manifesta obediência aos preceitos morais  (Rm 13.9); em segundo lugar, diante de muitas passagens do apóstolo Paulo, que em seus diversos ensinamentos inclui mandamentos morais, os quais têm ligação com a lei moral, de modo que não se nota qualquer desavença ou negatividade quanto a isso, mas, sim, positividade. Tal paralelo pode ser compreensível na maneira que ele faz o contraste na ordem de mandamentos que são contra todo tipo de pecado e mandamentos que são exigidos por parte dos cristãos.

Como tudo o que a Lei e os profetas falaram era a Palavra de Deus, e que por isso não passam, na nova dispensação o Espírito Santo nos leva ao cumprimento do que o Antigo Testamento falava. Portanto, o cristão procura fazer o bem pela força do Espírito de Deus e da comunhão com Ele, que agora passa a ser a fonte de inspiração e capacitação para fazer o bem, mas tudo isso é feito sem qualquer tipo de legalismo.

Legalismo x Antinomismo - Facilmente se pode perceber a diferença entre legalismo e antinomismo. A primeira, teologicamente falando, refere-se a uma obediência à Lei de modo egoísta, pois sua prática estava firmada no propósito de alcançar a redenção por meio da conduta. Uma pessoa legalista prende-se totalmente à prática e obediência à Lei apenas no seu aspecto exterior, não atentando realmente para o seu espírito, sua essência, seu real desígnio. A segunda, o antinomianismo, nega a Lei,  o que faz com que a pessoa viva totalmente descompromissada.

Os legalistas desprezam a graça divina e passam a afirmar que para se obter a salvação é preciso que a Lei seja observada. Note que essa concepção transforma a Lei em um alicerce da salvação. Desse modo despreza plenamente a justificação pela fé como foi ensinado por Paulo e a presença do Espírito na vida que passa a ser a lei que age no interior daquele que crê em Jesus (Rm 8.2).

Quando dizemos que o cristão não deve ser legalista, jamais queremos afirmar com tal proposição que deve viver do seu jeito, ao seu querer, de modo libertino. Todavia, como já possuem o real crescimento por meio do conhecimento de Cristo, passam a ser maduros e perfeitos para desenvolverem uma vida de e obediência a Deus firmada no amor, fazendo tudo com alegria, sem temor algum de perder a salvação.

Entendemos que do lado legalista uma extrema necessidade de se praticar a Lei para se obter a salvação. Ainda muitos crentes pensam que a salvação se por meio da prática de regras, obras, o que não é verdade, mas, por outro lado, aqueles que seguem o antinomianismo passam a ser contrários a todo tipo de lei, crendo que a salvação se dá somente pela fé, o que não é verdade, aliás, muitos se servem desse ponto para ter liberdade para pecar.

O apóstolo Paulo faz um contraste entre o legalismo e o  antinomianismo de modo bem didático. Em Filipenses 3.2,3, ele diz que não confiava nem na circuncisão, nem na carne, pois isso era legalismo, e em 3.18 fala dos inimigos da cruz de Cristo. Na primeira citação, ele destaca a confiança na Lei para se obter a perfeição desejada, na segunda, fala do antinomianismo. Paulo compreendia que a perfeição não era o alicerce da salvação, mas procurava crescer na perfeição de Cristo Jesus, motivo pelo qual disse que esse era o seu alvo (Fp 3.13,14). O escritor aos Hebreus realça essa verdade falando que sempre devemos olhar para o Autor e Consumador de nossa fé (Hb 12.2). Assim, o cristão não pode ser nem legalista, para não desprezar a graça de Deus, nem ser antinomianista, para viver a vida do seu jeito.

A CÓLERA É O PRIMEIRO ATO PARA O HOMICÍDIO

Jesus e o sexto mandamento - Para compreendermos bem o relacionamento de Jesus com o sexto mandamento exposto por Ele aqui em seus ensinos, devemos atentar para a expressão ouvistes o que foi dito (Mt 5.21,27,33,34,43). Com isso, Ele já começa a introduzir a superioridade da sua justiça, que é mais elevada do que aquela que ensinavam os escribas e fariseus.

Esse verbo “ouviste” tem grande signi cado aqui, ou melhor, um valor grandioso, isso porque naquele tempo o acesso à literatura era bem escasso, inclusive às Escrituras. A maioria do povo não sabia ler, assim, tudo o que eles conheciam era por meio do ouvir, e quem detinha o maior poder nesse particular eram os escribas, os quais atuavam nas sinagogas fazendo a exposição da Lei.

Quanto aos antigos, vários debates conforme se pode notar em algumas versões. Em algumas consta aos antigos, enquanto em outras pelos antigos. Alguns tradutores preferiram pelos antigos, que nesse caso seria uma referência direta àqueles que faziam a interpretação das Escrituras, Moisés, os escribas e os mestres daquele tempo. A expressão aos antigos, por outro lado, estaria se direcionando ao povo, a quem falou Moisés e outros que vieram depois dele.

O que se pode entender é que pela forma como Jesus fala dos antigos, é bem possível que Ele esteja tanto com o passado marcado por intérpretes falsos, que estiveram presentes como mestres no meio do povo judeu, como também com os que viviam durante o ministéro de Cristo (Rm 9.12,26).

Jesus fala do sexto mandamento, “Não matarás”, conforme consta em Êxodo 20.13, mas, lendo Gênesis 9.5,6, vemos que ele havia sido dito antes da Lei. Da forma que Jesus irá introduzir seus seis exemplos da justiça mais elevada que a dos escribas e fariseus, contrastando o  Antigo com o Novo Testamento, oriundo de seus lábios, o destaque especial e a superioridade se vê na expressão “eu, porém, vos digo” (22, 28, 32, 34, 39, 44), que também aparece seis vezes. O que se compreende é que aqui Jesus não quer demonstrar ser alguém prepotente, egoísta, superior, mas o que pode se entender é que está em voga sua autoridade divina como Filho de Deus, por isso desafia, ataca, ensina.

A questão importante da citação de Jesus quanto ao sexto mandamento é gloriosa porque a forma como interpretará tal assunto é totalmente diferente de como faziam os escribas e os fariseus. Estes ensinavam quanto à questão de não matar, viam como algo errado tirar a vida de uma pessoa, porém, tudo se resumia apenas a esse ato exterior, inclusive havia um processo que era formado para a execução de quem praticasse o homicídio (Lv 24.17).

Nas palavras de Cristo, tudo não se resumia apenas ao ato de matar. A Lei de Deus era mais do que isso, ela apontava para a causa interna que levava alguém a praticar tal crime. Nesse sentido, podemos entender que Jesus não via o sexto mandamento apenas como um elemento presente em um código penal, ou seja, apenas uma lei, mas a questão era muito mais profunda, pois estava no âmago do coração perverso (Mt 5.19). O escritor aos Hebreus fala do poder da Palavra que discerne tudo (Hb 4.12). Portanto, para Jesus, o cumprimento da Lei vai muito além, não se conforma apenas com o que é exterior.

A cólera no contexto bíblico - No versículo 21 Jesus começa fazendo um destaque em relação à ira. O verbo grego é orgizómenos e significa provocar, incitar à ira, ser provocado à ira, estar zangado, estar enfurecido. Como dissemos antes, Jesus não atentava apenas para o ato de matar alguém, mas, sim, ao que levava a pessoa a cometer o crime.

Jesus ensinou que seus seguidores não deveriam nem pensar em se encolerizar a ponto de cometer um assassinato, pois teriam então cometido um assassinato no coração. Aqui, a palavra “cólera” se refere a um desespero planejado e revoltado que sempre ameaça fugir do controle, levando à violência, aflição emocional, maior tensão mental, prejuízo espiritual e, sim, até à morte. A cólera nos impede de desenvolver um espírito agradável a Deus.

Observamos biblicamente que o primeiro homicídio praticado por Caim começou no seu coração, o qual foi dominado e impulsionado por uma cólera ou ira violenta a ponto de cometer o assassinato. O texto diz que por Deus não se agradar de Caim nem de sua oferta, mas ter atentado à oferta do seu irmão Abel, a ira nasceu de imediato em seu coração. Observe que o verbo irar do hebraico é charah, estar quente, furioso, queimar, tornar-se irado, inflamar-se. Esse sentimento fez com que Caim matasse seu irmão (Gn 4.5-8). O apóstolo João mostra quem de fato era Caim, quais as obras que dominavam seu coração e quem era o chefe de sua vida (1Jo 3.12).

O Senhor Jesus nos ensina que jamais devemos nutrir em nossos corações qualquer sentimento de cólera, ira, sem qualquer causa justa, no demais, é impossível um cristão verdadeiramente transformado alojar em seu coração uma ira odiosa contra o seu irmão, pois tem consciência de que, caso proceda dessa maneira, será passível de julgamento, pois aos olhos de Deus tal sentimento corresponde ao homicídio.

O valor da pessoa humana - A valorização de Jesus pelo sexto mandamento é muito importante, pois com ela destaca seu apreço pela vida. Nesse mandamento está   inserida a ideia de que também são dignos de morte aqueles que fizessem pronunciamentos desdenhosos, desrespeitosos contra o próximo, tal pessoa deveria ser condenada pelo Sinédrio judaico. Duas palavras precisam ser analisadas aqui: a primeira é rhaká, um substantivo de origem aramaica com o sentido de vazio, sem sentido,   pessoa que tem cabeça vazia, cabeça-oca, também se tratava de um termo de repreensão usado entre os judeus no tempo de Cristo, e, em um sentido bem claro, pode ser traduzido por estúpido; a outra é o adjetivo moros, cujo signicado é tolo, ímpio, incrédulo, idiota, retardado mental. Quem usasse esse termo também deveria ser lançado no fogo do inferno, que no caso aqui envolveria a morte eterna, posto que seria o gehenna (Mt 10.28). Precisamos inferir o seguinte, quem nutre ódio pecaminoso, uma ira contra seu irmão, possivelmente dirá tais palavras injuriosas contra ele, de modo que quem as pratica estará cometendo homicídio de dentro do seu coração. Aos olhos de Deus, esse procedimento é reprovável e essa pessoa caminha a passos largos para o inferno, a morte.

É preciso muito cuidado quanto ao desprezo ou palavras de zombaria que se faz para com alguém, pois elas podem impulsionar pessoas a cometerem literalmente homicídio. É lamentável dizer, mas muitos não reconhecem o valor da vida humana e o respeito que se deve dar ao outro, que é imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). Sem pensar nas consequências, algumas pessoas usam expressões de baixo calão, ofendendo o seu próximo, contrariando a vontade de Deus.

em nosso meio pessoas que foram assassinadas com palavras  por causa de zombarias, mentiras, fofocas, que perderam a boa reputação por histórias inventadas. Um cristão comprometido com o evangelho de Cristo jamais age dessa forma, primeiro por causa do seu compromisso para com Deus, e, em segundo lugar, porque tem consciência de que há de prestar contas a Deus por suas duras palavras: “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo” (Mt 12.36).

A “OFERTA DO ALTAR” E A DESAVENÇA

O cristão deve sempre fazer uma análise de seu coração e de sua vida espiritual (Mc 7.2,12; 2Co 13.5), especialmente em relação ao seu procedimento para com o seu irmão, vizinho, amigo, se realmente está agindo com ele em amor, sinceridade e verdade. Isso é interessante porque pode afetar tanto o nosso culto como nosso relacionamento com o Pai. Deus não irá se voltar para aquele que se diz cristão, mas está com o coração cheio de ódio, e não de amor. Essa pessoa jamais poderá trazer uma oferta a Deus quando estiver em inimizade contra o seu irmão, pois Ele jamais a receberá.

Nosso Mestre divino deixa óbvio que Deus não se interessa por um culto de nossa parte quando as atitudes do coração não são puras para com o nosso semelhante, pois quem odeia seu irmão é assassino (1Jo 3.15). Um cristão verdadeiro não tem sua língua para bendizer a Deus e amaldiçoar o seu irmão (Tg 3.9,10). Aquele que ama a Deus de verdade nunca vive em inimizade com o seu irmão, pois está consciente, segundo o apóstolo João falou, de que aquele que não ama o seu irmão que vê, jamais poderá amar a Deus, a quem não vê (1Jo 4.20).

Para os judeus, o ato de ir uma vez por ano levando oferta para sacrificar no altar do Templo em Jerusalém era o bastante. Acreditavam que, dessa maneira, estariam cumprindo cabalmente a Lei. Porém, Jesus diz que para estar na presença de Deus e adorá-lo verdadeiramente é preciso muito mais do que dádivas naturais. É preciso estar com o coração totalmente puro, sem qualquer relacionamento pessoal rompido, e, caso isso tenha acontecido, que busque logo a reconciliação. (GOMES, Osiel. Os valores do reino de Deus: a relevância do Sermão do Monte para a Igreja de Cristo. Rio de Janeiro: CPAD, 2022. p. 46-55.)

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