INTRODUÇÃO
Depois de falar como exercer a prática religiosa de ajudar os outros com ofertas, sem buscar exibir a justiça própria, nosso Senhor prossegue com o segundo ensino envolvendo a oração dirigida ao Pai. O destaque do Mestre divino é que nesse nível de comunhão pessoal não podemos, em momento algum, ser seduzidos pelo pecado, o qual não nos acompanha apenas quando estamos buscando ser reconhecidos pelos outros para recebermos louvores.
Frente a essa segunda ilustração de Cristo em Mateus 6.5-18, não se deve pensar que Jesus estivesse tão somente combatendo o procedimento hipócrita dos escribas e dos fariseus ou de qualquer pessoa que procura chamar a atenção para si mesma; a exortação de Jesus é para todos. O problema é que nunca olhamos para essas palavras de Cristo entendendo que elas sejam para nós, pois são pesadas. Todavia, elas são dirigidas para nós, porque o pecado tem agido em toda a humanidade gerando em cada coração egoísmo e orgulho. Muitas pessoas vivem se orgulhando porque oram muito, jejuam muito, e é nesse sentido que seremos confrontados por Cristo.
Nessa nossa caminhada para a perfeição absoluta que desejamos, a santidade final, precisamos sempre da ajuda do Espírito Santo para que nenhum ato da natureza pecaminosa, que nos acompanha sempre, tenha domínio da nossa vida (Gl 6.16). A nossa natureza carnal nos acompanhará até o dia em que seremos transformados e receberemos um novo corpo (Fp 3.21). Portanto, quer seja pastor, quer seja professor, quer seja aluno da escola dominical, por mais santo que acredite ser — ou seja —, o cristão ainda tem a natureza carnal implantada no seu ser.
Não podemos cair na tentação de pensar em pecado somente no quesito ações, pois, na verdade, ele está relacionado a um estado do coração. Por vezes, a pessoa pode estar orando ou jejuando querendo ser glorificado e exaltado por outros, sua intenção é carnal, farisaica, hipócrita, uma vez que se apropria de elementos da prática da vida piedosa para tirar proveito. Nesse caso, tal pessoa não estará adorando a Deus, mas a si mesma.
Devemos ser conscientes de que no desenvolvimento das mais sublimes atividades de comunhão com Deus o pecado não nos deixa, ele está ali latente em nosso ser, sua força não se sobressai porque o Espírito Santo sufoca. É claro, não há coisa mais linda, maravilhosa, do que ver um cristão de joelhos aos pés de Cristo. Isso fala tanto de quebrantamento como de humilhação e dependência diante daquEle que está acima de tudo e de todos. Mesmo assim, o grande vilão está ali, se não vigiarmos seu poder se manifestará.
Nessa segunda seção de Mateus, com o Senhor Jesus iremos entender que para orar e jejuar da maneira correta é preciso passar pelo novo nascimento (Jo 3.3), e depender constantemente da graça do Senhor para não sermos tentados no campo da autoadoração e da autoperfeição, pois o pecado não é só uma questão de ação, atitude, ele está implantado em nossa natureza, é algo íntimo.
Nas palavras de Cristo em Mateus 6.5-18, Ele nos alerta a não cairmos na tentação da natureza pecaminosa, porque mesmo sozinhos podemos pecar, com as orações e jejuns corremos o risco de sermos hipócritas, não perante os outros, mas perante Deus. Com Jesus iremos aprender a orar da maneira certa, e não praticar orações de modo errado.
A ORAÇÃO É UM DIÁLOGO COM O PAI
A natureza da oração – Quando falamos da oração no seu sentido de submissão, estamos dizendo que a alma do orante coloca-se em total e plena dependência divina, colocamos de lado nossa capacidade, nossa limitação, nossa inteligência e nos derramamos perante Deus cientes de que somente dEle vem o livramento, a vitória. Quando nos entregamos ao Pai em oração, a vitória é certa. Foi assim que procedeu o rei Josafá. Temendo seus adversários, ele foi sincero e se rendeu a Deus dizendo: “Ah! Nosso Deus, acaso, não executarás tu o teu julgamento contra eles?
Porque em nós não há força para resistirmos a essa grande multidão que vem contra nós, e não sabemos nós o que fazer; porém os nossos olhos estão postos em ti” (2Cr 20.12, ARA).
Quando falamos sobre a oração no sentido de submissão, ela se torna ainda mais gloriosa, pois quem a faz não está apenas querendo receber algo de Deus, visto que nela, como a alma está totalmente rendida, entregue ao Pai eterno, o que se prioriza é o realizar a vontade de Deus, nada mais.
Podemos ainda destacar mais dois aspectos interessantes quanto à natureza da adoração. A primeira, a oração é também adoração, o que envolve tanto a liturgia quanto a adoração individual como coletiva. Como adoração, a oração ultrapassa a experiência simples do pedir e do querer, ela envolve submissão e confiança irrestrita em Deus, prioriza sua vontade, seu querer e o louva pelas obras de sua criação. Nesse tipo de oração, além de desejar que a vontade de Deus prevaleça em tudo, o desejo maior é ser como Jesus (Rm 8.29).
Quanto à essência da oração, o segundo aspecto que podemos salientar é que ela é considerada como um ato criador. Ao orar, o cristão é consciente de que todas as coisas que existem foram criadas pelo poder de Deus. Isso implica também dizer que as coisas são modificadas pelo poder de Deus, como bem se vê em Gênesis capítulo 1.
Ao atentar para a expressão instrumentos modificadores, Tiago fala da importância da oração de um cristão realmente justo. Ele diz: [...] “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16, ARA). Vale dizer que não há poder no cristão para curar; isso vem por meio da oração, quando se volta a Deus pela fé, na certeza de que a operação resulta pelo seu agir. Como instrumentos modificadores, tanto o presbítero como os cristãos podem clamar a Deus por todos quantos estão enfermos, pois essa permissão vem de Cristo Jesus.
Como os homens de Deus viviam em oração? - Não precisamos recorrer a obras clássicas cristãs para encontrarmos homens que sempre viveram em oração. É claro, jamais as desprezamos, mas o melhor é recorrer à própria Bíblia, dado que no seu conteúdo vemos homens que sempre desenvolveram no seu viver diário uma vida de oração a Deus. Quando uma pessoa aparece nas páginas das Sagradas Escrituras colocando-se em oração, independentemente do motivo, revelava sua plena confiança no poder de Deus e na certeza de que a resposta era certa, porque o Senhor sempre se interessou pelos seus filhos.
A fé no poder da oração revelava, por parte de um homem ou uma mulher, a confiança de que Deus entraria em cena agindo, mudando e operando poderosamente. Esse ensino sempre foi uma realidade do teísmo, ao passo que o deísmo, de modo negativo, assevera que não há interesse de Deus nos homens, mas que foram deixadas certas leis impessoais que dirigem todas as coisas. Desse modo, não há intervenção de Deus na história humana, nem para recompensar, nem para castigar.
Aprendemos por meio de passagens do Antigo Testamento que homens desenvolviam comunhão com Deus por meio da oração. Os patriarcas oravam ao Senhor, faziam intercessão em favor e para o bem de outros. Dessa forma agiu Abraão (Gn 18.25-30), não somente ele, mas assim procedeu Moisés em favor de Israel (Êx 32.10,12) e Jó, em favor de seus amigos (Jó 42.8-10). Há que se analisar ainda que os homens de Deus faziam orações de petição, de gratidão, de louvor, de perdão, de comunhão e de ato de devoção (Ed 7.27; 8.22; Ne 2.4). As orações faziam parte das liturgias e, além disso, se tinha a prática das orações diárias que eram desenvolvidas pelos servos de Deus (Sl 55.17; At 3.1; Dn 6.10).
Nas páginas do Novo Testamento, a oração era algo presente na vida particular e comunitária da Igreja. Logo que lemos Atos 1.4, vemos que a Igreja já nasce envolvida na oração, e em quase todos os capítulos desse livro se notam as orações coletivas, o que é também reforçado por Tiago (Tg 5.13-18).
A Igreja Primitiva sabia muito bem sobre o poder da oração. Cedo eles tomaram consciência do que poderia acontecer quando oravam. Por meio da oração, eles venciam lutas, crises, contrariedades, situações adversas (At 4.21).
Nós podemos orar com a certeza de que Deus ouvirá porque nosso Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, conhece muito bem as nossas necessidades e fraquezas, pois foi vestido da nossa própria natureza, por esse motivo se compadecerá de nós (Hb 4.14). Assim, o cristão verdadeiro pode entrar com toda confiança à presença do Pai para desfrutar dos privilégios espirituais, tudo por causa de Cristo Jesus (Hb 10.19). Por meio da oração, o cristão é revitalizado, curado das doenças do corpo (Tg 5.13-18) e recebe sabedoria (Tg 1.5-8). No entanto, para que haja resposta à oração, os motivos não devem ser egoísticos, pelo contrário, devem estar alinhados à vontade do Pai (Tg 4.1-3; 1Jo 5.14-16).
A maneira de orar – Em relação à maneira certa de orar, é preciso que o cristão saiba que o mais importante não é a postura. Podemos ver que na Bíblia homens e mulheres de Deus oraram nas mais diversas posições: em pé (Mc 11.25); ajoelhado (1Rs 8.54); prostrado no chão (Mt 26.39); deitado na cama (Sl 63.6); assentado (1Rs 18.42); pendurado na cruz (Lc 23.42). Deus nunca disse: “Orem nessa posição”. Para Ele, o que vale não é a postura, e sim os motivos — se forem sinceros, verdadeiros, buscarem priorizar o Reino, a resposta é certa.
Acima dissemos que a postura não importa tanto, porém, há uma coisa que precisamos levar em consideração: a oração de joelho representava duas atitudes — humildade e entrega absoluta a Deus.
No demais, é verdadeiro o que disse Jesus, que seja a posição que for, se o coração não for puro, a oração não terá qualquer serventia, pois muitos o honravam apenas com os lábios, mas o coração estava longe dEle (Mt 15.8).
Ainda envolvendo a maneira de orar, é preciso ressaltar a necessidade de o cristão ter momentos reservados para falar com Deus. Quando lemos Lucas 18.1, Jesus falou do dever de orar sempre, isso também foi reforçado por Paulo quando falou que devemos orar sem cessar (Ef 6.18; 1Ts 5.17). Obviamente, não há nas Escrituras uma exigência quanto à prática ou lugar da oração, quantas horas ou minutos se deve orar; todavia, entendemos que ela mostra que reservar momentos para ficar a sós com Deus é de suma importância (Dn 6.10; Sl 55.17; At 3.1).
A prática de ter um momento para construir intimidade com o Pai por intermédio da oração é um bom hábito para a vida espiritual, revela também disposição, equilíbrio e disciplina na vida cristã. Além da necessidade de orar sempre, e dos momentos reservados para ficar em comunhão a sós com o Pai, lemos na Bíblia que os santos do Senhor sempre praticavam orações nos momentos das refeições ou em outras situações especiais (Lc 6.12,13; Jo 6.15; Sl 50.15).
A ORAÇÃO QUE JESUS ENSINOU
Jesus não condenou a oração em público – Ao lermos Mateus 6.5, atentamos para algumas coisas importantes. A primeira é que o hipócrita gostava de orar em pé, ficava nas sinagogas e esquinas das ruas. Estar ou fazer oração em pé era algo normal naquele tempo, aliás, segundo alguns estudiosos, em alguns momentos, orar de joelhos em tais lugares seria visto como um ato de ostentação. Os judeus usavam praticamente três posturas na oração: em pé, de joelhos e prostrados, e eles faziam isso olhando para o Templo (1Sm 1.26; 1Rs 8.22; Mc 11.25; Lc 18.11). Histórica e biblicamente falando, essa prática perdurou entre eles inclusive na Igreja Primitiva.
A sinagoga era considerada uma casa de oração dos judeus, tanto para o culto de oração pública com o particular, que começou a existir provavelmente durante o cativeiro. As sinagogas espalharam-se pelo mundo bíblico. Nelas, adultos e crianças adoravam a Deus, oravam e estudavam as Escrituras (Lc 4.16-30). A doutrina cristã espalhou-se entre os judeus por meio das sinagogas (At 13.13-15), cuja organização e forma de culto foram adotadas pelas igrejas cristãs.
Em relação à palavra praça, que não tem base no grego, falava de ruas ou estradas largas, fazendo assim oposição às estreitas. Em Gênesis 19.2 (ARA) aparece a palavra praça. A ideia do hebraico é de um lugar amplo, do grego agorá, qualquer assembleia, especialmente de pessoas, para debate público, para eleições, para julgamento, para comprar e vender e para todos os tipos de negócios (Mt 20.3). Como era o local em que se concentrava mais pessoas, era um prato cheio para os que gostavam de fazer espetáculos religiosos. Eles sabiam os horários em que o movimento de pessoas seria bem maior e de modo proposital se postavam nas praças para serem vistos pelos homens. Essa postura revela egoísmo e hipocrisia.
Em momento algum nosso Senhor Jesus combateu a oração em público, inclusive Paulo falou que podemos orar em todo lugar (1Tm 2.8), porém, o que Jesus combate drasticamente é a intenção impura e pecaminosa de certos judeus escolherem lugares apenas para chamar a atenção dos outros para suas práticas religiosas.
Jesus quer que sejamos discretos – Como servos de Cristo, podemos adorá-lo em oração em casa, nas praças, ruas, mas em seus ensinos quanto à temática, Ele requer que tenhamos os motivos certos, sem espetáculos ou exibições como atores religiosos. É lamentável dizer, mas uma boa parte de irmãos gosta de exibir religiosidade no quesito oração apenas para que outros o vejam e digam: “Esse aí é crente mesmo”. A prática da oração com intenção egoística é prejudicial para o convívio espiritual, pois destrói a sua pureza, visto que esta não está sendo feita para Deus, mas para o benefício daquele que ora.
Em Mateus 6.6, Jesus quer que sejamos bem discretos na oração. Ele diz que aquele que realmente deseja comunhão com Deus precisa entrar no seu aposento para orar. Quarto é um substantivo neutro do grego tameîon, fala de câmara de armazenamento, depósito, um quarto interno, mas, no geral, a ideia é de uma despensa, o local de guardar alimentos. Jamais alguém ousaria procurar uma pessoa que estivesse em oração em um local como esse; somente o despenseiro da casa é que teria acesso e interesse a tal lugar. Mas se levarmos, primeiramente, para o lado literal, fala de um lugar secreto, e no aspecto simbólico é lugar de alimento; assim, quem ora alimenta sua vida espiritual com Deus.
O sentido de quarto passou posteriormente a gurar como uma sala interior da casa (Mt 24.26), porém sua ênfase no texto, conforme foi usado por Cristo, era para contrapor a maneira hipócrita dos religiosos dos seus dias em relação à oração. A importância da discrição foi tão aludida por Jesus que além de falar dessa sala secreta, Ele ainda diz que quem estivesse orando deveria fechar a porta para que ninguém o visse. Nesse tipo de oração secreta, o cristão pode abrir seu coração para Deus, expressar todos os seus sentimentos e ouvir em silêncio a voz do Senhor. A oração em secreto aponta para a oração em espírito, o qual já transformado pelo poder de Deus procura sempre viver em humildade, pois é para este que o Reino de Deus será dado (Mt 5.11). Tiago diz que o Senhor resiste aos soberbos, mas aos humildes concede graça (Tg 4.6).
Biblicamente falando, os judeus sabiam que Deus habitava no lugar secreto, que era o santo dos santos (Hb 9.3), nele só quem podia entrar uma vez por ano era o sumo sacerdote. Ora, se Deus está no lugar secreto, é preciso que o cristão o busque secretamente, e ali poderá derramar sua alma com toda liberdade, pois Deus e homem estarão a sós.
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