INTRODUÇÃO
A Bíblia Sagrada, quando crida e obedecida, torna-se
um seguro, autêntico e verdadeiro guia para o viver cristão. O texto sagrado
aponta para Cristo como o único caminho que conduz à vida abundante (Jo 10.10).
O próprio Cristo nos adverte ao exame das Escrituras porque nelas estão
reveladas as palavras de vida eterna (Jo 5.39). O apóstolo Tiago assevera que a
Palavra de Deus transforma a nossa natureza, e nos conduz pela vereda da
salvação (Tg 1.21). Em vista disso, Peter Davids assinala “não ser suficiente
que a pessoa esteja convencida a respeito de Jesus; a pessoa deve entregar-se a
Cristo, aceitar seu ensino, e essa fidelidade é o estilo de uma nova vida”.
Nessa nobre tarefa, a imutável e inerrante Palavra
de Deus alumia o caminho que devemos trilhar com plena segurança. O Senhor
Jesus alerta que a porta é estreita, e o caminho é apertado, porém, é o único
que leva à vida, e poucos há que o encontram (Mt 7.14). Nesse aspecto, Tasker
lembra que “o que torna o caminho estreito difícil de achar é a existência de
numerosos mestres falsos que têm as suas próprias fórmulas para o bem-estar do
homem”. Assim, por meio da irrestrita obediência às Escrituras e o temor a
Deus, recebemos sabedoria e prudência para andar como filhos da luz (Ef 5.8).
Neste capítulo, veremos que a Escritura serve como alicerce de sabedoria e
prudência.
I – A BÍBLIA É UM ALICERCE PARA A VIDA
1. A Palavra de Deus é alicerce. Importante
ressaltar que a Bíblia é a única infalível revelação escrita, divinamente
inspirada (2 Tm 3.16; Ap 1.1). Quem ouve e coloca em
prática a Palavra de Deus é comparado a uma pessoa prudente cuja casa é
alicerçada sobre a rocha (Mt 7.24). Na última seção do sermão do Monte, pouco
antes do epílogo, Cristo narra a parábola dos “construtores sábios e os
construtores tolos” (Mt 7.24- 27). Os editores do Comentário Bíblico
Pentecostal chamam atenção para o paralelismo clássico apresentado na parábola:
“o sábio constrói sobre a rocha; o tolo constrói sobre a areia”.
E quem é o
sábio? “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras [de Cristo], e as
pratica” (Mt 7.24); consequentemente o tolo é “aquele que ouve estas minhas
palavras [de Cristo], e não as cumpre” (Mt 7.26).
Nessa
ilustração de Jesus, a casa simboliza a vida. A pessoa prudente constrói a sua
casa e estabelece toda a sua vida em submissão genuína à Palavra de Cristo. A
pessoa desobediente constrói sobre o fundamento frouxo da confiança própria e
de falsas esperanças. Ambas as construções sofrem com as intempéries da vida: a
chuva torrencial, a inundação e o temporal (Mt 7.25,27). Esses elementos
simbolizam os tempos difíceis da nossa vida: perseguições, traições, doenças,
violências e sofrimentos diversos. É importante notar que Cristo já tinha
ensinado que o Pai “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva
desça sobre justos e injustos” (Mt 5.45). Significa que ninguém está imune das
adversidades da vida.
Entretanto, existe uma diferença crucial entre os
dois construtores, em especial no enfrentamento desses problemas. A casa
edificada sobre a rocha, apesar de ter sido ferozmente combatida, nem caiu e
nem quebrou (Mt 7.25). Porém, um toque dramático é acrescentado à casa fundada
na areia: “caiu, e foi grande a sua queda” (Mt 7.27). A parábola claramente
ensina que nossa vida deve estar edificada nos ensinos de Cristo a fim de
alcançar a virtude e um destino glorioso (Jo 3.16). O próprio Cristo é a rocha
sobre a qual devemos edificar a nossa casa (1 Co 10.4). É somente pela nossa
união com Cristo que podemos ter esperança e segurança. Ele tem as palavras de
vida eterna (Jo 6.68). A síntese desse grande ensinamento é que nem as crises
dessa vida e nem a eternidade poderá abalar quem está firmado em Cristo e na
sua Palavra (Mt 7.25).
2. A Palavra de Deus é Luz. Os Salmos
declaram que a Palavra de Deus é “lâmpada para os pés” e “luz para o caminho”
(Sl 119.105). Ao dissertar acerca desse salmo, Charles Spurgeon escreveu: “um
dos benefícios mais práticos dos textos sagrados é a orientação nos atos da
vida diária; esta tocha não é enviada para nos assombrar com seu brilho, mas
para nos orientar com a sua instrução”. Quer dizer que a Bíblia possui
orientações para cada passo do nosso viver e instruções para todo o curso da
nossa vida. No salmo em questão, Davi guia os seus passos pelas Escrituras e
assume o compromisso de guardar os seus estatutos (Sl 119.106).
O apóstolo Pedro fala da Palavra como “uma luz que
alumia em lugar escuro” (2 Pe 1.19). Sobre essa declaração, o Comentário de
Aplicação Pessoal discorre que “temos as Escrituras como a nossa luz e o
Espírito Santo para esclarecer e nos orientar, à medida que aprendemos mais
sobre a verdade”. Implica dizer que aquele que não é guiado pelas Escrituras
encontra-se desorientado, cedo ou tarde irá tropeçar, e consequentemente
sucumbirá. Somente a luz das Escrituras dissipa a escuridão espiritual e nos
conduz em segurança pelo caminho da vida eterna. A respeito disso, Cristo
declarou: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas” (Jo
8.12). Essa afirmação do Senhor Jesus lembra a coluna de fogo que orientou os
filhos de Israel durante a noite nas suas peregrinações no deserto (Êx 13.21).
O Comentário Bíblico Beacon enfatiza que “da mesma maneira como Jeová
era o seu guia e Iluminador naquela ocasião, assim também Jesus é o EU SOU,
sempre presente, sempre iluminado, dispersando a escuridão”. E, nessa direção,
também Paulo ensina que devemos andar como filhos da luz (Ef 5.8), isto é,
afastados da prática do pecado (1 Jo 3.6).
3. A Palavra de Deus é imutável. Tendo a
inspiração divina como pressuposto, ratificamos que a Palavra de Deus é a nossa
autoridade final de fé e prática (2 Pe 1.21). A Bíblia difere de outros livros
porque seus ensinos são fidedignos e confiáveis, não erram e nem falham. O
Senhor Jesus declarou enfaticamente que “a Escritura não pode ser anulada” (Jo
10.35). Compreende-se a partir dessa sentença que a Escritura não pode ser
invalidada (Mc 7.13), isto é, a Palavra de Deus não pode ser colocada de lado
quando seu ensino não convém ou não agrada as pessoas. Não pode ser
ressignificada para atender aos ideais e aspirações do humanismo. O que está
escrito permanece escrito.
Desse modo, o texto bíblico permanece inalterado e
“imexível”. Cristo foi quem assegurou essa certeza ao declarar: “passará o céu
e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13.31). Deus não muda (Ml
3.6), Ele é fiel ao concerto estabelecido, e, por conseguinte, a sua Palavra é
imutável. O apóstolo Tiago escreve que em Deus “não há mudança, nem sombra de
variação” (Tg 1.17). Ele é plenamente confiável, sua Palavra é absolutamente
constante. Deus não mente (Nm 23.19), e nem pode mentir (Hb 6.18). Portanto, os
princípios bíblicos e as doutrinas revelados nas Escrituras têm aplicação hoje,
assim como tiveram antigamente (Is 55.11).
Em suma, os padrões da ética e da moral cristã não
sofrem mudanças (1 Pe 1.20). Os valores cristãos são permanentes, pois a fonte
de autoridade é permanente (Mt 5.18). Não cabe ao cristão contradizer e nem
ajustar as Escrituras para atender aos interesses das ideologias pós-modernas.
Assim sendo, o comportamento e o caráter do cristão se alicerçam nas doutrinas
bíblicas (Ef 2.20). Os textos aqui citados, e tantos outros que por falta de
espaço não foram mencionados, atestam que a Bíblia Sagrada é exatamente aquilo
que ela afirma ser: a inspirada, inerrante e infalível Palavra de Deus.
II – A BÍBLIA NOS TORNA PESSOAS SÁBIAS
1. O conceito de Sabedoria. O substantivo
hebraico para sabedoria é “hokmãh”. O Dicionário Vine anota que essa
palavra aparece 141 vezes no Antigo Testamento, e, na maior parte das vezes, em
Jó, Provérbios e Eclesiastes. O termo significa “o conhecimento e a habilidade
de fazer escolhas certas no momento oportuno. A consistência de fazer a escolha
certa é indicação de maturidade e desenvolvimento”. A palavra correspondente
para sabedoria em grego é “sophia”, e está relacionada e se assemelha
com a prática da prudência, isto é, “a capacidade de discernir modos de ação
com vistas aos seus resultados”. Em síntese, ambos os termos têm o sentido de
“habilidade”, “experiência” e “qualidade de quem é sábio”.
O teólogo Russel Joyner assegura que a Bíblia coloca
a sabedoria no âmbito da prática, por isso a verdadeira sabedoria “reúne o
conhecimento da verdade com a experiência do cotidiano”. Significa que o
conhecimento absorvido pela mente deve ser aplicado em todas as situações da
vida. A orientação de provérbios “adquire a sabedoria, adquire a inteligência”
(Pv 4.5) sublinha que não é suficiente acumular informações e encher o
intelecto de conhecimento. A sabedoria ultrapassa o conhecimento dos fatos, das
leis e das ciências. Nesse aspecto, o conhecimento sem a prática adequada do
aprendizado não produz sabedoria (Pv 3.7).
2. Deus é a fonte da Sabedoria. A sabedoria é
um dos atributos divinos (Dn 2.20). As Escrituras nos exortam a adorar “o único
Deus sábio” (Rm 16.27; 1 Tm 1.17; Jd 1.25). Ele é a única fonte da genuína
sabedoria (Pv 2.6; Ef 1.16,17). O erudito Louis Berkhof analisa que “pode-se
considerar a sabedoria de Deus como um aspecto do seu conhecimento [...] ela
indica o fato de que Ele sempre busca os melhores fins possíveis, e escolhe os
melhores meios para a consecução dos seus propósitos”. Nesse entendimento,
Charles Hodge afirma que “todas as obras de Deus declaram sua sabedoria. Elas
mostram, desde as menores até as maiores, a mais prodigiosa adaptação de meios
para a concretização do sublime fim do bem-estar de suas criaturas e para a
manifestação de sua própria glória”. Mercê dessas verdades, ratifica-se que
somente Deus é detentor de tamanha sabedoria. O apóstolo Paulo assevera que a
sabedoria divina é inescrutável (Rm 11.33).
A Bíblia ainda ensina que toda a sabedoria dos santos
provém da parte de Deus segundo o beneplácito da sua vontade (Ef 1.8,9). Por
meio da graça, Deus faz os crentes transbordarem com sabedoria e discernimento
(1 Co 1.21, 24; 1 Tm 1.14). Paulo escreve que Deus fez Cristo ser a sabedoria
em nós (1 Co 1.30). Nesse aspecto, William Hendriksen ratifica que essa
sabedoria “é a capacidade de aplicar o conhecimento para melhor proveito,
capacitando uma pessoa a usar os meios mais eficazes para alcançar a meta mais
elevada”. Isso implica a compreensão do plano divino da salvação e da aplicação
das Escrituras no dia a dia da caminhada cristã. Em resumo, visto que Deus é a
verdadeira sabedoria, as suas palavras e seus atos são igualmente sábios (Sl
19.7; Pv 3.19). Portanto, todos que vivem de acordo com os preceitos da Palavra
de Deus são considerados pessoas sábias (1 Co 2.6,7).
3. O Temor É o Princípio da Sabedoria. A
Bíblia registra que “o temor do Senhor é o princípio do saber” (Pv 1.7, ARA). A
expressão “temor do Senhor” aparece doze vezes no livro de Provérbios, e no
modo imperativo “Temei ao Senhor” é encontrado outras quatro vezes (Pv 1.7,29;
2.5; 3.7; 8.13; 9.10; 10.27; 14.2,26,27; 15.16,33; 16.6; 22.4; 23.17; 24.21). A
reiterada repetição dessa frase denota o princípio fundamental da religião
revelada: “o temor a Deus”. O Dicionário Bíblico Wycliffe apresenta o
seguinte conceito para a palavra “temor”:
Um temor santo (heb. yir’a, gr. phobos) que significa
ter grande temor ou respeito pela majestade e santidade de Deus, uma reverência
piedosa (Gn 20.11; Sl 34.11; At 9.31; Rm 3.18). Davi fala desse temor como
sendo limpo e puro (Sl 19.9); [...] Este temor é dado por Deus e permite que o
homem respeite a autoridade de Deus, obedeça aos seus mandamentos, se desvie do
mal (1Sm 12.14,20-25; Sl 2.11; Pv 8.13; 16.6) e busque constantemente a
santidade (2Co 7.1; Fp 2.12). Os gentios convertidos ao judaísmo, que criam em
Deus, eram chamados de tementes a Deus (At 10.2,22; 13.26).
Diante dessa definição, “temer ao Senhor” não
significa ter medo, fobia ou terror de Deus; ao contrário, expressa reverência,
gratidão e adoração ao Todo-Poderoso (Dt 10.12). Essa atitude é o preceito pelo
qual se inicia a sabedoria. O temor ao Senhor é o primeiro e controlador
princípio, não é uma etapa que se abandona, não é apenas um método correto de
pensamento, mas, sim, um relacionamento correto de submissão e adoração a Deus.
O temor a Deus é o ponto de partida que produz o verdadeiro entendimento, o
sábio proceder (Rm 12.1,2).
Aqui importa ressaltar, como já observado, que o
conhecimento e a sabedoria não são a mesma coisa, embora os termos estejam
relacionados entre si. Uma pessoa iletrada pode ultrapassar em sabedoria quem
tem elevado grau de instrução. O conhecimento é adquirido pelo estudo, mas a
sabedoria resulta da compreensão de todos os fatos relevantes a respeito da
vida, inclusive as coisas espirituais. E, assim, por meio do entendimento e
obediência às Escrituras, os cristãos passam a viver como pessoas sábias (Ef 5.15).
Em contraste, os que rejeitam o Senhor e a sua Palavra permanecem na ignorância
(Sl 14.1).
4. Os Benefícios da Sabedoria. O salmista
declara que o ato de meditar na Palavra de Deus o tornara mais sábio que todos
a sua volta (Sl 119.97-100). Essa afirmação significa que ele adquiriu
sabedoria ao aplicar os preceitos do Senhor na sua vida. Davi expressa seu
profundo amor pela Lei do Senhor, e faz dela a sua meditação diária (Sl
119.97). Como resultado, tornou-se mais sábio do que os inimigos (Sl 119.98);
mais entendido que os mestres (Sl 119.99); e mais prudente que os anciãos (Sl
119.100). Ao comentar esse texto, Spurgeon assinala que “ele tinha sido
ensinado a observar no coração e na vida os preceitos do Senhor [...] Ele tinha
a Palavra dentro de si, e assim superou seus adversários; ele meditava nela, e
assim ultrapassou seus amigos; ele a praticava, e assim ofuscou os seus
antepassados”.
Salomão assegura que a pessoa sábia tem muitos
benefícios: “Se fores sábio, para ti sábio serás; e, se fores escarnecedor, tu
só o suportarás” (Pv 9.12). Nesse versículo, destaca-se o conceito da
responsabilidade individual. Derek Kidner sublinha que as pessoas recebem
benefício ou sofrem por causa do caráter que cada um possui (Pv 10.1). O texto
bíblico ressalta que, em última análise, quem ganha ou perde é a própria
pessoa. Desse modo, aquele que teme ao Senhor desfruta das benesses da
sabedoria, dentre elas, acumula conhecimento para usar na ocasião certa (Pv
10.14); conquista outras almas para também serem sábias (Pv 11.30); em virtude
do bom senso, torna-se próspero em todos os seus caminhos (Pv 19.8); e não
apenas controla seus impulsos, mas exerce o domínio próprio (Pv 29.11). Em
vista disso, a Escritura nos adverte com frequência a empregar esforços na busca
da sabedoria (Pv 2.2; 3.21; 4.5,7; 16.16; 23.23).
III – A BÍBLIA E A PRUDÊNCIA PARA A VIDA
1. O Conceito de Prudência. O Dicionário
Bíblico Wycliffe informa que o termo hebraico “arum” é usado no sentido
positivo para identificar uma pessoa sensata: “a sabedoria do prudente é
entender o seu caminho” (Pv 14.8); “o prudente atenta para os seus passos” (Pv
14.15); “os prudentes se coroarão de conhecimento” (Pv 14.18); e “o que observa
a repreensão prudentemente se haverá” (Pv 15.5). Porém, a expressão ainda pode
ser empregada no mau sentido para identificar alguém sagaz ou astuto: “Ora, a
serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo” (Gn 3.1); “Ele
aniquila as imaginações dos astutos [...] Ele apanha os sábios na sua própria
astúcia” (Jó 5.12,13); “tu escolheste a língua dos astutos” (Jó 15.5); e
“tomaram astuto conselho contra o teu povo” (Sl 83.3, ACF). Destaca igualmente
que a expressão hebraica “bin” e o adjetivo grego “synetos” apontam para uma
decisão inteligente: “o sábio de coração será chamado prudente” (Pv 16.21); “o
procônsul Sérgio Paulo, que era um homem inteligente” (At 13.7, NAA). Desse
modo, no aspecto positivo, os textos sinalizam uma conduta não precipitada.
O Dicionário Vine enfatiza que o substantivo grego
“phronesis” e suas declinações implica “ter entendimento” e denota “sabedoria
prática, prudência na administração dos negócios” (Lc 1.17; Ef 1.8). Já o
substantivo “synesis” é traduzido por “inteligência” e sugere “rapidez de
apreensão”, a “consideração penetrante que precede a ação” (1 Co 1.19). Essa
concepção pode ser vista equitativamente nos tratados da filosofia
aristotélica:
O ato prudente considera as circunstâncias, prevê as
possíveis consequências, analisa os antecedentes, compara a ação com obras
semelhantes, pondera os prós e contras, reprime as paixões que escurecem a
razão, delimita os interesses próprios da decisão correta. O exame e a reflexão
poderão realizar-se com maior ou menor velocidade dependendo do indivíduo e da
magnitude e qualidade da ação.
Tomás de Aquino (1225-1274 d.C) define a prudência
como razão reta do agir (latim: recta ratio agibilium). Considera como uma
virtude própria da razão prática. Em outras palavras, Aquino ensina que é
próprio do homem prudente a capacidade de deliberar bem em vista de certo fim.
Em vista disso, em termos gerais, a prudência é a virtude própria da boa
escolha que evita ações temerárias. Refere-se à faculdade crítica de avaliar
situações e encontrar a maneira adequada de abordagem na busca da melhor solução.
Nesse aspecto, com cautela e bom senso, uma pessoa prudente é capaz de
discernir e fazer a escolha correta. Contudo, convém esclarecer que
biblicamente a prudência está unida estreitamente à sabedoria. E, como já
visto, a sabedoria procede de Deus (Ef 1.8,9). Por isso, a prudência é
sobretudo uma virtude de quem é sábio, e, portanto, habilitado a realizar as
escolhas certas (Dt 30.19; Lc 10.42).
2. A Prudência dos Justos. Esse termo é
empregado pelo evangelista Lucas quando descreve o ministério de João Batista.
A missão do precursor do Messias é converter o coração “dos pais aos filhos” e
os rebeldes à “prudência dos justos” (Lc 1.17). Ao discorrer sobre essa última
declaração, Matthew Henry observa que “a verdadeira religião é a sabedoria dos
homens justos, diferentemente da sabedoria do mundo. Sermos religiosos é, ao
mesmo tempo, a nossa sabedoria e o nosso dever; nisto existe tanto equidade
quanto prudência”. Significa que o Evangelho tem como desígnio trazer as
pessoas de volta para Deus. E, quando isso acontece, os ignorantes,
desobedientes e rebeldes de outrora se tornam sábios, justos e prudentes. Essa
sabedoria prática que orienta e corrige o viver diário é o resultado da
verdadeira conversão a Cristo. Aqueles que experimentam o novo nascimento desenvolvem
o caráter e praticam a boa conduta dos justos.
Nesse sentido, a mensagem da salvação em Cristo não
apenas restaura o pecador, mas também o faz andar por veredas de retidão.
Salomão assegura que “a vereda dos justos é como a luz da aurora” (Pv 4.18).
Hernandes Lopes considera que não se trata apenas de um caminho iluminado, “mas
um caminho cuja luz vai crescendo como a luz do sol até ser dia perfeito [...]
sua história começa na conversão e avança no processo da santificação, mas seu
alvo é a glorificação, o dia perfeito”. O apóstolo Paulo declara que a graça de
Deus nos alcança o perdão, e ainda a sabedoria e a prudência (Ef 1.7,8). A
sabedoria para compreender a verdade revelada, e a prudência para agir
corretamente, segundo a vontade de Deus (Ef 1.9). Essas dádivas são
aperfeiçoadas pela oração, leitura das Escrituras e comunhão com o Espírito
Santo (1 Ts 5.17; 2 Tm 3.14,15; Ef 5.18).
3. Os Benefícios da Prudência. O livro de
Provérbios descreve os propósitos e os benefícios da prudência (Pv 1.1-6).
Nessa direção, o preâmbulo articula os objetivos do texto (Pv 1.2-6) e o seu
destinatário (Pv 1.4,5). Cada versículo começa com a expressão “para”, com
exceção do versículo 5, em que o termo não aparece, mas está implícito. Essa
série de frases é um sumário das finalidades dos provérbios de Salomão, a
saber: “para se conhecer a sabedoria e a instrução” (Pv 1.2a); “para se
entenderem as palavras da prudência” (Pv 1.2b); “para aceitar o comportamento
prudente” (Pv 1.3a); “para fazer o que é reto, justo e íntegro” (Pv 1.3b);
“para dar perspicácia e discrição” (Pv 1.4); “[para] o sábio aumentar o
aprendizado” (Pv 1.5a); “[para] o criterioso adquirir orientação” (Pv 1.5b); e
“para entender um provérbio e os ditos dos sábios” (Pv 1.6).
Para alcançar essas metas, o livro apresenta
instruções éticas no intuito de moldar o caráter que resulta em benesses para
os que escutam e praticam as sábias instruções. Dentre elas, destaca-se: o
autocontrole para não revidar ofensas (Pv 12.16). Ao contrário, aquele que não
tem a capacidade de controlar as emoções é insensato. Bruce Waltke salienta que
“os sábios consideravam essa disposição interna de exasperação uma emoção
perigosa: ela mata o insensato (Jó 5.2) e deve ser contida; o sábio não a
demonstra”. Outro proveito da prudência é a postura de humildade para não
exibir conhecimento (Pv 12.23). Hernandes Lopes avalia que o prudente “não
enaltece a si mesmo como um fariseu soberbo nem se compara aos demais apenas
para se sobressair. A humildade é o caminho da honra, enquanto a altivez é a
autopista da vergonha”.
A prudência, inclusive, favorece na correta tomada
de decisões (Pv 13.16). Bruce Waltke comenta que a pessoa prudente se protege
por meio de “um conhecimento que inclui ver o perigo de antemão e se refugiar,
e que fala com cautela e prudência”. A pessoa prudente, ainda, pensa antes de
agir para não ser influenciada (Pv 14.15). Derek Kidner sublinha que o tolo ou
o ingênuo “aceita de segunda fonte aquilo que deveria ser averiguado por conta
própria [...] agindo de acordo com o estado dos sentimentos, e não com os
méritos do caso”. O prudente, também, alcança boa reputação e alta posição (Pv
14.35). Hernandes Lopes anota que “se formos prudentes, ceifaremos favor; se
formos indignos, colheremos fúria. O empregado prudente que vive de forma
irrepreensível, fala de forma irrefutável e realiza obras inegáveis goza do
respeito e do favor de seus superiores”. O prudente, igualmente, sujeita-se ao
aprendizado e a correção (Pv 15.5). Todo aquele que atende a repreensão e aceita
humildemente a disciplina se comporta com prudência. O caminho da vida não é a
rebeldia, mas a obediência. Além disso, a pessoa prudente desvia-se do perigo
por meio de soluções cautelosas e antecipadas (Pv 22.3).
Nos Evangelhos, Cristo enfatizou que a pessoa
prudente tem a Palavra de Deus como alicerce e regra de vida (Mt 7.24). Nesse
ponto, Tasker sublinha que “o homem cuja fé em Cristo é real e sincera poderá
sobre esta fé, e o fará, construir o edifício do caráter cristão, que resistirá
às tempestades de incompreensão e desapontamento, de cinismo e dúvida, de
sofrimento e perseguição, quando ameaçarem destruí-lo”. Ademais, o Senhor
ensinou que o servo prudente procede com retidão e cumpre seus deveres com
fidelidade (Mt 24.45). Mantém-se ocupado, cumprindo fielmente as suas tarefas,
e desse modo se conserva preparado para quando o seu Senhor chegar. Na parábola
das dez virgens, Jesus ensina que a pessoa prudente cuida com esmero da sua
vida espiritual e mantém acesa a chama do Espírito (Mt 25.4). Myer Pearlman
considera que “as virgens prudentes representam aqueles crentes que,
reconhecendo possível demora do Noivo, não somente o aguardam pacientemente,
como conservam-se diligentemente num estado espiritual apropriado a qualquer
chamada repentina”. Em vista disso, a Bíblia nos exorta a viver prudentemente,
e não como néscios (Ef 5.15).
Fonte: BAPTISTA,
Douglas. A supremacia das Escrituras: a inspirada, inerrante e infalível
palavra de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2022, p. 69-79.
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