O evangelista João, também considerado por muitos como o “apóstolo do amor” logo no início do evangelho que leva o seu nome, escreveu: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:16 BKJ). Alguns atrevem-se a dizer que este pequeno verso resume toda a Escritura, não sei se concordo plenamente com esta afirmação, mas de fato este é sem dúvida um dos versos mais significativos da Escritura onde o homem pode conhecer o plano da redenção.
Estamos em pleno
período de Natal e aqui ao lado da minha casa há um grande shopping
center e logo na sua entrada montaram algo que descreve perfeitamente o
espírito destes dias. De um lado montaram um lindo presépio com
bonequinhos que mexem-se de verdade, animais que movem-se, água que
jorra da fonte, e lá ao fundo estão Maria, José e Jesus. Na verdade o
presépio é uma bela obra de arte e merece a atenção dos que por ali
passam. E do outro lado, colado ao presépio está o trono do Papai Noel,
com alguns duendes e umas moças de vestido vermelho curto e que não sei
onde encaixar nesta imagem mitológica natalina, são jovens demais para
serem Mamãe Noel, portanto, se alguém souber, me explique por favor. Há
também uma enorme fila de crianças para tirarem fotografias e falarem
com o bom velhinho. De um lado a história mais marcante da humanidade
representada por miniaturas fantásticas feitas com todo o cuidado, e do
outro a fila daqueles que só conseguem ver o natal como uma oportunidade
para consumir.
O que é o Natal?
Será um feriado nacional? Será um dia para uma boa reunião familiar?
Será uma ocasião para troca de presentes? Bem, nós sabemos que tudo isto
acontece no Natal, mas na verdade o Natal é sobre um tema meio
esquecido e colocado de lado em nossa sociedade. O Natal se tornou
ambíguo, tal como no monumento que temos no shopping, de um lado o
presépio e do outro o Papai Noel. E a pergunta que me vem a minha mente
é, para qual dos lados a sociedade se tornará? E você, para qual dos
lados você está voltado neste Natal?
O evangelista
João nos diz qual é o verdadeiro tema ou ênfase do Natal: “Deus amou o
mundo” - E aqui, temos dois problemas básicos sobre os quais gostaria de
chamar a sua atenção.
O primeiro
problema é Deus. Sim, Deus é um problema que o mundo e a ciência não
consegue resolver, ou melhor, responder, e também porque o mundo não
aceita a perspectiva teológica e da filosofia da religião sobre o
assunto. O mundo optou por excluir Deus, negar a sua existência e
assassiná-lo. Mas a verdade é que por mais que queiram nunca conseguirão
se ver livre de Deus. O grande filósofo do Séc. XVII, René Descartes,
autor da celebre frase: “Ego cogito, ergo sum.”; “Je pense, donc je
suis.”; “Eu penso, logo existo.” Explica em sua introdução a filosofia
que da mesma forma que pensamos em nossa existência, e temos a nocão de
que a vida é real, e o fato de pensarmos em nosso filho ou no nosso
cônjuge é prova de que estas pessoas de fato existem, semelhantemente,
quando pensamos em Deus, devemos considerar a realidade da sua
existência, da existência de um Ser Absoluto. A menos que este
pensamento tenha sido incutido em nós pela cultura, no entanto o que
observamos é que o pensamento da existência divina e de um Ser Absoluto é
supra-cultural, e que mesmo entre aqueles povos mais isolados o
pensamento de um ser superior é presente, portanto, a crença em Deus não
é um produto da religião, mas uma consequência da existência humana.
René Descartes diz mais: “Com efeito, não devemos achar estranho que
haja na sua natureza (de Deus), que é imensa, e naquilo que fez, muitas
coisas que ultrapassam a capacidade do nosso espírito.”[1] O simples
fato de não compreender a existência de Deus e de não analisá-lo em
laboratório não anula a realidade da veracidade deste Ser Absoluto.
Na teologia, a
existência e a realidade da pessoa de Deus é algo claro e resolvido. O
cronista, psiquiatra e filósofo Rubem Alves escreveu em seu livro
Teologia do Cotidiano:
“De vez em quando
alguém me pergunta se eu acredito em Deus. E eu fico mudo, sem dar
resposta, porque qualquer resposta que desse seria mal entendida. O
problema está nesse verbo simples, cujo sentido todo mundo pensa
entender: acreditar… É preciso, de uma vez por todas, compreender que
acreditar em Deus não vale um tostão furado. Não, não fiquem bravos
comigo. Fiquem bravos com o apóstolo Tiago, que deixou escrito em sua
epístola sagrada: Tu acreditas que há um Deus. Fazes muito bem. Os
demônios também acreditam. E estremecem ao ouvir o Seu nome... (Tiago
2,19). Em resumo, o apóstolo está dizendo que os demônios estão melhor
do que nós porque, além de acreditar, estremecem... Você estremece ao
ouvir o nome de Deus? Duvido. Se estremecesse, não o repetiria tanto,
por medo de contrair malária...
E assim, me
atrevendo a usar a ontologia de Riobaldo, eu posso dizer que Deus tem de
existir. Tem Beleza demais no universo, e Beleza não pode ser perdida. E
Deus é esse Vazio sem fim, gamela infinita, que pelo universo vai
colhendo e ajuntando toda a Beleza que há, garantindo que nada se
perderá, dizendo que tudo o que se amou e se perdeu haverá de voltar, se
repetirá de novo. Deus existe para tranquilizar a saudade.”[2]
Todas as teorias
evolucionistas se deparam com uma realidade para a qual não possuem
resposta, preferem simplesmente negar ou silenciar a voz da consciência,
o que é anti-filosófico e anti-científico. Quando a evolução diz que o
universo teve seu início. A pergunta que nos resta é qual foi este ponto
de partida? O que iniciou, uma vez que nada se inicia sozinho? Mesmo
que automaticamente, deve haver sempre uma mente por trás que diz quando
e como se dará este início. Não estou contudo concordando com a teoria
evolucionista, apenas me referindo a ela como uma possibilidade teórica
defendida por muitos.
É justamente
neste ponto inicial que o evangelista João principia o seu evangelho bem
semelhante a forma como a Septuaginta inicia o Genesis 1. João diz: “Ἐν
ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.”[2]
(No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra
era Deus). Em Genesis 1.1 lemos: ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ
τὴν γῆν[4] (No princípio, Deus criou os céus e a terra). Tanto Moisés
como João apontam para Deus como o principiador de todas as coisas. É
importante observar que a crença em Deus e no seu ato criador não é uma
utopia ou fanatismo de alguns grupos religiosos. Deus na verdade está no
centro da ciência e da filosofia, tanto como desafio, bem como
resposta. As mais significantes descobertas científicas foram realizadas
por teístas e os mais influentes filósofos também foram teístas.
É possível
afirmar com toda convicção: “Em Deus se iniciam todas as coisas”. Rubem
Alves continua: “…Deus é assim mesmo: um grande, enorme Vazio, que
contém toda a Beleza do universo.”[5] E para concluir este ponto citamos
o poeta Valéry: “Que seria de nós sem o socorro daquilo que não
existe?”
O segundo
problema a resolver é o problema do amor de Deus. Há três formas de
compreender o amor de Deus, duas erradas e uma correta, e concluirei com
esta breve explicação:
A primeira forma
errada de pensar sobre o amor de Deus é pensar que seu amor é leviano,
ou seja fútil, simplista. Seria pensar que Deus é um ser namoradeiro,
que ama de qualquer maneira e em qualquer lugar. Na verdade toda a saga
que se dá em Oséias é uma resposta de Deus aos que tentam viver uma
relação leviana com ele. Veja o que Oséias diz sobre a sua esposa que
vivia levianamente: “Portanto, eis que cercarei o seu caminho com
espinhos; e levantarei um muro contra ela, para que ela não ache as suas
veredas.” (Os 2:6). Na realidade Oséias é uma tipologia de Deus e a sua
esposa uma tipologia do povo de Deus. O Apóstolo Paulo adverte a
igreja para lidar com aqueles que vivem levianamente de forma dura:
“Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro- me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.” (1 Co 5:9:13).
Uma
característica fundamental do amor de Deus é que ele não é leviano e a
igreja não pode permitir em seu meio que pessoas vivam desta forma.
A segunda forma
errada é aquela que simplesmente não consegue aceitar ser amada por
Deus. E então vive-se de maneira avessa a este amor. Há uma dúvida
constante sobre o amor e a aceitação de Deus. E a religião é a mãe deste
pensamento e sentimento, que vem sempre carregado de culpa que nos faz
nos sentimos indignos de ser amados e aceitos. Quando nos sentimos
amados tudo na vida nos parece fácil, mas quando nós sentimos rejeitados
e sozinhos, a angústia invade nosso coração. Mas não precisamos viver
na angústia, pois João diz que Deus nos ama e nos aceita, e deu o que de
melhor possuía para que conhecêssemos o seu amor. Veja o brilho do sol,
os pássaros que cantam e as estrelas que brilham a noite. Você também
faz parte deste universo maravilhoso e perfeito. Deus olha para você
mais maravilhado do que você quando olha para o sol, a lua ou as
estrelas. Você é único no universo com suas características, portanto,
especial para Deus.
A terceira forma,
e agora correta, é aceitar este amor imenso, incompreensível e inefável
de Deus. Na jornada da vida, um recomeço é sempre possível, se seguimos
os padrões de Deus e de seu amor por nós. Nós humanos iniciamos nossa
jornada na terra como uma pequena semente que cresce, frutifica,
envelhece e desaparece. Este é o ciclo da vida que envolve a todos nós!
Pessoas que estavam no Natal passado conosco já não estão mais este
anos. E no ano que vem, pode ser que outros, ou nós mesmos, já tenhamos
cumprido o nosso ciclo na vida. Esta realidade deveria nos abalar ao
extremo, e nos fazer desejar o bem do outro, em amar mais, em cuidar
mais. em ser mais sinceros, pois todo ser humano é uma mistura de luz e
trevas, confiança e medo, amor e ódio. E por isto carecemos tanto de
Deste amor de Deus.
A minha oração é
que cada um de vocês que lerem este texto sejam cheios deste amor e que
estes dias de festas sejam memoráveis, focados no lado certo daquilo que
é o verdadeiro sentido do Natal: “Deus amou!”
Luis A R Branco é colaborador do Genizah
[1] DESCARTES, René. Os Princípios da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores, 1998, página 70.
[2] ALVES, Rubem. Teologia do Cotidiano. São Paulo: Olho Dágua, 1994, páginas 77-80.
[3] Holmes, M.W., 2010. The Greek New Testament: SBL Edition, Lexham Press.
[4] LXX.
[5] Idem, página 80.
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