segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

DEUS AMOU




O evangelista João, também considerado por muitos como o “apóstolo do amor” logo no início do evangelho que leva o seu nome, escreveu: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:16 BKJ). Alguns atrevem-se a dizer que este pequeno verso resume toda a Escritura, não sei se concordo plenamente com esta afirmação, mas de fato este é sem dúvida um dos versos mais significativos da Escritura onde o homem pode conhecer o plano da redenção.

Estamos em pleno período de Natal e aqui ao lado da minha casa há um grande shopping center e logo na sua entrada montaram algo que descreve perfeitamente o espírito destes dias. De um lado montaram um lindo presépio com bonequinhos que mexem-se de verdade, animais que movem-se, água que jorra da fonte, e lá ao fundo estão Maria, José e Jesus. Na verdade o presépio é uma bela obra de arte e merece a atenção dos que por ali passam. E do outro lado, colado ao presépio está o trono do Papai Noel, com alguns duendes e umas moças de vestido vermelho curto e que não sei onde encaixar nesta imagem mitológica natalina, são jovens demais para serem Mamãe Noel, portanto, se alguém souber, me explique por favor. Há também uma enorme fila de crianças para tirarem fotografias e falarem com o bom velhinho. De um lado a história mais marcante da humanidade representada por miniaturas fantásticas feitas com todo o cuidado, e do outro a fila daqueles que só conseguem ver o natal como uma oportunidade para consumir.

O que é o Natal? Será um feriado nacional? Será um dia para uma boa reunião familiar? Será uma ocasião para troca de presentes? Bem, nós sabemos que tudo isto acontece no Natal, mas na verdade o Natal é sobre um tema meio esquecido e colocado de lado em nossa sociedade. O Natal se tornou ambíguo, tal como no monumento que temos no shopping, de um lado o presépio e do outro o Papai Noel. E a pergunta que me vem a minha mente é, para qual dos lados a sociedade se tornará? E você, para qual dos lados você está voltado neste Natal?

O evangelista João nos diz qual é o verdadeiro tema ou ênfase do Natal: “Deus amou o mundo” - E aqui, temos dois problemas básicos sobre os quais gostaria de chamar a sua atenção.

O primeiro problema é Deus. Sim, Deus é um problema que o mundo e a ciência não consegue resolver, ou melhor, responder, e também porque o mundo não aceita a perspectiva teológica e da filosofia da religião sobre o assunto. O mundo optou por excluir Deus, negar a sua existência e assassiná-lo. Mas a verdade é que por mais que queiram nunca conseguirão se ver livre de Deus. O grande filósofo do Séc. XVII, René Descartes, autor da celebre frase: “Ego cogito, ergo sum.”; “Je pense, donc je suis.”; “Eu penso, logo existo.” Explica em sua introdução a filosofia que da mesma forma que pensamos em nossa existência, e temos a nocão de que a vida é real, e o fato de pensarmos em nosso filho ou no nosso cônjuge é prova de que estas pessoas de fato existem, semelhantemente, quando pensamos em Deus, devemos considerar a realidade da sua existência, da existência de um Ser Absoluto. A menos que este pensamento tenha sido incutido em nós pela cultura, no entanto o que observamos é que o pensamento da existência divina e de um Ser Absoluto é supra-cultural, e que mesmo entre aqueles povos mais isolados o pensamento de um ser superior é presente, portanto, a crença em Deus não é um produto da religião, mas uma consequência da existência humana. René Descartes diz mais: “Com efeito, não devemos achar estranho que haja na sua natureza (de Deus), que é imensa, e naquilo que fez, muitas coisas que ultrapassam a capacidade do nosso espírito.”[1] O simples fato de não compreender a existência de Deus e de não analisá-lo em laboratório não anula a realidade da veracidade deste Ser Absoluto.

Na teologia, a existência e a realidade da pessoa de Deus é algo claro e resolvido. O cronista, psiquiatra e filósofo Rubem Alves escreveu em seu livro Teologia do Cotidiano:

“De vez em quando alguém me pergunta se eu acredito em Deus. E eu fico mudo, sem dar resposta, porque qualquer resposta que desse seria mal entendida. O problema está nesse verbo simples, cujo sentido todo mundo pensa entender: acreditar… É preciso, de uma vez por todas, compreender que acreditar em Deus não vale um tostão furado. Não, não fiquem bravos comigo. Fiquem bravos com o apóstolo Tiago, que deixou escrito em sua epístola sagrada: Tu acreditas que há um Deus. Fazes muito bem. Os demônios também acreditam. E estremecem ao ouvir o Seu nome... (Tiago 2,19). Em resumo, o apóstolo está dizendo que os demônios estão melhor do que nós porque, além de acreditar, estremecem... Você estremece ao ouvir o nome de Deus? Duvido. Se estremecesse, não o repetiria tanto, por medo de contrair malária...

E assim, me atrevendo a usar a ontologia de Riobaldo, eu posso dizer que Deus tem de existir. Tem Beleza demais no universo, e Beleza não pode ser perdida. E Deus é esse Vazio sem fim, gamela infinita, que pelo universo vai colhendo e ajuntando toda a Beleza que há, garantindo que nada se perderá, dizendo que tudo o que se amou e se perdeu haverá de voltar, se repetirá de novo. Deus existe para tranquilizar a saudade.”[2]

Todas as teorias evolucionistas se deparam com uma realidade para a qual não possuem resposta, preferem simplesmente negar ou silenciar a voz da consciência, o que é anti-filosófico e anti-científico. Quando a evolução diz que o universo teve seu início. A pergunta que nos resta é qual foi este ponto de partida? O que iniciou, uma vez que nada se inicia sozinho? Mesmo que automaticamente, deve haver sempre uma mente por trás que diz quando e como se dará este início. Não estou contudo concordando com a teoria evolucionista, apenas me referindo a ela como uma possibilidade teórica defendida por muitos.

É justamente neste ponto inicial que o evangelista João principia o seu evangelho bem semelhante a forma como a Septuaginta inicia o Genesis 1. João diz: “Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.”[2] (No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus). Em Genesis 1.1 lemos: ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν[4] (No princípio, Deus criou os céus e a terra). Tanto Moisés como João apontam para Deus como o principiador de todas as coisas. É importante observar que a crença em Deus e no seu ato criador não é uma utopia ou fanatismo de alguns grupos religiosos. Deus na verdade está no centro da ciência e da filosofia, tanto como desafio, bem como resposta. As mais significantes descobertas científicas foram realizadas por teístas e os mais influentes filósofos também foram teístas.

É possível afirmar com toda convicção: “Em Deus se iniciam todas as coisas”. Rubem Alves continua: “…Deus é assim mesmo: um grande, enorme Vazio, que contém toda a Beleza do universo.”[5] E para concluir este ponto citamos o poeta Valéry: “Que seria de nós sem o socorro daquilo que não existe?”

O segundo problema a resolver é o problema do amor de Deus. Há três formas de compreender o amor de Deus, duas erradas e uma correta, e concluirei com esta breve explicação:

A primeira forma errada de pensar sobre o amor de Deus é pensar que seu amor é leviano, ou seja fútil, simplista. Seria pensar que Deus é um ser namoradeiro, que ama de qualquer maneira e em qualquer lugar. Na verdade toda a saga que se dá em Oséias é uma resposta de Deus aos que tentam viver uma relação leviana com ele. Veja o que Oséias diz sobre a sua esposa que vivia levianamente: “Portanto, eis que cercarei o seu caminho com espinhos; e levantarei um muro contra ela, para que ela não ache as suas veredas.” (Os 2:6). Na realidade Oséias é uma tipologia de Deus e a sua esposa uma tipologia do povo de Deus. O Apóstolo Paulo adverte a igreja para lidar com aqueles que vivem levianamente de forma dura:
“Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro- me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.” (1 Co 5:9:13).

Uma característica fundamental do amor de Deus é que ele não é leviano e a igreja não pode permitir em seu meio que pessoas vivam desta forma.

A segunda forma errada é aquela que simplesmente não consegue aceitar ser amada por Deus. E então vive-se de maneira avessa a este amor. Há uma dúvida constante sobre o amor e a aceitação de Deus. E a religião é a mãe deste pensamento e sentimento, que vem sempre carregado de culpa que nos faz nos sentimos indignos de ser amados e aceitos. Quando nos sentimos amados tudo na vida nos parece fácil, mas quando nós sentimos rejeitados e sozinhos, a angústia invade nosso coração. Mas não precisamos viver na angústia, pois João diz que Deus nos ama e nos aceita, e deu o que de melhor possuía para que conhecêssemos o seu amor. Veja o brilho do sol, os pássaros que cantam e as estrelas que brilham a noite. Você também faz parte deste universo maravilhoso e perfeito. Deus olha para você mais maravilhado do que você quando olha para o sol, a lua ou as estrelas. Você é único no universo com suas características, portanto, especial para Deus.

A terceira forma, e agora correta, é aceitar este amor imenso, incompreensível e inefável de Deus. Na jornada da vida, um recomeço é sempre possível, se seguimos os padrões de Deus e de seu amor por nós. Nós humanos iniciamos nossa jornada na terra como uma pequena semente que cresce, frutifica, envelhece e desaparece. Este é o ciclo da vida que envolve a todos nós! Pessoas que estavam no Natal passado conosco já não estão mais este anos. E no ano que vem, pode ser que outros, ou nós mesmos, já tenhamos cumprido o nosso ciclo na vida. Esta realidade deveria nos abalar ao extremo, e nos fazer desejar o bem do outro, em amar mais, em cuidar mais. em ser mais sinceros, pois todo ser humano é uma mistura de luz e trevas, confiança e medo, amor e ódio. E por isto carecemos tanto de Deste amor de Deus.

A minha oração é que cada um de vocês que lerem este texto sejam cheios deste amor e que estes dias de festas sejam memoráveis, focados no lado certo daquilo que é o verdadeiro sentido do Natal: “Deus amou!”


Luis A R Branco é colaborador do Genizah


[1] DESCARTES, René. Os Princípios da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores, 1998, página 70.
[2] ALVES, Rubem. Teologia do Cotidiano. São Paulo: Olho Dágua, 1994, páginas 77-80.
[3] Holmes, M.W., 2010. The Greek New Testament: SBL Edition, Lexham Press.
[4] LXX.
[5] Idem, página 80.

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