sexta-feira, 27 de novembro de 2020

LIÇÃO 9: JÓ E A INESCRUTÁVEL SABEDORIA DE DEUS

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Nesta lição veremos uma das mais belas exposições bíblicas sobre a sabedoria. O capítulo 28 foi propositadamente colocado pelo autor para delimitar o fim dos longos discursos dos amigos do homem de Uz. O seu propósito é contrastar a sabedoria meramente humana com a sabedoria revelada, que é de origem divina. Assim, temos o objetivo de declarar que somente Deus é a fonte da verdadeira sabedoria. Essa divina sabedoria se manifesta na vida dos homens de forma prática através do temor do Senhor. – O livro de Jó pertence ao gênero literário sapiencial, e o seu capítulo 28 é todo dedicado a uma exposição sobre a verdadeira sabedoria. Alguns autores acreditam que esse capítulo não pertence aos discursos originais de Jó, e ainda outros acham que ele encontra-se fora de lugar. Todavia, essa teoria não parece razoável dentro do contexto de Jó. O mais natural é entender que Jó tenha recebido de Deus iluminação para fazer uma exposição tão bela e profunda sobre a sabedoria sob diferentes aspectos. É sobre esse assunto que vamos discorrer no estudo desta maravilhosa lição.

   I. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM NATURAL

1. O empenho na busca da sabedoria. Neste capítulo (28) Jó faz um contraste entre a busca do homem por minérios naturais e a sabedoria. Primeiramente, o patriarca descreve a habilidade do homem na exploração dos minérios naturais (vv.1-11). Então, ele contrasta o trabalho nas minas com a busca do homem pela sabedoria. Da mesma forma que desde os primórdios o homem usa diligentemente a tecnologia na busca de metais preciosos, assim também ele tem empreendido um grande esforço para encontrar a sabedoria. Para ser encontrado, primeiramente, o minério precisa ser garimpado; a sabedoria igualmente. O minério existe, mas está enterrado; a sabedoria existe, mas está oculta.

2. Como quem explora o minério, assim o homem faz com a sabedoria. No trabalho de mineração requer-se habilidade, diligência, persistência e muita técnica na execução; a busca da sabedoria também demanda tais características. As minas geralmente são locais de difícil acesso e de pouca iluminação, por isso, há a necessidade de se abrir caminho e colocar luz artificial (vv.3,4). Assim também ocorre no empreendimento do homem pela busca pela sabedoria, mas apesar de todo o esforço nessa procura, Jó crê que isso tem sido feito sem sucesso. 

3. De onde vem a sabedoria? Jó demonstra que o homem tem sido exitoso no seu trabalho junto às minas, todavia, incapacitado na “escavação da sabedoria”. Tem procurado, mas não tem encontrado. O homem descrito por Jó é capaz de desviar o curso das águas, a fim de evitar a inundação das minas (v.12), mas não é capaz encontrar a sabedoria. A sabedoria dos sábios e da academia estava disponível para ser alcançada. Todavia, a sabedoria retratada por Jó não era fruto da tradição nem podia ser obtida pelo método acadêmico. Embora os metais preciosos pudessem ser encontrados na terra escavada, a verdadeira sabedoria não podia ser obtida pelo simples esforço humano. Isso justificava o conflito que havia entre a teoria teológica dos amigos de Jó e a vivência concreta do patriarca. Portanto, a verdadeira sabedoria não era propriedade dos sábios, mas uma dádiva de Deus. Tiago nos lembra de que “se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em rosto; e ser-lhe-á dada” (1.5). – O tema desse poema grandioso, uma das grandes obras de arte poéticas do livro, é que a sabedoria é inalcançável pelo homem. Por “sabedoria” não se entende o tipo de sabedoria prática inculcada pelo livro de Provérbios, mas a sabedoria como compreensão total e completa do mundo e de sua ordem. Esse uso do termo “sabedoria” seria muito compreensível ao autor de Eclesiastes, que ressalta que “ele [o homem] não consegue compreender inteiramente o que Deus fez” (Ec 3.11; cf. 8.17). Esse poema soaria um pouco estranho na boca de Jó, pois somente pela força de demorada argumentação de Deus (caps. 38-41) é que ele é conduzido a esse reconhecimento (cf. 42.3); mais importante, contudo, do que a pergunta de qual personagem no diálogo vem essa declaração é o destaque dado ao grande abismo entre a sabedoria humana e a divina. – O poeta não está interessado em denegrir a sabedoria humana para engrandecer a sabedoria de Deus. O seu poema começa como um cântico de elogio da engenhosidade humana (v. 1-11) e só depois prossegue afirmando que mesmo assim a verdadeira sabedoria escapa à sua com preensão e é conhecida somente por Deus (v. 12-27); ao homem é dado conhecer não a “sabedoria”, mas a lei de Deus: para o homem, a sabedoria está no temor do Senhor (v. 28). (a) A sabedoria do homem (28.1-11). O poeta escolhe som ente um exemplo de sabedoria humana: a capacidade do homem de fundir o minério extraído da terra (v. 2). Essa é uma ilustração particularmente adequada da sabedoria humana, pois inclui o tema da busca por aquilo que é precioso. O hebraico do poema é bastante obscuro, em parte porque muito pouco se conhece das tecnologias antigas de mineração. Todas as versões precisam usar um pouco de imaginação para fazer sentido dos detalhes, mas o retrato geral apresentado pelas versões modernas está claro. Em primeiro lugar, são registrados quatro metais que o homem extrai na mineração. No v. 3, parece haver uma referência a lâmpadas usadas debaixo da terra. O v. 4 destaca o perigo e a solidão em que se trabalha nessa indústria e descreve de forma pitoresca o minerador na hora de descer no poço da mina: ele se pendura e balança. Esse negócio da mineração é um processo paradoxal: na superfície, continuam os processos pacíficos da agricultura, enquanto abaixo disso talvez tenha de haver a remoção violenta de obstáculos para se chegar ao metal (v. 5). A engenhosidade humana criou no subsolo da terra um caminho desconhecido para aves e animais da terra (v. 7,8). Ao contrário dos animais, o homem é o dominador da terra (v. 11); ele tem capacidade para atacar as encostas das colinas; ele “desarraiga as montanhas pela raiz” (v. 9, BJ). Os seus olhos são mais penetrantes do que os do falcão (v. 10; cf. v. 7), os seus caminhos, mais secretos e remotos do que os do leão (v. 10; cf. v. 8). (b) Mas onde se poderá achar a sabedoria? (28.12-28). Evidentemente a “sabedoria” que não pode ser encontrada pelo exame e pela busca é algo diferente da sabedoria tecnológica do homem. O poeta não nos conta abertamente o que ele quer dizer, mas permite que se forme um clímax que mostra de forma crescente a impossibilidade de se obter essa sabedoria. Não se conhece o seu lugar (v. 12), tampouco o caminho para ela (v. 13); não pode ser avaliada em termos de ouro ou prata (v. 15-19). Nem o mundo sabe onde se pode encontrá-la (v. 14). Até mesmo os poderes sobrenaturais da Destruição (lit. Abadom, i.e., Sheol, o submundo) e da Morte só conhecem um leve rumor dela (v. 22). Mas Deus sabe tudo a respeito dela (v. 23), pois na verdade foi essa a sua sabedoria que ele usou para estabelecer a criação (v. 24-27). E inacessível ao homem esse conhecimento sobrenatural do Universo e o seu propósito e as leis que o regem; o que foi dado a conhecer ao homem, no entanto, é um outro tipo de sabedoria: uma sabedoria mais manejável e praticável, uma sabedoria que consiste no fazer: no temor do Senhor e em evitar o mal (v. 28) está a sabedoria para o homem. Esse poema pode muito bem subsistir sozinho, mas, deve ser lido como resposta final e conclusiva de Zofar a Jó, o seu significado está em rejeitar a reivindicação de Jó ao completo conhecimento dos caminhos do Todo-poderoso (27.11) e preceituar para Jó não a busca pela sabedoria, mas o esforço de buscar a retidão como objetivo em si.

SUBSÍDIO DIDÁTICO -PEDAGÓGICO

Comece a aula de hoje indagando aos alunos sobre o conceito de sabedoria. Ao mesmo tempo que você ouve as respostas, perceba como é comum muitos confundirem sabedoria com capacidade intelectual. Após ouvi-los, explique que, embora uma pessoa sábia possa apresentar uma grande capacidade intelectual, a sabedoria não está associada diretamente a tal capacidade. Procure deixar isso bem claro para os alunos. E, como veremos nesta lição, afirme que a sabedoria divina está intimamente ligada ao “temor do Senhor” na vida do crente.

  II. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM COMERCIAL

1. O preço da sabedoria. Podemos ver um paralelo entre a sabedoria exposta por Jó neste capítulo (vv.12-19) com a descrita no livro de Provérbios. Esse livro, por exemplo, contém várias exortações para se adquirir a sabedoria. Todavia, há uma diferença entre o que Jó ensina e o que Salomão ensinou sobre a sabedoria em Provérbios. Em Salomão, a sabedoria tem um custo e pode ser encontrada, se buscada com diligência e entendimento. Ela tem seu preço e pode ser passada de pai para filho (Pv 4.5,7,23). Por outro lado, para Jó a sabedoria está em outro patamar. Ela tem valor, mas não preço. Como bem destacam estudiosos, a sabedoria em Jó é incomparável, não se pode comprar ou trocar com todos os outros tesouros. É patrimônio exclusivo de Deus; não é possessão dos mestres, por isso, não pode ser transmitida (cf. Tg 1.5). Aqui, Jó fala de sabedoria e inteligência, de conhecer e desfrutar de Deus e de nós mesmos. Seu valor é infinitamente superior a todas as riquezas deste mundo. É uma dádiva do Espírito Santo que não pode ser comprada com dinheiro. Que seja mais precioso aos nossos olhos o mesmo que o é aos olhos de Deus. Jó pede como quem deseja encontrá-la, e sente-se como desesperado pela ideia de pensar em encontrá-la em outra parte que não seja em Deus, e de forma que não seja pela revelação divina. – Observemos que nos primeiros capítulos, Jó aparece como um homem feliz e extremamente piedoso, levando a sério as questões relacionadas à vida religiosa. Todavia num segundo momento, Jó aparece de forma questionadora, não conformado com os infortúnios, quando, por exemplo, uma tempestade varre a sua casa e família. O Jó paciente cede o seu lugar para o Jó inquieto. Uma das belezas do livro de Jó está exatamente na narrativa dos fatos sem a tentativa de mascarar as agruras pelas quais o velho patriarca passa. Aqui, Jó discute com Deus e demonstra o seu ressentimento diante da aparente injustiça que estava sofrendo. – É necessário fazer um contraste entre Jó e Eclesiastes. Por um lado, Jó levanta a voz contra toda explicação teológica que é simples demais para explicar as contradições da vida. Por outro lado, o livro de Eclesiastes faz análise filosófica sobre o lado sombrio da vida que acontece “debaixo do sol”. Nesse aspecto, o Eclesiastes (Pregador) é um bom observador e um crítico radical da vida. Uma palavra-chave que ajuda a entender a mensagem de Eclesiastes está na compreensão do sentido de hebel, que, comumente traduzida por “fumaça, vapor”, mantém o sentido de “vaidade”. No Eclesiastes, hebel é usada nos contextos da riqueza, trabalho, prazer e conhecimento. O Pregador (Eclesiastes) não pode ser visto como um observador frívolo otimista, pois a sua visão da vida mostra a realidade nua e crua como se apresenta a existência humana. É nisso que ele é parecido com Jó.        

2. O valor da sabedoria. Sobre o valor da sabedoria vale a pena recordar o que disse certo pregador londrino: “A sabedoria é o uso correto do conhecimento. Conhecer não é ser sábio. Muitos homens têm extensos conhecimentos e, justamente por isso, são os mais tolos. Não há tolo maior do que o tolo instruído. Mas saber como usar o conhecimento é ter sabedoria”. Assim, em Jó, vemos que o homem ainda não aprendeu o verdadeiro preço da sabedoria nem onde encontrá-la (Jó 28.13) e que, por isso, acredita ser fácil adquiri-la. – A exposição de Jó sobre a sabedoria deve ser entendida a partir do seu contexto imediato. Nos capítulos precedentes, Jó travou um longo debate com os seus três amigos Elifaz, Bildade e Zofar. Esse ciclo de debates terminou. O discurso proferido sobre a sabedoria introduz uma pausa no texto prenunciado o que viria a seguir: outra série de discursos que serão proferidos por Eliú. Devemos lembrar que os amigos de Jó fizeram uma defesa apaixonada sobre a sabedoria, ao mesmo tempo em que acusavam Jó de não possuir. Novamente, Jó porá a sabedoria no centro da discussão. E por que ele fará isso? Porque os seus amigos alegaram que eram sábios e que com eles estava o entendimento; todavia, foram incapazes de dar respostas sábias e satisfatórias às questões levantadas por Jó, que chegou à conclusão de que, sem dúvida, havia uma sabedoria, mas, com toda certeza, ela não se encontrava com os seus amigos. O que se vê no capítulo 28 é o argumento do patriarca apresentando a sabedoria sob três dimensões – natural, comercial e espiritual – demonstrando por que os homens não a haviam encontrado. – desta forma é visto que a sabedoria visto no contexto do Antigo Testamento é mais prático do que teórico. Em muitos textos do Antigo Testamento, é revelado que o Senhor Deus é a fonte dessa sabedoria.

3. A sabedoria não é um bem comercial. O patriarca não nega que a sabedoria exista ou que ela pode ser encontrada, mas o que ele diz é que a sabedoria não é um bem comercial. Ela não pode ser encontrada em toda parte, nem mesmo nas mais poderosas forças da natureza primitiva – o abismo (hb. tehon) e o mar (hb. yam). A sabedoria é de valor inestimável e só quem pode concedê-la é Deus. – Tendo gastado todo o seu esforço e usado todas as técnicas disponíveis, mesmo assim o homem demonstrou-se incapaz de encontrar a sabedoria. Ele valeu-se de meios naturais nessa busca. A sabedoria a qual se refere Jó demonstra ser bem diferente daquela conhecida pelos seus amigos, que diziam que a sabedoria era um bem herdado que passava de pai para filho. Era, portanto, um bem que poderia ser encontrado. Por outro lado, Jó mostra que a sabedoria da qual está falando é de natureza diferente, não podendo ser herdada ou passada de pai para filho. Não é, portanto, um bem simplesmente cultural. Mas onde se pode encontrá-la? É exatamente isso que ele mostrará: “Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar da inteligência” (28.12). Como ficou demonstrado, no entendimento de Jó, a sabedoria não é um bem meramente cultural que poder ser encontrado por meios naturais. Haveria meios ou caminhos para ela ser adquirida? “O homem não lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes” (28.13). Ela não pode ser encontrada na “terra dos viventes”, não está no mar e nem tampouco no “abismo”. Da perspectiva natural, não há nada que possa comprá-la: “Nem se pode comprar por ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira” (28.16). Onde, pois, está a sabedoria?  

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“A Excelência da Sabedoria – vv.14-19. Tendo falado sobre a riqueza do mundo, que os homens valorizam tanto, e que se esforçam tanto por obter, Jó aqui fala de outra joia mais valiosa, que é a sabedoria e o entendimento, conhecer e ter prazer, em Deus e em nós mesmos. Os que descobriam todos os caminhos e meios para enriquecer se julgam muito sábios; mas Jó não considera que tenham sabedoria. Ele supõe que eles conseguiram o seu objetivo, e trouxeram à luz aquilo que buscavam (v.11), mas pergunta: ‘Mas onde se achará a sabedoria?’ pois ela não está aqui. Este seu caminho é a sua loucura. Devemos, portanto, buscá-la em outro lugar; e ela não será encontrada em outra parte, senão nos princípios e nas práticas da religião. Há mais conhecimento verdadeiro, satisfação e felicidade na divindade genuína, que nos mostra o caminho para as alegrias do céu, do que na filosofia natural ou na matemática, e que podem nos ajudar a encontrar o caminho para as entranhas da terra” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.136).

  III. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM ESPIRITUAL

1. Uma verdade revelada. No versículo 20, Jó faz a importante pergunta: “De onde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?”. Anteriormente, Jó fez um contraste entre o trabalho de um minerador e o de quem procura a sabedoria. Nele, os homens, semelhante a um mineiro, têm garimpado à procura da sabedoria, mas, mesmo assim, não têm achado. Toda diligência, técnica e determinação não têm sido suficientes para que ele a encontre. A sabedoria não está no centro da terra, nem com os sábios, de forma que possa ser passada pela simples via da tradição. Ela está oculta. Todos os esforços humanos revelam-se inúteis na sua aquisição. A sabedoria está em Deus e somente Ele pode outorgá-la. Deus é a fonte da sabedoria e somente Ele pode revelá-la. 

2. Uma verdade prática. A sabedoria vem de Deus. Ela está em Deus e é Ele quem a revela. A sabedoria divina não é uma verdade a ser apenas contemplada, mas a ser vivida. Ela é prática. Jó diz que a sabedoria está no “temor do Senhor” (Jó 28.28). O temor do Senhor aproxima o homem de Deus e o afasta do mal. A sabedoria, portanto, é relacional. Esse foi um testemunho que o próprio Deus já havia dado sobre Jó. Ao contrário de seus amigos, ele vivia a sabedoria divina. Não apenas a sabedoria contemplativa, tradicional, transmitida pela tradição. A sua sabedoria era uma verdade revelada, por isso, convertia-se em ação prática e relacionamento duradouro. – A pergunta do versículo 12 é repetida no 20. Jó está caminhando para a conclusão do seu argumento. Jó está caminhando para a conclusão do seu argumento. Como ele mostra no primeiro ciclo de seu argumento (28.1-11), não é possível obter a sabedoria simplesmente a sabedoria pelo esforço humano, mesmo que os homens sejam dirigentes e aguerridos nesse projeto. Ela também não tem preço. Não é um bem comercial e, por isso, não pode ser comprada. Não tem preço, mas possui valor. Ela é um bem imaterial, na verdade espiritual. Não pode ser adquirida por meio da tradição, mas por revelação. Não é um produto humano, mas divino. "Mas disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência" – Existe uma sabedoria dobrada; uma oculta em Deus, que é secreta e não nos pertence; e outra que é dada a conhecer por Ele, a qual é revelada ao homem. Os sucessos de um dia, e os assuntos de um homem, estão relacionados entre si, e dependem um do outro, de modo que somente Ele, diante de quem tudo está patente e vê o todo de uma só vez, pode julgar retamente cada parte. Porém, o conhecimento da vontade revelada de Deus está ao nosso alcance, e nos faz bem. – Que o homem considere isto como sabedoria sua: Temer ao Senhor e afastar-se do mal. Que aprenda isto e terá aprendido bastante. Onde encontrar esta sabedoria? seus tesouros estão escondidos em Cristo, revelados pela Palavra, recebidos por fé através do Espírito santo. Não alimenta o orgulho, nem as atitudes e pensamentos vãos, nem entreterá a nossa vã curiosidade. Ensina aos pecadores, para que temam ao Senhor e se afastem do mal, no exercício do arrependimento e da fé, sem desejar a solução de todas as dificuldades acerca das situações da vida.

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Não podemos alcançar a verdadeira sabedoria, senão pela revelação divina. ‘O Senhor dá a sabedoria’ (Pv 2.6). Entretanto, ela não é encontrada nos segredos da natureza ou da providência, mas nas regras para o nosso próprio proceder. Ao homem, Ele não disse, ‘Suba ao céu, para encontrar ali a felicidade’, nem ‘Desça às profundezas, para encontrá-la ali’. Não, a ‘palavra está mui perto de ti’ (Dt 30.14). Ele te mostrou, ó homem, não o que é grande, mas o que é bom; não o que o Senhor teu Deus deseja fazer contigo, mas o que Ele pede de ti (Mq 6.8). ‘A vós, ó homens, clamo’ (Pv 8.4). Senhor, o que é o homem, para que seja assim visitado! Veja, perceba isto, aquele que tem ouvidos, que ouça o que o Deus do céu diz aos filhos dos homens: O temor do Senhor, isto é a sabedoria. Aqui temos: 1. A descrição da verdadeira religião, a religião pura e imaculada; é temer o Senhor e afastar-se do mal, o que está de acordo com a descrição que Deus faz de Jó (1.1). O temor do Senhor é a fonte e o resumo de toda a religião” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.138).

  CONCLUSÃO

Vimos que mesmo com empenho na busca da sabedoria, os resultados não são satisfatórios. A sabedoria não é alcançada. A sabedoria é um bem valioso e caro; ela não tem apenas preço, mas, sobretudo, valor. Ela não pode ser comprada ou comercializada, nem mesmo pode ser herdada. Ela é uma verdade revelada. Somente Deus é a fonte legitima da sabedoria. Ela se materializa no temor do Senhor. Quem teme ao Senhor é um sábio. – Jó sustenta que as dispensações da providência são reguladas pela sabedoria suprema. Para confirmar isto, demonstra a grande quantidade de conhecimento e riqueza de que os homens podem se assenhorear. As cavernas da terra podem ser descobertas, mas não os conselhos do céu. Os que são preguiçosos quanto à religião devem observar os trabalhadores das minas, considerar os seus caminhos e serem sábios. Que a coragem e a diligência deles – em buscar riquezas que perecem – nos envergonhe por nossa preguiça e fraqueza de coração para labutar pelas autênticas riquezas. Quão melhor é adquirir a sabedoria que o ouro! Quão mais fácil e seguro! Porém, busca-se o ouro e despreza-se a graça. A esperança de coisas preciosas da terra, como as chamam os homens, ainda que sem valor e perecíveis, são um grande incentivo para o trabalho; e não será muito maior a perspectiva certa de coisas verdadeiramente preciosas no céu?

REFERÊNCIAS

BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamento - Jó. p. 750, São Paulo: Vida, 2009.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 43.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 9. Rio de Janeiro: CPAD, 29, nov. 2020.

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

LIÇÃO 8: A TEOLOGIA DE ZOFAR: o justo não passa por tribulação?

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Nesta lição veremos o discurso de Zofar, o último amigo de Jó a falar na série de debates (Jó 11; 20). Ele insistirá na tese de que o justo não passa por tribulação, à semelhança do que pensavam seus amigos Elifaz e Bildade. Todavia, Zofar é mais duro e impiedoso na acusação contra Jó. Ao contrário de seus amigos, ele faz dois discursos suficientes para derramar seu ressentimento contra o patriarca. Ele o acusa de se levantar contra sabedoria divina e aconselha Jó a voltar-se para Deus. – Zofar é o mais jovem e o último a falar. Dos três amigos de Jó ele é o mais impiedoso. Adam Clarke (2014, p. 15) diz que os seus discursos são avinagrados. A teologia desse amigo, portanto, é azeda e amarga. De fato, Zofar não poupa palavras duras e críticas ácidas ao combalido Jó. Para os Pais da Igreja, Zofar era um acusador falso e um homem cheio de ressentimentos. Ele demonstra-se incomodado porque acredita que os amigos não firam hábeis o suficiente para argumentar com Jó. em vez disso, ele acredita que a lábia de Jó fizera-os ficar calados. Ele, porém, não se convencera nem um pouco com toda a argumentação de Jó, então era ora dele destilar toda a sua sábia fúria sobre Jó.

   I. DEUS SE MOSTRA SÁBIO QUANDO AFLIGE O PECADOR

1. Deus grande e sábio. Zofar defende que o sofrimento de Jó fazia parte de um sábio julgamento divino, pois, para ele, Deus demonstra grande sabedoria em reprimir os maus. Por outro lado, os bons jamais passam por tribulação. Para Zofar, se alguém deve algo tem de pagar. Com dureza, o terceiro amigo de Jó não demonstra a mínima compaixão pelo sofrimento do patriarca de Uz ao acusá-lo de que se comporta como um animal irracional, um jumento que não tem entendimento (11.12) ao não perceber a sabedoria divina na condução das coisas.  Para Zofar, Jó valeu-se na sua defesa de palavras exageradas (11.2), desrespeitosas (11.3), cheias de justiça própria (11.4) e ignorantes sobre as coisas de Deus (11.5,6). 

2. Deus não é indiferente à ação do ímpio. O terceiro amigo de Jó acreditava que ele havia se autodeclarado “puro” e “sem culpa” (Jó 11.4; cf 9.21; 10.7). Cria também que Deus não é indiferente à ação do ímpio como Jó parecia ter sugerido. Assim, para Zofar, se Deus debatesse com Jó, como era desejo deste, então não haveria dúvidas de que Ele ficaria contra o patriarca e não ao seu favor. Nesse embate, Deus revelaria a Jó os segredos de sua sabedoria e o homem de Uz veria que Ele estava sendo sábio em tratá-lo como merecia. Logo, Jó seria condenado. – Zofar ataca Jó com muita veemência, apresentando-o como alguém apreciado ao falar, ainda que não possa dizer algo sobre o tema em discussão, e como quem mantém falsidades. Desejava que Deus mostrasse a Jó que a ele era infligido menos castigo do que o merecido. Estamos prontos com muita segurança para pedir a Deus que atue em nossas disputas, e para pensar que se tão-somente falasse, Ele estaria a nosso favor. Devemos deixar todas as disputas a critério do juízo de Deus, que é segundo a verdade; porém, nem sempre os que são mais inclinados a apelar à justiça divina são os que têm mais razão. – Zofar fala bem a respeito de Deus, sua grandeza e sua glória; e no tocante ao homem, fala o quão vãos e néscios costumam ser. Assim Deus vê ao homem vão: que se considera sábio ainda que nasça como um indomável filhote de jumento selvagem, não domesticável. O homem é uma criatura vã; vazia, esta é a qualificação correta. Não obstante é uma criatura orgulhosa que se engana a si mesma. Pensa que é sábio, ainda que não se submeta às leis da sabedoria. Ele seria sábio se seguisse a sabedoria proibida e, como os seus primeiros pais, tendendo a ser mais sábio do que aquilo que está escrito, perde a árvore da vida por causa da árvore do conhecimento. Uma criatura nesta condição é apta para contender com Deus?

3. Tolos se passando por sábios. Jó reage com ironia à “sabedoria” defendida anteriormente por seus amigos (“vós”, Jó 12.2) e agora por Zofar. Este, juntamente com seus amigos, havia se levantado como legítimo representante do verdadeiro saber. Zofar, pois, pretende representar o próprio Deus em seu discurso (Jó 13). Todavia, Jó está convencido de que isso não passava de charlatanismo: “Vós, porém, sois inventores de mentiras e vós todos, médicos que não valem nada” (Jó 13.4). Ele, portanto, está resoluto em deixar os amigos e ir à procura de Deus: “Mas eu falarei ao Todo-Poderoso; e quero defender-me perante Deus.” (Jó 13.3). O patriarca estava certo de que havia uma sabedoria do alto, que seus amigos desconheciam por completo, e, quando revelada, ficaria ao seu lado (cf. cap. 28). 

No lugar dos julgamentos dos homens, há uma sabedoria do alto que sonda os corações dos que são chamados pelo nome do Senhor, pois Este não vê como os homens veem (1 Sm 16.7). – Jó confronta seus amigos com a boa opinião que têm de sua própria sabedoria, comparada com a dele. somos bons em chamar de reprovações às repreensões, e para pensar que zombam de nós quando nos aconselham e admoestam; esta é a nossa maneira néscia de pensar; porém, aqui havia razão para esta acusação. Ele suspeitava que a verdadeira causa da conduta deles era que desprezavam ao que caía na pobreza. Este é o estilo do mundo. Mesmo o homem reto e justo é olhado com desdém se enfrentar uma dificuldade como esta.  – Jó apela aos seus feitos, os maiores ladrões, opressores, e ímpios costumam prosperar; porém, isto nunca ocorre por sorte ou azar; o Senhor é quem ordena estas coisas. A prosperidade terrena é de pouco valor diante de seus olhos. Ele tem coisas melhores para os seus filhos. Jó resolve tudo dentro dos limites da propriedade absoluta que Deus tem de todas as criaturas. Ele demanda de seus amigos a liberdade para julgar o que eles disseram; Ele apela a um juízo justo. – Jó fala evidentemente com um espírito muito irado contra seus amigos. Eles expuseram algumas verdades que quase eram aplicáveis a Jó; porém, o coração que não se humilha diante de Deus nunca recebe mansamente as censuras dos homens.

SUBSÍDIO DIDÁTICO -PEDAGÓGICO

Inicie a aula de hoje indagando aos alunos: Os bons não passam por tribulações? Só os maus sofrem? Deixe que eles respondam as perguntas livremente e os ouça com atenção. Perceba que as questões trazem consigo desconforto, pois elas nos afetam sinceramente.

A ideia com esse exercício é mostrar que, conforme exposto no tópico, muitos podem cometer as mesmas injustiças de Zofar se não atentar para o seguinte fato: a relação da soberania divina com a realidade humana nos escapa totalmente. Por isso, olhemos com mais carinho para o que se passa com o outro e, no lugar de julgá-lo precipitadamente, atentemos para resolver de que forma podemos ajudá-lo

  II. A CONVERSÃO COMO RESPOSTA A AFLIÇÃO

1. Purificação moral. Nos versículos 13-20 do capítulo 11, Zofar conclui seu discurso sobre a situação de Jó. Ele não tem dúvidas de que o patriarca está em pecado e, por isso, a única forma de ele se restabelecer é por meio de uma purificação moral. Zofar, portanto, conclama Jó ao arrependimento e conversão. Ele enumera três passos para que isso aconteça: conduta correta (v. 13); oração (v. 13) e renúncia ao pecado (11.14). Então, segundo Zofar, se Jó cumprisse essas condições, reconhecendo que estava em pecado, Deus o restauraria de sua miséria. Entretanto, a ideia de arrependimento de Zofar é mais de natureza externa do que interna. O que está em vista é uma teologia do moralismo salvífico em vez da graça divina. Nesse aspecto, o arrependimento não passava de um mero ritual. Na teologia de Zofar a simples prática desses ritos trazia consigo o poder de conferir o favor divino. Na verdade, isso era o que se conhece hoje como legalismo religioso.

2. É possível negociar com Deus? Estudiosos destacam que Zofar tenta induzir Jó a negociar com Deus a fim de se ver livre de suas dificuldades. Era exatamente isso que Satanás desejava que Jó fizesse (Jó 1.9). O Diabo acusou Jó de ter uma fé interesseira, com base nas promessas de prosperidade em troca de sua obediência. Se Jó tivesse seguido o conselho de Zofar, teria feito exatamente o que o Inimigo queria. – Zofar exorta a Jó a que se arrependa e lhe dá ânimo, ainda que misturados com pensamentos maus sobre Jó. Ele pensava que a prosperidade terrena sempre era a sorte do justo, e que Jó estava condenado a ser hipócrita, a menos que sua prosperidade fosse restaurada. "Então o teu rosto levantarás sem mácula", isto é, poderás ir diretamente ao trono da graça, e não com terror e o assombro expressos no cap. 9.34. Se formos vistos no rosto do Ungido, nossos rostos antes deprimidos poderão ser levantados; ainda que corruptos, agora lavados com o precioso sangue do Senhor Jesus Cristo, podem ser levantados sem manchas. Poderemos nos aproximar com plena segurança de fé, quando formos purificados da má consciência (Hb 10.22).

3. A angústia de Jó. Diante das insistentes acusações dos amigos e do silêncio de Deus, Jó dá sinais de desânimo (cap. 12 – 13). Ele manifesta de vez toda a sua condição humana. O justo sofre!

Se Jó seguisse o conselho de Zofar estaria assinando um termo de confissão. Assumindo algo que não havia feito. Ele sabia de sua integridade e, por isso, não se sujeita a esse capricho do amigo. Isso o lança num dilema angustiante. No capítulo 14, ele demonstra que sua esperança está desvanecendo, comparando-se a uma flor que é cortada, uma sombra que desaparece e um empregado que trabalha, mas que logo é dispensado. Qual o sentido da vida nessas circunstâncias? Haveria esperança? Jó parece estar desiludido. Até mesmo uma árvore quando tem seu tronco cortado volta a ter brotos novamente, mas isso não acontecia com o homem. Nesse aspecto, o homem se assemelhava mais a água que evapora ou que se infiltra na terra. Diante desse quadro, Jó se pergunta: “Morrendo o homem, porventura, tornará a viver?” (Jó 14.14). Era a pergunta de um homem crente e piedoso, porém, angustiado, que não tem medo de expressar sua verdadeira condição humana. – Jó declara que não necessita de que eles o ensinem. Os que discutem, procuram magnificar-se a si mesmos e inconvenientemente rebaixam os seus irmãos. Quando estamos a ponto de desfalecer ou perturbados com medo da ira, ou da força da tentação, ou do peso da aflição, devemos recorrer ao médico das nossas almas, que nunca rejeita a alguém, nunca dá uma receita errada e nunca deixa de curar um caso sequer. com Ele devemos falar a todo o momento. Para os corações quebrantados e as consciências feridas, todas as criaturas são médicos que nada valem sem Cristo. – Jó resolveu apegar-se ao testemunho que sua própria consciência lhe dava sobre sua retidão. Dependia de Deus quanto à sua justificação e salvação, as duas grandes coisas que esperamos alcançar através de Cristo. Pouco esperava a salvação temporal; porém, estava muito confiado de sua salvação eterna. Jó cria que Deus não somente seria seu Salvador para fazê-lo feliz, mas seria a sua salvação; e, ao desfrutar dEle, seria feliz. sabia que não era um hipócrita, e concluiu que não era justo ser reprovado. – Nós deveríamos estar bem contentes tendo Deus como nosso amigo, mesmo que às vezes Ele pareça estar contra nós. Devemos crer que Ele fará tudo para o nosso bem, ainda que tudo pareça também estar contra nós. Devemos nos apegar a Deus mesmo nos momentos em que aparentemente não possamos encontrar consolo nEle. Na hora da morte, devemos obter dEle consolo vivo, e isto é confiar nEle ainda que nos mate.   

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Exortação à humildade e ao arrependimento (11.13-20). Zofar foi insensível até aqui, a ponto de ser ríspido em seu tratamento com Jó. Mas ele não entregou os pontos em relação ao seu antigo amigo como se fosse um caso perdido. Ainda existe a oportunidade de Jó recuperar-se da sua terrível condição. Visto que ele está certo de que algum pecado cometido por Jó é a raiz da sua condição e que o sofrimento de Jó resulta desse pecado, a resposta é simples. Jó deveria estar aberto e humilhar-se em relação ao seu mau procedimento. Isso exige reparação, inclusive uma preparação apropriada do seu coração (13) para colocá-lo num relacionamento correto com Deus. Estende as tuas mãos para ele subentende súplica em oração para remover a iniquidade da sua vida e do seu lar (13-14). Quando isso for feito, Jó estará apto a levantar o seu rosto sem mácula (15). Sua vida será mais radiante e alegre do que antes. Todas as causas do medo serão removidas, e em seu lugar haverá segurança e esperança em sua vida (17-19). Zofar pede para ele olhar em volta. Muitos acariciarão o teu rosto (19) significa: ‘Muitos procurarão o seu favor’ (NVI)” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 50).

  III. DEUS JULGA E CASTIGA OS PECADORES

1. O castigo dos maus. O capítulo 20 contém o segundo discurso de Zofar. Nele, Zofar lembra a Jó que a aparente prosperidade dos ímpios não passa de ilusão e dura apenas um instante. Na verdade ele repete o que os seus outros amigos já há muito vinham dizendo (Jó 20.5). Os versículos 12 a 14 desse mesmo capítulo são usados por Zofar para comparar o deleite do ímpio à uma comida envenenada. Ela pode saciar, mas proporcionará uma digestão trágica (Jó 20.14). Dessa forma, tudo o que o ímpio adquiriu de forma desonesta e pecaminosa terá que devolver e restituir (Jó 20.18). Esse ímpio terá como adversário o próprio Deus, que o julgará e punirá (Jó 20.27-29). – O discurso de Zofar fala sobre a miséria garantida do ímpio. O triunfo do ímpio e o gozo do hipócrita são passageiros. Os prazeres e os ganhos do pecado trazem enfermidade e pesar, terminando em remorso, angústia e destruição. A piedade escondida é iniqüidade dobrada, e a destruição correspondente será concordante. – A condição desgraçada do ímpio neste mundo é aqui exposta detalhadamente. As luxúrias da carne são aqui chamadas de pecados da juventude; ocultá-las e guardá-las sob a língua refere-se a esconder a transgressão e deleitar-se nela. Porém, aqui Aquele que conhece o que há no coração sabe o que há debaixo da língua, e fará com que seja descoberto. O amor ao mundo e à sua riqueza também é maldade, e o homem coloca o coração nestas coisas. Além do mais, a violência e a injustiça são pecados que acarretam o juízo de Deus sobre famílias e nações. – Nunca uma doutrina foi melhor explicada, nem pior aplicada que esta, porque Zofar pretendia demonstrar que Jó era hipócrita. Recebamos a boa explicação e apliquemo-la de maneira ainda melhor como advertência para nós, para que permaneçamos reverentes, e não pequemos. O ponto de vista que alguém tem de Jesus, guiado pelo Espírito Santo e colocado adequadamente sobre a nossa alma, é algo que apagará milhares de argumentos carnais sobre os sofrimentos do crente.

2. Jó diante de um paradoxo. O capítulo 21 traz a resposta de Jó ao argumento de Zofar. Para o patriarca a tese de Zofar de que os ímpios são sempre punidos era contraditada pela experiência. Os ímpios poderiam sim ser punidos, mas isso nem sempre parecia acontecer, conforme descrito: “Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se esforçam em poder?” (Jó 21.7). Jó havia constatado que os ímpios pareciam gozar de longevidade e prosperidade (Jó 21.8). Além de terem vida longa, eles passavam seus dias em total regalia e morriam em total felicidade, como podemos constatar neste versículo: “Passam eles os seus dias em prosperidade e em paz descem à sepultura” (Jó 21.13 – ARA). – Jó aproxima-se do assunto em debate. A prosperidade exterior é uma marca da Igreja e de seus membros, de modo que a ruína da prosperidade de um homem demonstra que é um hipócrita? Eles asseguram isso; porém, Jó não concorda. Se olhassem corretamente para ele, teriam miséria suficiente para pedir compaixão, e suas ousadas interpretações desta providência misteriosa transformar-se-iam em veneração silenciosa. – Jó disse: "Às vezes, é permitido que caiam juízos notáveis sobre pecadores destacados; porém, nem sempre". Por que isto é assim? Este é o dia da paciência de Deus. De uma ou de outra maneira, Ele emprega a prosperidade do ímpio para servir aos seus próprios conselhos, enquanto os prepara para a destruição; porém, Ele deixará evidente que há outro mundo. Estes prósperos pecadores tomam a Deus e a religião descuidadamente, como se, por possuírem tanto neste mundo, não tivessem a necessidade de buscar o outro. Porém, a religião não é coisa vã. Se este for o nosso caso, podemos agradecer a nós mesmos por ficar fora dela. Jó mostra o quanto isso é néscio. - A desproporção entre o tempo e a eternidade é tão grande que, se o inferno fosse a sorte de todo o pecador, finalmente haveria pouca diferença se um fosse para lá cantando e outro suspirando. Se um ímpio morre em um palácio e outro em uma masmorra, para ambos serão o verme que não morre e o fogo que não se apaga. Assim, pois, não vale a pena confundir-se devido às diferenças deste mundo.

3. A verdade vem à tona. A lei da retribuição não se aplica a todas as esferas da existência humana nem explica os caminhos soberanos do Altíssimo, pois Deus também “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt 5.45). – Jó antecipa-se àquilo que tanto o salmista quanto Salomão questionaram: “Por que prosperam os ímpios?”. No livro de Eclesiastes, Salomão indagou: “Tudo isso vi nos dias da minha vaidade; há um justo que perece na sua justiça, e há um ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade” (Ec 7.15). Da mesma forma, o salmista sentia-se incomodado com a “prosperidade dos ímpios” (Sl 73.3). Só um tolo não enxergaria que essa é uma verdade evidente debaixo do sol. Jesus afirmou que Deus é bom para todos, pois faz que o seu sol se levante sobre bons e maus...

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Após sua grande declaração de fé em 19.25-27, Jó consegue alcançar um grau marcante de serenidade. Mesmo depois das conclusões mordazes do discurso de Zofar, ele não reage com o mesmo tipo de tensão emocional que caracterizam seus discursos anteriores. Neste capítulo ele começa a pensar mais claramente acerca das questões levantadas em vez de gastar suas energias em erupções emocionais que descrevem seu sofrimento e frustração. No ciclo de discursos, a preocupação de Jó era com o fato de sentir que Deus havia se tornado seu inimigo. Em seguida, ele foi esmagado ao perceber que seus amigos o desertaram, a ponto de se colocarem contra ele. Mas agora o discurso de Zofar faz com que Jó assuma uma posição positiva em relação aos argumentos dos seus amigos. Ele contradiz esses argumentos com evidência prática. Ele constata que prosperidade e retidão não andavam invariavelmente juntas. Também fica evidente pela observação da vida que a maldade nem sempre é castigada” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.64).

  CONCLUSÃO

Vimos como Jó continua sua defesa contra os argumentos de seus amigos, que insistem em acusá-lo de pecado. Ele está convencido de que é inocente e que não cometeu nada que justifique tamanho sofrimento. Os amigos de Jó, por desconhecerem as razões de seu sofrimento, o acusam de forma impiedosa; e patriarca, por desconhecer a ação de Deus nesse episódio, chega ao limite do desespero e desesperança. Todavia, como das outras vezes, mesmo angustiado e não sabendo como Deus permite tudo isso, Jó não diz palavras blasfematórias contra o seu Criador. – Jó roga que seus pecados lhe sejam revelados. Um penitente verdadeiro está disposto a conhecer o pior de si mesmo; todos devemos ter o desejo de conhecer quais são as nossas transgressões, para podermos confessá-las e nos resguardarmos contra elas no futuro. – Jó se queixa dolorosamente dos severos tratos de Deus para com ele. O tempo não apaga a culpa do pecado. Quando Deus escreve coisas amargas contra nós, o seu desígnio é nos fazer lembrar de pecados esquecidos e levar-nos ao arrependimento para nos livrar deles. Deus ensinou Jó a crer no Redentor vivo, a esperar a ressurreição dos mortos e a vida no mundo vindouro; e ele se consola com esta expectativa. Jó está seguro de que o Redentor dos pecadores, do jugo de Satanás e da condenação do pecado, é seu Redentor e espera a salvação através dEle; e que é um Redentor vivo, que ainda não se encarnara; que posteriormente se manifestará como o Juiz do mundo para levantar os mortos e completar a redenção de seu povo. Com quanto prazer o santo Jó desabafa a respeito deste assunto! Que as fiéis palavras sejam gravadas em nosso coração pelo Espírito Santo. Todos estamos preocupados por ver que a raiz está em nós. A raiz é o princípio de graça vivo, vivificante que atua no coração; tão necessário para a nossa fé, como a raiz da árvore, à qual deve a sua firmeza e o seu fruto. Jó e seus amigos diferem sobre os métodos da providência, mas concordam quanto à raiz, que é a fé no porvir.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 21-33.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 8. Rio de Janeiro: CPAD, 15, nov. 2020.

MESQUITA. Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. São Paulo: JUERP, 2013.

sábado, 14 de novembro de 2020

LIÇÃO 7: A TEOLOGIA DE BILDADE: se há sofrimento, há pecado oculto?

 

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Nesta aula, estudaremos sobre a teologia do segundo amigo de Jó, Bildade. Veremos que ela apresenta o caráter justo e reto de Deus em contraposição ao suposto pecado oculto de Jó. Estudaremos também a defesa de Bildade por uma moralidade rígida, fundamentada em meros preceitos religiosos, sem, contudo, guiar-se por princípios espirituais. E, finalmente, analisaremos a ideia de que, segundo Bildade, Deus é um ser muito distante e que, devido a sua onipotência e grandeza, está muito longe do mortal. Ele, portanto, é inacessível. Ao longo de cada argumento de Bildade, veremos a contraposição de Jó. – A teologia dos amigos de Jó, embora se movendo em eixos diferentes, demonstram possuir uma mesma direção. Todos defendem um tipo de justiça retributiva, que tem como consequência final a recompensa dos bons e o castigo dos maus. É por isso que, às vezes, o livro dá a impressão de ser muito repetitivo. Esse, porém, é um recurso que o autor utilizou para deixar em relevo aquilo que ele queria tratar. – O segundo amigo acusador, Bildade, ofereceu a sua sabedoria a Jó. Bildade, também absolutamente certo de que Jó havia pecado e que deveria arrepender-se, foi duro nas acusações que fez contra o servo de Deus. Bildade acusou Jó de defender a própria inocência com um monte de balela e argumentou que aquelas circunstâncias representavam o castigo de Deus para os seus pecados e os de sua família. – No Livro de Jó, temos três discursos de Bildade, nos quais ele realça a prosperidade como a evidência de uma vida aprovada por Deus. Eis por que, agora, despreza a Jó; neste, vê o sinal da ira divina. No drama do patriarca, cumpria-se o que disse Ovídio: “Enquanto o homem tem uma vida próspera, conta sempre com um numeroso grupo de amigos; tão logo a adversidade o visita, os pretensos amigos o abandonam.

   I. O PECADO EM CONTRASTE COM O CARÁTER JUSTO E SANTO DE DEUS

1. Deus é justo e reto. A teologia de Bildade (Jó 8.1-22) possui semelhanças com a de seu amigo, Elifaz. Para esse segundo amigo, as ações de Jó não poderiam ser justificadas, pois elas condenavam a Deus, revelando que Ele punia pessoas justas. Por outro lado, como Deus não era injusto, então, Jó deveria reconhecer o seu pecado, pois ele estava sendo terrivelmente afligido. Assim, a teologia de Bildade pode ser classificada em duas esferas: a dos maus e a dos bons. Por exemplo, Bildade assevera que os filhos de Jó foram mortos porque eram maus (8.4); por outro lado, como um homem que alegava ser justo e bom, Jó poderia desfrutar novamente do favor de Deus se reconhecesse o seu pecado (Jó 8.5). – Adam Clark (2014, p. 11) observa que há a suposição de que Bildade seria descendente de Suá, um dos filhos de Abraão com Quetura, e que morava na Arábia, denominada na Bíblia de “terra oriental” (Gn 25.1-2;6). – Bildade está incomodado com a fala de Jó. No seu entender, Jó, por estar sendo afligido, estaria acusando o Senhor de ser injusto. Ele acredita que Jó está sendo punido pelo pecado que cometeu e, por isso, está convencido de que os argumentos de Jó não passavam de palavras ao vento. Jó tentou de todas as maneiras evitar as acusações dessa natureza, mas as evidências levaram Bildade a essa conclusão porque ele não tinha conhecimento dos fatos celestiais. Bildade afirma a justiça de Deus, mas erra quando julga Jó de ser injusto e o chama ao arrependimento e, em consequência, gozar outra vez dos favores divinos. De fato, esse foi o resultado na vida de Jó, não porque ele tenha se arrependido de algum pecado específico, mas porque se humilhou diante da soberana e inescrutável vontade de Deus. – Russell Norman Champlin, comentando o discurso de Bildade, afirma: “Bildade feriu Jó com sua grande faca ao relembrar-lhe como seus filhos tinham morrido miseravelmente, “Naturalmente, eles morreram por serem pecadores. Deus os cortou desta vida. E tu, Jó, estás sofrendo por causa de teus pecados, e em breve Deus também te cortará, se não te arrependeres.” Bildade ignorou o mistério do sofrimento dos inocentes com uma pergunta retórica. Em seguida, sua ira inspirou-o a mostrar-se cruel. Elifaz ainda demonstrou alguma simpatia; mas Bildade assemelhou-se mais a um boxeador que salta quando a campainha toca. Bildade era o campeão de Deus, enquanto Jó era o ofensor de Deus. Bildade feriu Jó com sua adaga, “precisamente onde sabia que feriria mais fundo: no coração do pai cujos filhos tinham morrido. Seus filhos eram pecadores, e essa era a razão pela qual morreram prematuramente” [...]. Diz o original hebraico: “Deus os jogou fora”, como se eles fossem um lixo inútil. Jogar fora significa a destruição e o esquecimento da morte. Eles sofreram a inevitável consequência de seus atos tolos. “Certamente esse ataque cruel e sem coração feriu Jó profundamente. Afinal de contas, ele tinha oferecido sacrifícios para encobrir os pecados de seus filhos (ver Jó 1.5)”

2. Uma compreensão limitada da natureza de Deus. Bildade traz consigo uma compreensão incompleta e limitada da natureza de Deus, o que faz com que ele pense que o sofrimento de Jó seja a consequência de um pecado oculto. Assim, outra compreensão é evidente: Jó deve demonstrar que é realmente bom e que merece o favor de Deus. É uma teologia que destaca uma meritocracia humana no processo de justificação diante de Deus: “Mas, se tu de madrugada buscares a Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia, se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça” (8.5,6). Logo, o enfoque de Bildade não é a graça que flui de Deus, mas o esforço humano que, por mérito próprio, pretende justificar o homem diante de Deus. – As palavras de Bildade: “Se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça” (8.6), parecem-se com as palavras de seu amigo Elifaz: Une-te, pois, a Deus, e tem paz, e, assim, te sobrevirá o bem” (22.21). – A essa altura da intervenção de Bildade, está claro que este amigo de Jó entende que o assunto está nas mãos de Jó, não está com Deus; Jó deveria ser mais humilde, menos arrogante, para que resgate o favor de Deus. Champlin, afirma: “O segundo crítico de Jó, portanto, perdeu completamente de vista que a Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura, não explica todo o sofrimento que há no mundo. Os inocentes podem sofrer e realmente sofrem. O problema do mal está repleto de enigmas. A lei do carma é poderosa, e a retribuição é necessária e útil, porquanto cura, e não meramente castiga. Mas não podemos explicar todas as coisas e condições más apelando a essa lei. Jó havia apelado a Deus (ver Jó 7.20,21), mas seus críticos supunham que seu apelo carecesse de sinceridade moral. Deus havia arrebatado as propriedades de Jó. Mas, se ele se arrependesse, obteria novas propriedades, ‘restauração da justiça de tua morada’, onde Deus entraria em comunhão com o seu proprietário. Suas antigas propriedades eram cenário de segredos e pecados graves, ou não teriam sido destruídas pelas forças da natureza. Alguns estudiosos espiritualizam ‘morada’ neste versículo, pensando significar a alma. Jó prosperaria espiritualmente, mas essa é uma explicação anacrônica” 

3. A imperfeição humana. Diante da defesa teológica feita por Bildade, Jó pergunta: “Como se justificaria o homem para com Deus?” (Jó 9.2). Ora, Deus é infinitamente sábio e justo. Jó está consciente de que nenhuma perfeição humana o habilitará a aproximar-se de Deus. Dessa forma a autopurificação não passava de presunção: “Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão” (Jó 9.30,31). A linguagem é poética, mas ela afirma objetivamente a doutrina da santidade de Deus e a pecaminosidade humana. Deus é santo e Jó, um pecador. Entretanto, essa não era a questão para Jó. O grande questionamento dele poderia ser feito da seguinte forma: “É verdade que onde há sofrimento há pecado?” Seus amigos responderiam: sim; Jó, um retumbante não.

Deus já havia testemunhado acerca da integridade e da justiça de Jó. Isso deixa claro que nem sempre o sofrimento é fruto de uma imperfeição moral ou resultado de um pecado pessoal. Esse era o caso de Jó. – Contrariamente ao pensamento de Bildade, Jó estava convencido de que já vivia uma vida reta diante de Deus. A insistência de Bildade para que ele buscasse a pureza e a retidão soava aos seus ouvidos que ele precisava nivelar-se ao Altíssimo na sua pureza. Isso, evidentemente, Jó tinha consciência de que seria algo inalcançável: “Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão” (9.30,31). Em contraste com os amigos, que constantemente recomendarão remédios religiosos para conservar o relacionamento entre Jó e Deus, ele vê, a despeito da sua piedade destacada, que a autopurificação é impossível, e, realmente, é uma presunção. Embora a lavagem das mãos (30) possa ser cerimonial, sem dúvida Jó pretende aqui representar uma total purificação moral. Tudo em vão. Jó diz de modo horrível que Deus o submergirá no lodo. Alguns comentaristas veem nesta declaração repugnante o pessimismo de Jó no seu mais baixo ponto. Visto que Deus faz tudo, é Ele quem toma sujos os homens. Mas as palavras seguintes corrigem esta impressão unilateral. – Jó, entretanto tinha consciência que ninguém poderia alcançar um estado de perfeição completa. Para ele viver essa santidade absoluta seria impossível, visto que quem a possui é somente o Senhor.

SUBSÍDIO DIDÁTICO -PEDAGÓGICO

Para explicar melhor este primeiro tópico, é importante que você faça uma reflexão doutrinária acerca da justiça de Deus e da imperfeição do ser humano. São duas áreas teológicas que estudamos nas disciplinas de Teologia (estudo de Deus) e Antropologia Bíblica (estudo do homem). Dominar esses dois temas é muito importante para desenvolver o presente tópico com segurança. Para auxiliá-lo nessa tarefa sugerimos duas boas obras editadas pela CPAD: Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal, organizada por Stanley Horton; Doutrinas Bíblicas: Os Fundamentos da Nossa Fé, de Stanley Horton e William W. Menzies.

  II. O PECADO VISTO COMO QUEBRA DA MORALIDADE TRADICIONAL

1. Moralismo por tradição. Bildade (Jó 18.1-21) também está comprometido na defesa da moralidade que ele acredita ser a correta. Para ele não havia nada errado quando fez a defesa da justiça divina, da mesma forma que acreditou estar correto quando defendera a moralidade dos seus dias. Todavia, não podemos falar de uma ética ou teologia moral de Bildade, mas simplesmente de um moralismo fundamentado na tradição (18.1-21). – Bildade, no seu segundo discurso posiciona-se na defesa da moral tradicional. Há um conteúdo ético embutido por trás dos seus argumentos de que a luz dos ímpios se apagará. Vivemos em um universo moral onde as ações sempre produziram consequências. Ele, portanto, posiciona-se em defesa da moralidade que herdara dos seus antepassados. Não há dúvida de que o rigorismo ético não está presente apenas no discurso dos amigos de Jó, mas também pode ser encontrado em outras partes do Antigo Testamento. A Antiga Aliança posiciona-se a favor de uma moralidade de cunho universal. Compreender a evolução do pensamento ético dentro da revelação hebraica do Antigo Testamento sem dúvida contribui para o entendimento do contexto de Jó.  

2. A subversão da ordem moral. Na verdade, Bildade simplesmente repete o que já vem sendo defendido por gerações passadas, todavia, acrescentando alguns contornos aos seus pressupostos teológicos. Para ele as desgraças sofridas por Jó ocorreram por causa da quebra da moralidade estabelecida. Como o entendimento de Bildade era o de que o universo é controlado por leis morais inflexíveis, ao quebrá-las Jó sofreu as consequências da mesma forma que sofre quem quebra a lei da gravidade. Nesse aspecto, praticar a justiça é se ajustar à dinâmica dessas leis morais. Bildade acreditava que de nada adiantava Jó achar que os maus prosperavam, pois isso era apenas ilusão. No seu entendimento, a prosperidade dos maus assemelhava-se as raízes de uma árvore que foram cortadas, cujos ramos, embora mantenham a aparência de verdor por algum tempo, todavia, necessariamente murcharão (18.12-16). Ao não reconhecer isso, Jó estaria tentando subverter a ordem moral aceita. – Bildade professa uma teologia torta, mesclada com verdades e erros. Ele acusou o homem errado pelos motivos errados, mas, aquilo que disse sobre a morte (rei dos terrores - Jó 18.14, a morte personificada com todos os seus terrores para o perverso), deve ser levado a sério. A morte é um inimigo temido por todos os que não estão preparados para enfrentá-lo (1Co 15.26), e a única forma de se preparar é crer em Jesus Cristo (Jo 5.24). O crente firmado nas Escrituras entende que, morrer significa ir para o lar e estar junto do Pai no céu (Jo 14.1-6), adormecer na terra e despertar no céu (At 7.60; Fp 1.21-23), entrar no descanso (Ap 14.13) e numa luz mais fulgurante (Pv 4.18). Nenhuma das figuras apresentadas por Bildade aplica-se àqueles que são salvos em Cristo! O verso 21 termina, dizendo: Tais são, na verdade, as moradas do perverso, e este é o paradeiro dos que não conhecem a Deus. E nós acrescentamos que esta foi a consolação que Bildade trouxe ao seu amigo, uma descrição digna do pior elemento humano, do mais degradado, do mais iníquo, do mais diabólico. Mesmo sabendo que se trata de poesia, ainda assim, tirando o que se pode tirar deste famoso discurso, uma lição fica: o pecado é, a ruína do homem e da sociedade” (Mesquita. Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. Editora JUERP).

3. Contemplando a cruz. O capítulo 19 é dedicado à defesa de Jó. É inegável que Jó sabia que Deus atua em um universo moral e que tudo o que acontece está sob seu controle. O homem de Uz estava convicto de que não havia quebrado nenhuma lei moral, sendo, portanto, inocente e que o seu sofrimento não teria razão aparente. Mas diante das acusações dos amigos, ele está disposto a abandonar toda tentativa de se autojustificar (Jó 19. 21-24). Ele quer abandonar toda instância humana e apelar para um mediador (redentor) que defenderá sua causa. Ele não quer mais se defender; ao invés disso, apela para alguém totalmente justo, que vai ficar entre ele e Deus. É ai que ele contempla a cruz: “Eu sei que meu redentor vive” (v. 25). A palavra “redentor” traduz o hebraico goel e significa alguém que defendia um familiar quando este não podia fazer sua própria defesa.

Os primeiros líderes da Igreja entendiam que Jó predisse a ressurreição que será efetuada por Cristo no final dos tempos e da qual ele participará. O patriarca queria a intercessão desse justo, imparcial e eficiente mediador. – No capítulo 19.1-29 temos a resposta desesperada de Jó ao segundo discurso de Bildade. Jó começou com o grito angustiado de que seus amigos haviam se tornado recalcitrantes e intransigentes como mentores (vs. 2-3), e que não conseguiam causar nenhum efeito na maneira como ele lidava com o pecado que julgavam existir. Jó deixou claro que se Deus lhe havia enviado amigos como Bildade, quem precisava de inimigos? Ele temia que não houvesse justiça. Deus o havia cercado, destituído, arruinado e se virado contra ele. Seus familiares e amigos o desampararam, por isso todos deveriam compadecer-se dele porque: Deus havia causado tudo isso (vs. 21-22). Sobre a esperança que Jó nutria em um Redentor, CHAMPLIN escreve: “Por que eu sei que o meu Redentor vive. A palavra hebraica goel é assim traduzida. A palavra admite ambas as ideias de vindicador e de redentor. Existe aquele parente redentor que vai buscar as propriedades que um homem vendera. E existe aquele vingador do sangue, que vinga a morte de um parente e, assim sendo, recebe as honras de um remidor. Isso posto, o goel podia ser um redentor, um vingador ou um defensor dos oprimidos. Nesse ofício, ele seria um mediador. Deus, como goel, redimiu Israel do Egito (ver Êx 6.6; 15.13; Sal. 74.2). Ele também redime do exílio (ver Is 41.14) da morte (ver Sl 69.18; 2.14; Lm 3.58; Os 13.14). Resta saber qual desses sentidos possíveis está no texto à nossa frente. Jó buscava vindicação (vss. 23 e 24), de modo que é provável que ele estivesse pensando em Deus como o divino vindicador, o qual finalmente defenderia o seu caso e diria “Jó era inocente, embora tenha sofrido”. Dessa maneira a honra de Jó seria restaurada, e seu nome seria limpo. Deus se levantaria para vindicar Jó e corrigir os seus atormentadores”.

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Neste capítulo [18], Bildade disfere um segundo ataque contra Jó. No seu primeiro discurso (Jó 8), ele lhe tinha dado encorajamento para ter esperança de que tudo lhe sairia bem. Mas aqui não há uma palavra sequer sobre isto; ele ficou mais irritante, e está tão longe de ser convencido pelos argumentos de Jó que está ainda mais exasperado. I. Ele reprova Jó de maneira contundente, como sendo arrogante e inflamado, e obstinado na sua opinião (vv.1-4). II. Ele detalha a doutrina que tinha apresentado antes, a respeito da miséria dos ímpios e a ruína que os acompanha (vv.5-21). Aqui, ele parece, o tempo todo, se fixar nas queixas de Jó sobre a infeliz condição em que se encontrava, de que ele estava nas trevas, confuso, preso, aterrorizado, e apressando-se para deixar o mundo. ‘Esta’, diz Bildade, ‘é a condição de um homem ímpio; e, portanto, és um deles’. […] Aqui Bildade dispara suas flechas, e também suas palavras amargas, contra o pobre Jó, sem pensar que, embora ele (Bildade) fosse um homem sábio e bom, neste caso estava servindo os desígnios de Satanás, contribuindo para a aflição de Jó” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 92).

  III. O PECADO EM CONTRASTE COM A MAJESTADE DE DEUS

1. A grandeza de Deus. O terceiro discurso de Bildade é feito para exaltar Deus e rebaixar Jó (Jó 25.1-6). Não há como negar que o longo debate entre Jó e seu amigo, esgotou o poder argumentativo de Bildade, o que fez com que ele repetisse várias vezes o que já havia dito. Na verdade, o seu último discurso não traz nada de novo.

No capítulo 25 ele destaca a onipotência divina. Deus é grande e poderoso (v. 2). Por isso nada há de errado quando Bildade defende a majestade do Altíssimo. Todavia, como alguns autores destacam, Bildade acaba por criar um abismo que não existe entre a criatura e o Criador. O Deus defendido por ele não é o revelado na Bíblia. As ideias de Bildade se antecipam àquela defendida milênios depois pelo deísmo do final do século XVIII. Segundo os deístas, Deus criou o mundo, mas ausentou-se dele. – Bildade proferiu seu terceiro discurso (o último discurso dos três amigos), e reafirmou a mesma teoria que Deus era majestoso e exaltado, e o homem era pecador, principalmente Jó. Ele queria contrastar Deus com o humilde e pecaminoso homem, entre os quais ele contava Jó. Comentando este último discurso de Bildade, Champlin argumenta: “Deus é soberano, o Rei do universo, e todos O temem, exceto Jó, aquele pecador que continuava propagando sua própria inocência. As hostes do céu temem a Deus; homens sensatos O temem; justos O temem; mas não aquele verme, Jó. Deus, que habita nos altos céus, aplaca toda a oposição e estabelece a paz, até mesmo nas habitações mais elevadas de todas as criaturas, incluindo os santos anjos. No entanto, Deus não teria conseguido estabelecer a paz com o rebelde, Jó. Cf. a paz trazida por Cristo na escala universal, em Cl 1.20 e Ef 1.10. No céu, Deus mantém a harmonia, mas, na terra, é forçado a tolerar homens como Jó, que estão sempre semeando o caos. Seja como for, a profunda admiração nem sempre se transmuda em amor, sendo certo que a rebeldia de Jó não o fazia. Deus governa inúmeras forças, mas o minúsculo e miserável Jó resistia ao governo de Deus, sendo esse o motivo pelo qual ele sofria tão grandes dores”.

2. Onipotente, mas não ausente. Jó responde a Bildade com ironia: “Como ajudaste aquele que não tinha força e sustentaste o braço que não tinha vigor!” (Jó 26.2). Aqui, Jó não questiona a onipotência divina, mas a aplicação que Bildade faz desse conceito. O conceito de um Deus grandioso, que é soberano em suas ações, não deveria vir acompanhado também do conceito de um ser compassivo e amoroso? Deus não deve ser visto apenas em sua força, mas, sobretudo, por seu amor. Ele nunca exaltou seu poder e grandeza acima do seu amor. Ele não disciplina simplesmente porque é grande, forte e soberano, mas porque ama.

Diferentemente do conceito apresentado por Bildade, o Deus que a Bíblia apresenta é poderoso e glorioso, mas, principalmente, misericordioso e gracioso. Temos de cuidar para que no momento do sofrimento não manchemos a imagem de um Deus que não é só força, mas igualmente amor. – Jó proferiu seu último discurso em refutação a Elifaz, Bildade e Zofar, respondendo à falta de preocupação de Bildade para com ele, mostrando que todas as palavras teológicas e racionais de seus amigos haviam perdido totalmente o foco de sua necessidade e em nada ajudaram. Jó faz uso de uma linguagem irônica nessa refutação à Bildade, procurando repreender à sua fútil tentativa de fazê-lo confessar seus pecados para que pudesse receber alívio. Warren W. Wiersbe, em seu “Comentário Bíblico Expositivo. A.T. Vol. III” (Central Gospel), escreve: “Antes de engrandecer o poder Deus no Universo, Jó repreendeu Bildade por não lhe dar ajuda alguma (Jó 26:1-4). Jó não tinha poder algum, mas Bildade não o fortaleceu. De acordo com seus amigos, Jó não tinha sabedoria e, no entanto, Bildade não compartilhou com ele uma só migalha de sabedoria ou discernimento. “Com a ajuda de quem proferes tais palavras? E de quem é o espírito que fala em ti?” (v. 4). Se as palavras de Bildade tivessem vindo de Deus, teriam edificado Jó, pois ele havia clamado a Deus pedindo que lhe respondesse. A conclusão é que as palavras de Bildade vinham apenas dele próprio e, por isso, não fizeram bem algum a Jó” (WIERSBE. Warren W. Comentário Bíblico Expositivo. A.T. Vol. III. Editora Central Gospel. pag. 55).

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Deus é Exaltado e o Homem é Abatido [25] (vv.1-6). Bildade deve ser elogiado aqui, por dois motivos: 1. Por não mais falar sobre o assunto sobre o qual ele e Jó divergiam. Talvez ele começasse a pensar que Jó estava certo, e então era justo não dizer mais nada sobre isto, como alguém que disputava pela verdade, ficaria satisfeito em ceder a vitória; ou, se ainda se julgasse certo, ainda assim sabia quando já tinha dito o suficiente, e não discutiria incessantemente pela última palavra. Talvez, na verdade, uma razão pela qual ele e os demais deixaram diminuir  este debate foi o fato de que percebiam que Jó e eles mesmos não divergiam tanto em opinião como pensavam: eles reconheceram que os ímpios podiam prosperar por algum tempo, e Jó reconheceu que eles seriam destruídos, no final; quão pequena, então, era a diferença! Se os contendores entendessem melhor, uns aos outros, talvez se encontrassem mais próximos uns dos outros, do que imaginavam. 2. Por falar tão bem sobre o assunto em que ele e Jó estavam de acordo. Se tivéssemos os nossos corações cheios de pensamentos respeitosos e reverentes sobre Deus e pensamentos humildades sobre nós mesmos, não seríamos tão propensos como somos a contender por questões de duvidosa controvérsia, que são assuntos intricados ou insignificantes” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 125).

  CONCLUSÃO

Nesta lição vimos que o debate entre Bildade e Jó assume alguns contornos teológicos muito relevantes. Bildade faz três discursos teológicos e em cada um deles põe em destaque a sua crença. Ele não crê na inocência de Jó e, por isso, atribui o seu sofrimento à existência do pecado. Assim, ele orienta Jó a viver segundo os ditames da tradição e, como consequência, o empurra para um moralismo de natureza apenas religiosa. Por último, quando quer exaltar a grandeza de Deus a qualquer custo, acaba por criar um abismo intransponível entre o Criador e a criatura. – Poderíamos certamente elogiar Bildade nesse seu discurso em busca da resposta ao sofrimento humano, principalmente, quando ele afirma acertadamente que “A Deus pertence o domínio e o poder; ele faz reinar a paz nas alturas celestes” (Jó 25.2). No desenrolar da conversa, parece haver um começo de pensar que Jó estava certo, e cessa de argumentar teologicamente os motivos de tanto sofrimento. As teologias debatidas, tanto dos três amigos quanto a de Jó, de fato, divergem pouco, e talvez essa tenha sido a razão do término dos debates; concluíram não divergiam tanto em opinião como pensavam. “Se tivéssemos os nossos corações cheios de pensamentos respeitosos e reverentes sobre Deus e pensamentos humildes sobre nós mesmos, não seríamos tão propensos como somos a contender por questões de duvidosa controvérsia, que são assuntos intrincados ou insignificantes”.

REFERÊNCIAS

ANDRADE. Claudionor Corrêa de, Jó o Problema do sofrimento do justo e o seu propósito. Série Comentário Bíblico. Editora CPAD. p. 37-38.

BARBOSA, Francisco. Lição 6: A teologia de Bildade. Disponível em: https://auxilioebd.blogspot.com. Acesso em 13.11.2020

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1901.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 7. Rio de Janeiro: CPAD, 15, nov. 2020.

MESQUITA. Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. São Paulo: JUERP, 2013.