sexta-feira, 30 de outubro de 2020

LIÇÃO 5: O LAMENTO DE JÓ

  


COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Na lição anterior vimos de perto o drama vivido por Jó. Uma série de calamidades se abateu sobre ele de forma catastrófica. Do estado de riqueza e prosperidade, Jó passou a viver na adversidade; seus amigos foram para consolá-lo, mas ficaram sem palavras ao contemplarem seu debilitado estado de saúde. Entretanto, depois de sete dias, ele rompeu o silêncio com um lamento que veio do fundo da alma. Nesse lamento Jó mirou o dia de seu nascimento e, através de três perguntas, desabafou tudo o que sentia naquele momento: Por que nasci? Por que não nasci morto? Por que ainda continuo vivendo?

Nesta lição veremos a reação humana diante do sofrimento. Perceberemos que não há qualquer indício de que Satanás tivesse alcançado êxito diante de Jó. Na perspectiva do patriarca, se Deus era a causa de sua vida, deveria também ser a causa de sua morte, pois se dEle vinha o bem, também deveria vir o mal. – Antes de Jó levantar o seu lamento, ele recebeu a visita dos seus amigos. Sensibilizados com as calamidades que sobrevieram a Jó, os seus três amigos, Elifaz, Bildade e Zofar, vieram visita-lo. Não há nada no texto que demonstre que esses amigos não estivessem movidos de boas intenções nessa visita. Todavia, à medida que o debate acontece entre eles e Jó, o clima de animosidade fica evidente. Nesse momento, eles queriam “condoer-se” com o patriarca que perdera tudo, inclusive a saúde. “O termo hebraico para “amigo” (rea) refere-se a um vizinho, um amigo ou um colega. Pelos discursos subsequentes, parece evidente que esses três homens são colegas intelectuais de Jó como professores de sabedoria. No entanto, a intenção principal deles em se encontrar com Jó não é acadêmico, mas pastoral, pois eles passam a simpatizar com ele para que possam lhe confortar” (ESTES, 2013, p. 684). Portanto, entendemos que no momento de sofrimento e angústia, todos precisam de uma mão amiga. Chorar com os que choram é um mandamento bíblico (Rm 12.15)

   I. PRIMEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NASCI? (3.1-10)

1. “Por que nasci?” A dor de Jó era profunda e somente a poesia podia expressar toda a carga emocional vivida por ele. Nesse poema, os dez primeiros versículos do capítulo três são a respeito do primeiro questionamento de Jó: Por que nasci? Esse questionamento sai do íntimo de Jó, assim como ocorre com a alma do salmista (130.1). Da mesma forma, o profeta Jeremias expôs os sentimentos diante de seus conflitos (Jr 20.14-18). Nesse sentido, o patriarca não está sozinho em lamentar diante da dor.

2. Que em lugar da memória viesse o esquecimento. Neste momento de dor, Jó não amaldiçoou a Deus, como Satanás previra; em vez disso, amaldiçoou o dia de seu nascimento. No lugar de ser ocasião de grande celebração pelo dia do nascimento de criança, Jó amaldiçoou esse dia por ocasião do grande sofrimento e decepção. Para o homem de Uz, esse dia teria de ser apagado da memória. Não é assim que muitas vezes nos sentimos? Um dia em que tudo foi mal e temos desejo de nunca mais lembrá-lo.

3. Que em vez da ordem viesse o caos. Mencionamos o desejo de Jó para que o dia de seu nascimento não tivesse entrado no calendário e, que dessa forma, tanto esse dia como essa noite jamais tivessem existido. No lugar da luz que raiou por ocasião do nascimento dele, e que revelou todo seu sofrimento, o patriarca desejou que as trevas dominassem (vv. 4-7). E por quê? Porque em vez da paz veio a dor; em vez da ordem, o caos. Desse raciocínio, Jó menciona a imagem do Leviatã. Este famoso e assombroso animal marinho simbolizava o caos. O homem de Uz recorre a essa imagem para ilustrar o momento tenebroso que estava vivendo. A lógica é simples: Se Deus não tivesse feito aquele dia, ele não teria sido concebido e, portanto, não passaria por tudo isso. Nesse sentido, o Novo Testamento revela como nosso Senhor é misericordioso e nos trata com amor e ternura nos momentos de tribulação e angústia, pois aos pés da cruz é o melhor lugar para derramar a nossa alma (cf. Jo 11.32,33). Depois de sete dias e sete noites na presença dos seus amigos, que nada lhe disseram, Jó abriu a boca em um profundo lamento. Ele amaldiçoou o dia do seu nascimento. Jó era um homem em conflito! De um lado, estavam os seus amigos representando a teologia tradicional, fundamentada numa lei de causa e efeito. O justo não sofre nem passa por adversidade; se sofre e não prospera, é porque pecou. Por outro lado, a teologia de Jó também conflitava com a sua experiência. Ele sabia ser íntegro e reto, todavia estava sofrendo! Será que Deus o teria rejeitado e abandonado? Aqui está o dilema de Jó. A sua teologia dizia uma coisa, mas a sua experiência dizia outra. Os seus amigos ainda não haviam falado, mas, sem dúvida, Jó conhecia a forma de pensar deles, que não era muito diferente da sua até então. Era um consenso na teologia tradicional daqueles dias que Deus sempre recompensa os bons, mas pune os maus. Isso ficará mais claro quando começa o debate de Jó com os seus amigos, mas o que Jó estava experimentando agora conflitava com essa teologia. Pereça o dia que nasci – Essa forma de lamento não era incomum dos povos do Antigo Oriente. Jeremias, por exemplo, também fez um lamento semelhante (Jr 20.14-18). Assim como Jó, Jeremias sentiu-se rejeitado, Jeremias, pelo seu próprio povo, e Jó, pelo seu próprio Deus. Converta-se aquele dia em trevas – O sofrimento de Jó era intenso. Toda angústia e sofrimento não existiriam se ele não tivesse sido concebido. Isso, de fato, poderia existir se o dia do seu nascimento pudesse ser apagado. O seu desejo era que aquele dia houvesse se convertido em trevas, que equivalia a dizer: “Seja apagado do calendário”. O seu desejo era que esse dia, tendo sido apagado, não fizesse falta no calendário de Deus para completar os dias do ano. Contaminem-no as trevas e a sombra da morte – Jó usa o verbo gaal (reclame), cujo sentido é “resgatar” ou “agir como parente”. Esse vocábulo é aplicado a um parente que tem o direito de reclamar uma herança ou vingar a morte de um consanguíneo. Jó deseja que as densas trevas tivessem esse direito sobre o dia em que ele foi concebido. Dessa forma, esse dia jamais teria raiado ou existido. Em outras palavras, ele não queria resgate algum por aquele dia, que no seu entender, jamais deveria ter existido. A linguagem é poética procurando captar todo o drama e lamento do patriarca.

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Para introduzir esta lição apresente os três pontos que formam seu eixo estrutural, ou seja, os três lamentos de Jó: (1) Por que nasci? (2) Por que não nasci morto? (3) Por que continuo vivo?

Mostre a classe que essas três perguntas representam toda a angústia que se abateu sobre a alma de Jó por meio dos eventos que marcaram sua tragédia familiar, econômica e pessoal. Tais perguntas podem sinalizar o grau de estresse do patriarca, bem como do ser humano, diante de um grande caos. Os lamentos de Jó são a expressão da dor humana diante do sofrimento

  II. SEGUNDO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NÃO NASCI MORTO? (3.11-19)

1. Descansando em paz. Os intérpretes observam que o discurso de Jó a partir do versículo onze muda de amaldiçoar para reclamar. A partir desse versículo, Jó passa reclamar por não ter nascido morto. Para ele nascer morto teria sido melhor do que existir naquelas condições (vv. 11-13). Era a melhor maneira de não passar por toda aquela tribulação. Essas palavras de Jó revelam uma coisa: Ele queria descanso de todo o seu sofrimento.

O que Jó pedia era uma possibilidade real, pois muitos fetos nascem mortos (vv. 16). Para ele a morte era uma forma de descansar em paz (vv. 13-15).

2. Livre de tribulações. O dilema de Jó aumenta à medida que o seu sofrimento ganha intensidade.  Ele continua com seu argumento da “não-existência” (vv. 16-19). Ele está convencido de que se não tivesse se tornado um “ser”, nada disso estaria acontecendo. Ele desejava ter sido como um “natimorto”, um feto que nunca viu a luz (v. 16). A palavra hebraica nephel, usada no versículo 16 como “natimorto”, possui o sentido de “um aborto espontâneo” e é traduzido dessa forma em Eclesiastes 6.3 e Salmo 58.8. Aqui em nenhum momento Jó faz uma apologia ao aborto, mas usa-o no sentido metafórico de “descanso do sofrimento”. No lugar de ter sido abortado, ele nasceu e foi lançado no mundo da tribulação. O raciocino é claro: Para os que morreram cessaram as angústias e tribulações da vida presente.

3. Uma realidade para o cristão. O Novo Testamento nos ensina que enquanto estivermos neste mundo estaremos sujeito à dor, ao luto, ao sofrimento (Fp 4.11,12). Mas, ao mesmo tempo, temos uma promessa consoladora de Jesus (Jo 16.33, cf. Fp 4.13). – Antes de qualquer crítica que se faça a Jó pelo seu questionamento, é necessário entender o mundo cultural no qual Jó vivia. Jó vivia e respirava uma cultura de honra, onde ser desonrado era pior do que a morte. Era exatamente o que estava acontecendo ou iria acontecer com maior intensidade com Jó. como um homem bom, justo, piedoso e temente a Deus podia ser submetido a uma situação vexatória daquelas? Estaria ele vivendo uma espiritualidade ou religiosidade de fachada? O que as pessoas pensariam dele? E os seus amigos? Para um homem honrado, isso doía mais do que a própria morte. – Por que não morri eu desde a madre...? As questões de ordem retórica têm continuidade no argumento de Jó. ele questionara por que havia sido concebido, e agora ele indaga por que não nasceu morto. Desse ponto de diante, Jó não mais amaldiçoa, mas questiona. O primeiro questionamento é por que não morreu ao nascer. A expressão hebraica possui o sentido de “natimorto”, isto é, alguém que já nasce morto. A morte, portanto, era vista como uma libertação da dor. – Porque já agora jazeria e repousaria... Não se deve pensar aqui que Jó não tivesse perspectiva com a vida pós-morte. Em outra parte do seu livro, Jó demonstra acreditar na vida eterna (Jó 19.25). Na verdade, Jó vê a morte aqui como um grande nivelador social. Todos são iguais no túmulo. Tanto reis como príncipes e plebeus são iguais na sepultura. Não importa o que fizeram em vida.

SUBSÍDIO BÍBLICO-PEDAGÓGICO

“Por não haver a possibilidade de voltar atrás no tempo e cancelar os acontecimentos que levaram ao seu nascimento, Jó volta-se para a fase seguinte do seu lamento: Por que não morri eu desde a madre? (11). Muitos bebês nascem mortos; por que ele não teve a sorte de um deles? Os joelhos da parteira e os peitos (12) da sua mãe deveriam ter falhado em preservar a criança recém-nascida. Se a morte tivesse sido o seu destino logo no início, então suas maiores esperanças teriam sido alcançadas havia muito tempo – então, haveria repouso para mim (13). Entre os versículos 14 e 19 há observações acerca do fato de que todos os homens são iguais diante da morte. Os reis (14), os ricos (15), os maus (17) cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados. Moffat interpreta o pensamento dos lugares assolados (14) como ‘reis […] que constroem pirâmides para si mesmos’. Os presos não são mais incomodados por aqueles que os oprimiam (18) e mesmo os escravos estão livres de seu senhor (19). Em seu desespero, Jó pode apenas esperar pelo alívio que a morte poderia lhe trazer” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 34).

  III. TERCEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE CONTINUO VIVO? (3.20-30)

1. Vale a pena viver? Nessa terceira seção do capítulo três Jó faz uma quarta pergunta (3.20): “Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo?”. As outras perguntas estão em 3.1; 3.12; 3.16. A palavra hebraica amel, traduzida aqui como “miserável”, é usada no sentido de alguém cuja vida é atribulada pela miséria e que, por isso, torna-se incapaz de exercer suas funções. Em outras palavras, para Jó a vida havia se tornado intolerável.

2. Sem o favor de Deus? Jó novamente volta a indagar: “Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?” (Jó 3.23). A pergunta busca o significado do sentido de todo aquele processo. Ela busca compreender o porquê de Deus permitir o sofrimento. Aqui há um paralelo com Provérbios 4.18, onde é dito que “o caminho do justo é como a luz da aurora que brilha mais e mais até ser dia perfeito”. Na literatura sapiencial, a palavra hebraica traduzida como “caminho” é derek e se refere ao caminho da sabedoria de Deus, que conduz a vida. Para o patriarca esse fato havia se tornado um paradoxo, pois ele não sabia por que Deus escolheu para ele o caminho do sofrimento.

3. Um caminho de sabedoria e maturidade. Muitas vezes sentimo-nos iguais a Jó, desorientados, passando por uma via dolorosa do sofrimento. E, como ele, não imaginamos nem compreendemos que Deus está agindo. É preciso, porém, olhar para o alto onde Cristo vive (Cl 3.1-4). Nele, podemos manter o equilíbrio e a confiança durante a tormenta e, assim, trilhar um caminho de sabedoria e maturidade no sofrimento. – Seria um desserviço a Deus dar vida a um corpo que, ao chegar ao estágio adulto, experimentasse miséria e dor? Qual o propósito servido pelo sofrimento humano? Jó lutou com o problema do mal. Por que os inocentes sofrem? Compreendemos a lei moral da colheita segundo a semeadura. Mas tal lei não resolve o porquê do sofrimento. – Por que se dá luz ao miserável...? Aqui tem início o terceiro bloco de questionamentos de Jó. Agora, ele pergunta a si mesmo por que continuava vivo. O sofrimento faz com que o aflito e o amargurado de alma desejem a morte como uma forma de livramento. Isso não é incomum em pessoas que experimentam, por exemplo, grandes dores físicas e até mesmo psicológicas. Todavia convém dizer que querer a morte para ver-se livre da aflição é bem diferente de dar fim à própria vida. Alguns homens de Deus na Bíblia na Bíblia como Jonas e Elias, desejaram morrer quando foram submetidos a grandes tensões, mas nenhum deles pensou em tirar a própria vida, pois a vida para esses profetas era um dom de Deus e somente Ele poderia tirá-la. Deus seria sempre o agente dessa ação, e não eles próprios. Como Jó, esses homens experimentaram momentos desesperadores ou grandes conflitos psicológicos, mas continuaram lutando pela vida. O suicídio nunca deveria ser visto como um bem (At 16. 27, 28). Biblicamente, ele é sempre um mal. Em primeiro lugar, é um mal para quem o comete e, também, um mal para os familiares de quem se suicidou.

SUBSÍDIO TEOLÓGICO

“Jó veio à luz; ele foi trazido à vida (20); Jó estava perdido e Deus o encobriu (23). Tudo isso ocorre contra sua vontade ou, pelo menos, sem que ele tenha alguma oportunidade de escolha. Em sua miséria ele espera a morte. A morte seria como tesouros ocultos a serem procurados ou algo de que ele poderia se alegrar sobremaneira (21-22). Mas mesmo isso é negado a Jó. Moffat interpreta a primeira parte do versículo 23: ‘Por que Deus dá à luz a um homem que está no fim de suas forças?’ A miséria de Jó se tornou tão desmedida que seus gemidos (expressão de agonia) se derramam como água (24) em uma corrente vasta e ininterrupta. A sua vida tornou-se tão difícil que tudo que ele precisa fazer é temer por mais agonia, e isso, de fato, acontece (25). O sofrimento de Jó não tinha fim. Ele não teve qualquer oportunidade para experimentar descanso, sossego e repouso. Veio sobre mim a perturbação (26) pode ser traduzido apropriadamente como: ‘A perturbação vem continuamente’” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 34).

  CONCLUSÃO

Nesta lição vimos o dilema de Jó. Desconhecendo a razão das adversidades que se abateram sobre ele, o patriarca não negou a Deus nem o amaldiçoou. Todavia, ele expôs toda a sua humanidade, de forma que o leitor que apenas o contempla sem, contudo, participar de seu drama, tem dificuldade de entender seu lamento, principalmente, quando ele se dirige a Deus. É o lamento de um corpo ferido e de uma alma, que mesmo amando a Deus, se derrama angustiada. – No capítulo 1 do livro de Jó, Satanás argumentara que a fidelidade de Jó dava-se em razão de uma cerca que Deus havia posto em volta dele. Deus protegia Jó (1.10). Agora, Jó faz uma reclamação no sentido contrário. Ele cria que estava preso dentro das muralhas do sofrimento. A angústia cercava o patriarca de todos os lados. Por desconhecer os bastidores da tentação, Jó cria que Deus seria quem o prendera. O patriarca reclama e questiona, mas não blasfema.

REFERÊNCIAS

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1864.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 5. Rio de Janeiro: CPAD, 01, nov. 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

GONÇALVES, José. A fragilidade humana e a soberania divina: o sofrimento e a restauração de Jó. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

LIÇÃO 4: O DRAMA DE JÓ

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

A provação de Jó fez com que sua vida se tornasse um verdadeiro drama. Nem mesmo os mais aclamados cineastas seriam capazes de dramatizar algo semelhante. Da condição de homem mais rico e admirado do Oriente, ele tornou-se, não apenas um pobre moribundo, mas, na visão de seus amigos, “um pecador revoltado e arrogante”.

De uma vida abastada, piedosa e fraternalmente estruturada, Jó mergulhou em um mar de calamidades. De repente tudo se desmoronou. Os rebanhos foram roubados e dizimados; os empregados foram assassinados e, outros, mortos em desastres aparentemente naturais; os filhos, seu bem mais precioso, morreram. Cenas difíceis de esquecer! Refletir sobre como Jó reagiu a tudo isso é o objetivo dessa lição. – Jó de fato, sofreu muito. Todavia, não é apenas a realidade do sofrimento que deve ser levado em conta do drama de Jó. A falta de explicação lógica para a existência desse sofrimento, sem dúvida, agravou ainda mais sua dor. Como num piscar de olhos, Jó perde tudo o que havia construído e juntado ao longo do tempo, restando-lhe muita dor e muitas perguntas sem respostas. Ao colocar o sofrimento em relevo, o livro de Jó mostra, com isso, que o sofrimento é uma realidade da condição humana. Não apenas Jó, mas também todos os humanos sofrem em um grau maior ou menor. Não há como fugir dessa condição. Fugir dela seria fugir de nós mesmos. Talvez por isso que o livro de Jó tenha sido usado pastoralmente ao longo da história da igreja

   I. TRAGÉDIA DE NATUREZA ECONÔMICA

1. O sucesso na esfera comercial. O autor sagrado já havia sublinhado que Jó era “maior de todos os do Oriente” (Jó 1.3). O respeito, a admiração, a riqueza e a prosperidade do homem de Uz contribuíram para a construção dessa imagem. O autor já havia destacado a riqueza e a prosperidade de Jó, medidas pela grande quantidade de animais e servos a serviço dele. O comércio e a atividade do campo eram suas principais atividades. Devido à sua grande riqueza, não são poucos os autores que igualam Jó a grandes industriais e empresários contemporâneos. Enquanto as ovelhas proporcionavam lã para a produção têxtil, por outro lado os camelos e jumentas estavam a serviço do transporte de cargas. Dessa forma, Jó se destacava no Oriente como um homem de negócios.

2. O sucesso na esfera do campo. A atividade do campo era, sem dúvida, o principal negócio de Jó. O fato de que ele tinha tantas juntas de bois a seu serviço demonstra que ele era um agricultor que possuía uma grande extensão de terras, e não um nômade como alguns autores supõem. Estudiosos destacam o fato de que a palavra hebraica ‘abuddah, encontrada somente em Jó e em Gênesis 26.14, é uma referência direta à lavoura e ao cultivo da terra. Os bois, e da mesma forma as ovelhas, ofereciam a proteína animal. As ovelhas, juntamente com as jumentas, alimentavam a produção de laticínios. Isso fazia de Jó um verdadeiro empreendedor no sentido moderno do termo. – Jó era um homem muito rico, com um total de 11.500 animais domesticados divididos naqueles tipos de animais que os homens ricos precisam: animais de trabalho, animais que serviam como alimentação, e animais de transporte. Tal riqueza capacitava-o a ter uma casa muito grande, vastas propriedades e abundância de escravos, que mantinham todas as suas posses em boa ordem. Isso, de acordo com uma avaliação popular, era evidência da aprovação e da ajuda divina. Jó era “o maior de todos os do Oriente" expressão vaga que é inútil investigar. Ele era o maior homem de sua área e desfrutava de poder político e favor entre seus vizinhos. A área na qual ele vivia era o deserto da Arábia, conforme o vs. 1. “Ele era o chefe dessa área, mas não sabemos o quanto essa área se estendia. Os árabes ainda chamam o Haurã, ou seja, o distrito a leste de Jerusalém, de terra de Jó" (Ellicott, in loco.). A área onde Jó vivia ficava no “deserto” (Jó 1. 9). Era um lugar fértil, falando em termos agrícolas, próprio para criação de gado (ver Jó 1.3, 4 e 4 .12), provavelmente fora da própria Palestina. “O povo do Oriente era identificado com os habitantes de Quedar no norte da Arábia (Jr 49.28). Jó era também incomumente sábio. Os homens do Oriente eram notórios por sua grande sabedoria, que eles expressavam artisticamente em provérbios, cânticos e histórias. Jó era altamente respeitável (ver Jó 29.7-11); sábio conselheiro (29.21-24); empregador honesto (31.13-15, 38, 39); hospitaleiro e generoso (31.16-21,32); e fazendeiro próspero (31.38-40)”. No entanto esse homem foi ferido pela tragédia, por razões desconhecidas.

3. O ataque do Diabo na esfera comercial. Satanás atingiu o centro das atividades comerciais do patriarca. O Adversário procurou retirar aquilo que, graças ao trabalho duro, Jó havia conquistado. Assim, destruiu os animais e o pessoal a serviço dele, desestabilizando-o financeiramente. Seu negócio foi a bancarrota. Sem animais de carga, o transporte estava prejudicado.

4. O ataque do Diabo na esfera do campo. Da mesma forma que atingiu os negócios de Jó na esfera comercial, Satanás o atingiu também na esfera do campo. Destruindo a sua fonte de produção de proteínas e laticínios, o Diabo atingiu em cheio toda a fonte de sua riqueza. Era preciso muito equilíbrio para não se desesperar diante de um quadro tão sombrio.

Aqui é necessário fazer uma ponderação. Evidentemente que nem sempre o empreendimento de alguém quebra por investidura de uma ação maligna direta; muitas vezes é apenas um mau gerenciamento ou até mesmo consequência de uma crise de mercado. Todavia, no caso de Jó, foi uma ação maligna e em muitos casos hoje também o é. – Jó era um homem rico que não tinha com quem se preocupar no mundo. O ataque Satanás foi desfechado primeiramente contra suas riquezas. É agonizante ser rico e de súbito tornar-se pobre, o que tem sido a experiência de tanta gente durante as grandes guerras. O primeiro ataque desastroso. Satanás estava com pressa querendo golpear Jó onde ele seria mais gravemente ferido: destruiria seus bens e seus familiares! Algum tipo de festa especial seria a cena do primeiro ataque satânico, de modo que a alegria seria transformada em súbita angústia o autor quer falar da angústia, quando um homem é derrubado no chão por acontecimentos esmagadores. A sessão dos versículos 13-19 apresenta quatro desastres que reduziram Jó a virtualmente nada. Nesses ataques Satanás não tocou no corpo de Jó. Até aí a saúde de Jó não fora assediada. No capítulo 2, entretanto, o corpo de Jó é atingido, o que alguns supõem ser o teste mais severo que ele teve que enfrentar. “Satanás começou seus assaltos contra Jó, quando seus 10 filhos se banqueteavam na casa do irmão mais velho. Os assaltos foram alternativamente causados por forças humanas e naturais: o ataque dos sabeus (v. 15); o fogo de Deus (v. 16); o ataque desfechado pelos caldeus (v. 17); e grande ventania que soltou da banda do deserto (v. 19). Deus permitiu Satanás desfechar ambos os tipos de causas, para conseguir o seu propósito dentro de um cronograma rápido e preciso. Jó quando se encolhia sob o choque das notícias de uma perda, era estonteado por outro choque” (Roy B. Zuck, in loc.). Notemos dois tipos específicos de mal: os desastres naturais, que constituem o “mal natural” e desastre que vem da vontade pervertida do homem, isto é, o “mal moral”. Jó sofreu ambos os tipos. Apesar de assim esmagado, ainda reteve sua fé e adoração, mostrando que elas eram desinteressadas e não baseadas em vantagens pessoais. Esse é o principal tema do livro. Podem essa fé e essa adoração desinteressadas existir diante de uma grande adversidade? Satanás estava ansioso por fazer sofrer. Sabemos que existem grandes forças malignas do mundo, e devemos diariamente pedir a proteção de Deus contra elas. Por outra parte, só existe um Poder no universo, o de Deus, embora chamemos de poderes a outras energias. Repousemos sobre o poder de Deus, que opera através do Senhor Jesus Cristo. 

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Como introdução a esta lição, sugerimos que você faça um breve resumo para a classe a respeito dos aspectos gerais do sofrimento de Jó, como o físico, social, emocional e espiritual. Para isso considere este pequeno fragmento textual: “O sofrimento de Jó era multifacetado. Era físico, social, emocional e espiritual. Estava em dor e tormento (13.25; 16.6; 30.17) e tinha grandes dificuldades (’amal, ‘tristeza’, ‘desgraça’, 3.10; palavra também usada em 4.8; 5.6,7; 11.16; 15.35). No âmbito físico, teve insônia (7.4), perdera peso (16.8), ficou com os olhos vermelhos e olheiras profundas (v. 16), emagreceu (17.7; 19.20), tinha calafrios (21.6), dores nos ossos (30.17), a pele enegrecera e descascara (vv. 28,30), tinha febre (v.30) e furúnculos que coçavam (2.7). Socialmente, as pessoas o rejeitavam. Zombavam e escarneciam (12.4; 16.10; 17.2,6), e até as crianças debochavam dele (30.1,9-11). Por isso, não tinha alegria (9.25; 30.31). Na sua angústia e amargura (7.11; 10.1), sentia que estava na escuridão (19.8; 30.26) e em desespero (6.14,20). Todos os amigos e parentes o abandonaram (19.17-29). Diante de Deus, Jó estava espiritualmente sem esperança (14.13; 19.10). Deus estava parado e aparentemente desinteressado em Jó (19.7; 30.20), embora o sofredor clamasse por ajuda (30.24,28)” (ZUCK, Roy B. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2018, p. 300).   

  II. TRAGÉDIA DE NATUREZA FAMILIAR

1. Filhos. A tragédia que se abateu sobre Jó foi de fato catastrófica. Ele perdeu em um só dia seus dez filhos de forma calamitosa – sete filhos e três filhas. O texto sagrado diz: “Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, a qual caiu sobre os jovens, e morreram” (vv.18,19). Não haveria nada mais trágico do que esse acontecimento. Perder um filho é calamitoso, mas perder todos de forma inexplicável é nefasto.

2. Esposa. A frase “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.9), atribuída à esposa de Jó, é uma das mais chocantes do livro. Talvez por isso seja objeto de várias explicações. Muitos autores tentam suavizá-la quando a interpretam como sendo uma ironia feita pela esposa de Jó. Nesse caso ela, de fato, estaria dizendo: “Você continua aí com essa sua fé enquanto tudo desmorona à sua volta. Por que tudo isso? Deixe de lutar por isso e aceite a morte”. 

Outros procuram atribuir um sentido ao texto o qual ele não tem. Para estes, a esposa de Jó não estava mandando amaldiçoar a Deus, mas orientando Jó a louvá-lo e morrer em paz. No entanto, as evidências do texto depõem contra esse entendimento. A reação de Jó, ao dizer que sua esposa falava como qualquer louca, confirma esse fato. 

3. O fato. Um vento forte soprou sobre a família de Jó, devastando-a. Ainda hoje, “fortes ventos” continuam a “soprar” em famílias inteiras.  O resultado desses “ventos” é a degradação familiar, divórcios, drogas etc. A exemplo de Jó, o crente deve se refugiar em Deus. É preciso que a família abra a Bíblia em casa e busque o Senhor em estudo e devoção. – Uma coisa foi perder as riquezas e os servos. Algo muito diferente foi perder membros da própria família. Conforme avançaram os testes intensificaram os sofrimentos. Grande vendaval (talvez um dedo sobrenatural) fez a casa onde estava a maior parte da família de Jó (em meio a uma grande festa), desabar. Somente uma pessoa não-identificada (provavelmente um servo), escapou e correu para contar a Jó o que havia acontecido. O vento soprou no deserto, aparentemente atacando com a força de um tornado. O vento demoliu tudo em seu caminho, incluindo a casa na qual os filhos de Jó se divertiam, e se encaminhou diretamente para o alvo. O tornado foi satanicamente orientado. Esse foi o segredo de sua precisão. Ali estava Jó, reduzido a nada. Porventura ele agora amaldiçoaria a Deus, conforme Satanás disse que faria (v. 11)? Continuaria Jó adorar a Deus, quando as “razões” para isso fosse removidas? Continuaria e adorar a Deus embora ele, um homem inocente, tivesse sido ferido? Aceitaria sua fé o fato de que terríveis sofrimentos podem sobreviver ao homem piedoso? Seria sua adoração desinteressada, ou ele adoraria a Deus somente quando obtivesse algum benefício pessoal dessa atitude e desses atos? – A escandalosa esposa de Jó conseguiu, de alguma maneira, escapar aos golpes que acabaram com sua família. Ela havia sido como uma rainha na cidade, gastando o dinheiro de Jó com alegria feroz. Agora o dinheiro dele se acabara; os filhos dele morreram; e tudo quanto restava a Jó era seu monte de lixo e suas pústulas. A mulher de Jó era exatamente como Satanás esperava que fosse. Se ela tivesse alguma espiritualidade, certamente era uma espiritualidade egoísta. Ela não tinha nada de adoração desinteressada. Ver Jó ainda firme na sua integridade era o máximo de insensatez, na opinião dela. Ela disse a Jó que fizesse o que Satanás disseram que ele faria – “amaldiçoar a Deus” – e, depois disso, morrer e obter o fim do triste drama. Ela não se preocupava se Jó seria ou não um pecador que estivesse pagando pelos seus erros. Ela simplesmente queria que ele e seu Deus saíssem do caminho. Ela queria que a farsa da fé religiosa terminasse, pois não aguentava tão inúteis sofrimentos. Portanto os inimigos de um homem podem ser aqueles da sua própria casa (Mt 10.36). A esposa de Jó só estava tentando vê-lo morto e livre de sofrimentos, supondo que uma maldição tivesse o poder de eliminar os sofrimentos dele. Em outras palavras, ela era uma antiga advogada da eutanásia. Ela raciocinava que, se Jó amaldiçoasse a Deus, uma retaliação divina mataria o homem, pondo fim a seus sofrimentos.

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Seus bens mais queridos e mais valiosos era os seus dez filhos; e, para concluir a tragédia, uma notícia lhe foi trazida ao mesmo tempo de que eles estavam mortos e enterrados em meio às ruínas da casa na qual festejavam, junto com todos os criados que os serviam, exceto um que veio rapidamente com essa notícia (vv.18,19). Esta foi a maior das perdas de Jó, e que o atingiu mais de perto; e por isso o Diabo a reservou para o final, para que se outras contrariedades falhassem, esta pudesse fazê-lo amaldiçoar a Deus. Nossos filhos são partes de nós mesmos; é muito difícil separar-nos deles, e isso fere um bom homem de maneira mais profunda possível. Mas separar-se de todos eles de uma vez, e o fato de estarem todos mortos, sim, aqueles que haviam sido por tantos anos a sua preocupação e a sua esperança, era algo que o atingia realmente no âmago do seu ser” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 10).

  III. TRAGÉDIA DE NATUREZA FÍSICA E PSICOLÓGICA

1. O Diabo toca na saúde de Jó. Depois que o Diabo viu o seu plano fracassar, pois o patriarca não sucumbiu à tentação, mesmo diante da dizimação de seus bens e familiares, o Adversário agora tem a permissão divina para tocar na saúde de Jó. Essa nova prova é um drama muito distinto na literatura do Antigo Testamento. Ela dará a tônica ao restante do livro.

2. Saúde física. O texto sagrado diz que o Diabo “feriu a Jó de uma chaga maligna, desde a planta do pé até ao alto da cabeça.” (Jó 2.6,7). Tratava-se de uma doença extremamente maligna, capaz de provocar um grande sofrimento em Jó, a ponto de este sentar-se nas cinzas e pegar um caco de barro para com ele raspar as feridas. Essa era uma prática que o homem antigo adotava quando se via acometido de uma grande desgraça. Ele ia para o monte de cinzas (hb. mazbala), um local considerado imundo, onde os inválidos e dementes costumavam ficar. Ali ele esperava a morte entre cães, insetos e aves de rapina. Trágico!

3. Saúde mental. Não há dúvida que, além do sofrimento físico, Jó também experimentou o sofrimento psicológico. Embora não haja nada no texto que nos permita dizer que ele entrou em depressão, não há como negar que Jó passou por uma grande tensão psicológica. Há vários textos no corpo do livro que permite fazer essa dedução, mas já no início da sua fala é possível perceber esse fato (Jó 3.1-14). Ainda que mantivesse sua fidelidade a Deus, o patriarca amaldiçoou o dia de seu nascimento, não vendo mais razão para que fosse celebrado. Só debaixo de forte pressão psicológica é que pessoas chegam a tal ponto. – Satanás afligiu Jó com tumores malignos, ou úlceras. Não há como determinar a natureza exata dessa enfermidade, nem isso é importante para a compreensão do texto. Até as humildes pústulas são uma questão séria. Resultam de uma infecção cutânea avançada, que penetra nas camadas mais profundas da pele e, então, chega ao músculo. São causadas por bactérias, como o estreptococo ou o estafilococo, e devem ser tratadas por meio de antibióticos. Não estamos abordando um caso de lepra. O hebraico original diz aqui shehi ra, que subtende uma inflamação. Não há inflamação mais estranha do que uma pústula, e ter pústula do alto da cabeça à planta dos pés seria algo que uma pessoa não poderia suportar. Em sua agonia, Jó retirou-se para um monte de lixo, para ali morrer. A tradução “sentado em cinza” reflete o termo hebraico mazbala, ou seja, um montão de lixo de cinzas. Até hoje, segundo dizem os viajantes, do lado de fora das aldeias árabes, pode-se observar monturos, monte de lixo, carcaças apodrecendo, crianças brincando em meio a pilha de lixo, esmoreles sem moradia e idiotas da vila perambulando ao redor, e cães selvagens brigando por pedacinho de alimento que encontra naquela confusão horrenda. Jó, o respeitado o príncipe árabe, abandonou sua casa e foi para esse lugar tão miserável, a fim de esperar pela morte. Ele estava rasgado por dentro pela dor e pela angústia mental. Não havia medicamentos, e suas orações desesperadas eram inúteis. Por que Jó tinha de raspar seus ferimentos não é revelado, mas é provável que ele usasse aquele caco para coçar as suas pústulas. Talvez ele também ele também estivesse removendo o pus que corria de suas pústulas. Suas feridas eram por demais nojentas para serem tocadas. Houvera tempo em que o aristocrata Jó se sentara entre os sábios nos conselhos da cidade, mas agora o vemos sentado a raspar-se em suas pústulas putrefatas.

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“[…] Foi o patriarca constrangido a suportar as dores mais terríveis e os piores desconfortos a que um ser humano jamais fora submetido. Entretanto, reteve a sua integridade. Muitos são os servos de Deus que estão a sofrer as mais terríveis enfermidades. Uns, à semelhança de Ezequias, enfrentam um tumor maligno que, pouco a pouco, vão lhes consumindo as forças e o que lhes resta das humanas feições. Outros, como o Lázaro da história narrada pelo Senhor Jesus, jazem cobertos de uma chaga que os tornam repulsivos, embora espiritualmente sejam os mais puros dos homens. Outros, ainda, tal como o jovem pastor Timóteo, veem-se às voltas com uma doença no estômago que os fustiga com fortes ânsias” (ANDRADE, Claudionor de. : O Problema do Sofrimento do Justo e o seu Propósito. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p. 85).

  CONCLUSÃO

Nesta lição vimos o drama de Jó, que foi provado de uma forma dura no seu trabalho, família e saúde. Somente um homem com uma fé inabalável mantém sua lucidez diante de tantas catástrofes. Somente o Senhor pode manter o fiel de pé diante de calamidades dessa natureza. O Diabo chegou ao ponto máximo de pressão contra Jó, mas não conseguiu executar o seu intento. O patriarca permaneceu de pé diante da provação. – Desnudado de suas riquezas e de sua família, Jó está nu diante de Deus, tal como esteve nu ao nascer. O Senhor é o Doador e o Tirador, e Jó não disputou os direitos Dele. Satanás pensava que Jó só se interessava por seus próprios direitos pessoais. Entretanto Satanás estava tratando com um homem melhor do que propusera. Jó nasceu destituído, havia florescido e, então, retornara à destituição. Jó estava resignado diante desse retorno e atribuiu tudo ao poder divino. Ele reconheceu que Yahweh é o proprietário de geral de tudo, e Seu nome deve ser sempre bendito em qualquer vicissitude.

REFERÊNCIAS

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo: Jó. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1864.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 4. Rio de Janeiro: CPAD, 24, out. 2020.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

sábado, 17 de outubro de 2020

LIÇÃO 3: JÓ E A REALIDADE DE SATANÁS

 

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO I

   INTRODUÇÃO

Uma das constatações que o leitor logo chega ao ler o Livro de Jó é que o Diabo existe. Ele é um ser real. Todo o mal descrito poeticamente no livro é visto a partir da realidade de Satanás. Todo sofrimento experimentado pelo homem de Uz, mesmo sem a consciência histórica disso, foi motivado por uma ação maligna. Ali, o Diabo assume o caráter pessoal de uma criatura. Nesse aspecto, o livro mostra como o Diabo pode interferir na vida humana. Portanto, nesta lição abordaremos algumas questões relativas à existência e à realidade de Satanás a partir do contexto de Jó. – O Diabo é um ser espiritual criado e dotado de personalidade; as aflições de Jó começaram pela maldade de dele, mas ele só obteve êxito em tocar em Jó com a permissão do Senhor para propósitos sábios e santos. Ele sendo o inimigo de Deus e de toda a justiça procura continuamente tirar do caminho e, se possível, destruir os que amam a Deus. Não sabemos até aonde a sua influência pode ir; porém, provavelmente muita instabilidade e infelicidade dos cristãos podem ser atribuídas a ele. Enquanto nos encontramos na terra, estamos ao seu alcance. Por isso, cabe a nós estar sóbrios e sempre atentos (1 Pe 5.8).

   I. O LIVRO DE JÓ E A NATUREZA DE SATANÁS

1. Um ser espiritual. O Livro de Jó não procura provar a origem do Diabo, mas o revela como um ser real. O livro destaca algumas características da natureza de Satanás que nos permitem conhecê-lo melhor. Em primeiro lugar,  conforme o livro apresenta, o Diabo é um ser espiritual e encontra-se na mesma categoria dos anjos, representada no texto pela expressão “os filhos de Deus” (Jó 1.6). Os anjos são seres espirituais que não pertencem à dimensão natural, mas à sobrenatural. Isso explica, por exemplo, a capacidade da rápida locomoção do Diabo quando rodeava a Terra e passeava por ela (Jó 1.7). – A  concepção que se tem do Diabo e da existência do mal a partir da cultura bíblica difere muito do mítico-filosófico e, também, do racionalismo. De acordo com a Bíblia o Diabo existe e é real. Todavia, no estudo sobre a existência de Satanás na cultura judaico-cristã, é preciso levar em conta o caráter progressivo da revelação bíblica. Fica bastante evidente que a compreensão que o Antigo Testamento possui sobre o Diabo e os demônios é menos completa do que aquela que é dada pelo Novo Testamento. – Antes da morte e da ressurreição de Cristo, Satanás tinha acesso vez por outra à presença de Deus, quando então questionava a sinceridade e retidão dos fiéis (ver 1.6-12; 2.1-6; 38.7; Ap 12.10). Por outro lado, a Bíblia não declara em nenhum lugar que Satanás tem acesso direto a Deus na nova aliança (ver Mt 4.10 nota), embora ele continue acusando os crentes. O crente pode eliminar essas acusações por meio do sangue de Cristo, de uma boa consciência e da Palavra de Deus (cf. Mt 4.3-11; Tg 4.7; Ap 12.11). Nossa confiança é reforçada pelo fato de termos como nosso Advogado perante o Pai o Senhor Jesus Cristo (1 Jo 2.1), que está à sua destra, intercedendo por nós (Hb 7.25).

2. Um ser criado. Satanás é um ser criado. Mesmo sendo um anjo, dotado de natureza espiritual, ele não é autoexistente. Ao contrário de Deus, que criou todas as coisas, o anjo que se tornou Satanás teve uma origem. Nem sempre o Diabo foi Diabo. Ele fora um anjo bom como os demais. Assim, ele é uma criatura, não o Criador. Por isso, o livro revela que Satanás tem suas ações limitadas por Deus. Ele pode fazer muitas coisas, mas não tudo (Jó 1.12; 2.7). Como ele não é autoexistente e, semelhante às outras criaturas que povoam o universo, não é um ser incriado, o Diabo é uma criatura limitada. – “Sem importar o termo empregado acerca desse ser, em todas as descrições bíblicas está em vista um ser real, vivo, e não meramente um símbolo do mal. Evidentemente foi um dos espíritos criados por Deus (ver Ez 1:5 e 28: 12-14). Ocupava posição extremamente exaltada e muitos acreditam que poder maior que o seu só se encontra no próprio Deus. (Ver Ez 28: 11-15.) A mesma passagem indica que, originalmente, Satanás não era um ser pervertido, mas perfeito em sua personalidade e obras”. – Com a soberana permissão de Deus, Satanás pôde atacar Jó, mas não poderia tocá-lo fisicamente. O grande teólogo Charles Hodge faz algumas colocações: “... no que diz respeito ao conhecimento dos anjos, ao modo como operam, ou quanto aos objetos desse conhecimento, nada em especial é revelado ...”. Ele continua indicando que ".... o seu poder tem grande extensão sobre mentes e matéria. Eles se comunicam uns com os outros e com outras mentes". Note, porém, que ele não vai além da admissão de comunicação. Continua, em outro ponto: eles "... possuem as limitações de criaturas. Não podem mudar substâncias, alterar leis da natureza, realizar milagres, agir sem os devidos meios, pesquisar os corações - todas essas prerrogativas de Deus". De acordo com Hodge, os poderes dos anjos são, portanto: (a) Dependentes e derivados. (b). Exercidos de conformidade com as leis do mundo material e espiritual. (c). Não de intervenção aleatória, mas permitida ou coordenada por Deus.

3. Um ser dotado de personalidade. Além do fato de ser um ente espiritual, o Diabo é dotado também de personalidade. Ele é uma pessoa e se apresenta como tal. No Livro de Jó o vemos assumindo atributos de um ser pessoal. Ele fala e possui capacidade argumentativa (Jó 1.9-11). Essa mesma característica aparece de forma mais explicita na tentação de Cristo (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13). No livro, além de se expressar verbalmente, Satanás também demonstra possuir conhecimento. Ele sabe o que se passa na Terra e como se comportam os homens. Ele conhecia a vida de Jó. Isso faz dele um ser perspicaz. O apóstolo Paulo sabia que o Diabo é um ser que possui perspicácia quando disse não lhe ignorar os “ardis” e que ele se valia de métodos sofisticados para atingir as pessoas (2 Co 2.11; Ef 6.11).  Assim, Satanás usou de seu conhecimento e perspicácia para atacar Jó. – As evidências internas do texto do livro de Jó mostram alguns atributos de Satanás que o expõem como um ser dotado de personalidade. “O que caracteriza uma pessoa não é, como podem pensar alguns, um corpo, como o corpo do ser humano. Uma pessoa possui três características essenciais, quais sejam: (a) Inteligência; (b) Afeição; (c) Vontade. Estas três características constitutivas de um ser pessoal lhe dão alguns poderes, os quais alistamos a seguir: (1). poder de pensar. (2). poder de sentir. (3). poder de querer. (4). poder de consciência própria, ou seja, o poder de pensar em si mesmo. (5). poder de dirigir-se a si mesmo”. - O Pr. Claudionor de Andrade escreve: “Afirmou João Calvino que Satanás é um teólogo perspicaz. E foi com toda a sua argúcia teológica e filosófica, que o Maligno apresentou-se diante de Deus para acusar a Jó. O que me espanta não é o fato de Satanás caluniar o patriarca de forma tão desabrida; o que me causa estranheza é a sua audácia em discutir teologia com o próprio Deus. Que a discussão fosse com Lutero ou com Spurgeon! Mas debater teologia com a fonte da teologia? E a sua audácia não para aí. Encarreira ele argumentos tão contrários a Deus, que se tem a impressão de que o Senhor nada entende de teologia. Foi este o adversário que se levantou contra Jó. Apresentando-se diante do Todo-Poderoso como um misto de teólogo, filósofo e promotor, pôs-se a incitar Deus contra o homem mais íntegro daquela época. Aliás, Satanás não é apenas perspicaz; é também, como descreveu-o Thomas Cosmades, um ser que não trabalha ao acaso, mas ataca sistematicamente. Quem nos defenderá do acusador? Assim como Deus fez a apologia de Jó, está sempre pronto a levantar-se em nosso socorro. Se o Senhor é por nós, quem será contra nós?” 

SUBSÍDIO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Sugerimos que você inicie este tópico fazendo indagações acerca da natureza do Diabo. Pergunte aos alunos o que eles acham acerca das características de Satanás: É um ser espiritual? É um ser criado ou incriado? É dotado de personalidade? São perguntas importantes que devem levá-los à compreensão de como a Bíblia revela a natureza do Diabo. Por isso, após ouvir atentamente as respostas dos alunos, desenvolva o tópico levando em consideração que a palavra Satanás significa “adversário”. Nas palavras de Myer Pearlman, essa palavra descreve a intenção persistente de o Diabo obstruir os propósitos de Deus. É uma oposição que se revelou nas seguidas tentativas de impedir o plano divino de cumprir a atividade predita em Gênesis 3.15: a vinda do Messias.

  II. O LIVRO DE JÓ E AS OBRAS DE SATANÁS

1. Dor e sofrimento. A introdução do Livro de Jó apresenta Satanás como um ser capaz de agir contra o ser humano (Jó 1.12; 2.6). Através de suas ações é possível conhecer a natureza maligna de suas obras. É da natureza do Diabo provocar dor e sofrimento aos seres humanos. No livro, Satanás impõe ao patriarca um sofrimento, até então, sem precedentes, pois ninguém sofreu como Jó no Antigo Testamento. Primeiramente, o Diabo atingiu as posses dele, o que fez o patriarca sofrer ao ver o seu patrimônio destruído repentinamente. Da mesma forma, houve grande sofrimento em Jó quando ele viu a tragédia se abater sobre sua casa, pois sua família foi devastada. Entretanto, o sofrimento do homem de Uz não cessou com a perda da família. O Diabo o infligiu com uma doença que o fez padecer dor e isolar-se de todos. – Satanás ocasionou os transtornos na vida de Jó em um dia em que os filhos deste patriarca começavam suas festas. Todos os problemas recaíram sobre ele de uma só vez; enquanto um mensageiro de más notícias falava, outro chegava. As possessões mais valiosas e queridas de Jó eram os seus dez filhos, e trazem-lhe a notícia que estes estão mortos. Foram arrebatados quando Jó mais necessitava deles para o consolar pelas outras perdas. somente em Deus encontramos ajuda real em todos os momentos.

2. Acusar. O Diabo é capaz de infligir dor e sofrimento, mas não só isso. Ele também acusa. Faz parte de sua natureza acusar. Foi o que ele fez com Jó (Jó 1.10,11). O Diabo o acusou de praticar uma religiosidade motivada por interesse. Assim como fez, posteriormente, com o apóstolo Pedro, querendo cirandá-lo (Lc 22.31,32), o Diabo quis fazer o com Jó. O livro do Apocalipse mostra a acusação como a missão do Diabo (Ap 12.10). – Observe aqui como Satanás censura a Jó. Esta é a maneira pela qual os caluniadores comumente agem; eles sugerem algo do qual não têm motivo, para fazer pensar que a sua mentira é verdade. Assim como devemos abominar a hipocrisia, também não podemos ser contados e chamados de hipócritas. Nada há de mal em colocar os nossos olhos na recompensa eterna de nossa obediência; porém, é mau colocá-la nas vantagens terrenas de nossa religião. – O povo de Deus e todos os que a Ele pertencem estão sob a sua proteção especial. A bênção de Deus enriquece, e o próprio Satanás admite isso. Foi Deus quem permitiu que Jó fosse provado. Nosso consolo é saber que Deus aprisionará o Diabo (Ap 20.1,2). Ele não tem poder para forçar os homens a pecar, a menos que estes o permitam; nem tampouco tem meios para afligir os homens, se estes não vierem do alto. Tudo isto está aqui escrito para nós, conforme a maneira dos homens. A Escritura fala dessa forma para nos mostrar que Deus dirige todos os assuntos da humanidade.

3. Tentar. Por outro lado, devemos destacar a atuação de Satanás na tentação para o mal. Também faz parte de sua natureza tentar pessoas. Pelo texto sagrado, podemos inferir que o Diabo impulsionou os sabeus e os caldeus, povos até então nômades, a dizimarem os bens de Jó (vv.12,14,17). É uma característica do Diabo incitar e tentar para o mal (1 Cr 21.1). – “O testemunho bíblico sobre as ações de Satanás, ao mesmo tempo em que estabelece a sua realidade e caráter antagônico à justiça de Deus, é fragmentado e, com frequência, apresentado de forma abrupta, sem intróitos ou considerações explicativas. Esta constatação é evidente desde a leitura das primeiras páginas da Bíblia. Ali encontramos um casal criado por Deus, vivendo em perfeita paz, inocência e harmonia. Estas características descrevem também todo o meio ambiente em que vivem. Repentinamente, um adversário aparece nesta cena e, imediatamente, acontece uma rápida transformação: toda aquela atmosfera paradisíaca dá lugar ao pecado, à maldição e ao caos. Imediatamente perguntamos: "De onde veio Satanás?" Mesmo a resposta dada por ele a Deus, no caso de Jó (Jó 2.2), não nos concede qualquer informação tangível. Verificamos, na realidade, que estamos lidando com um dos mais profundos mistérios do universo!” (trecho de capítulo publicado como parte do livro Fé Cristã e Misticismo, Cultura Cristã)

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“Satanás […] ressalta que Jó tem sido recompensado de todas as formas possíveis – Porventura, não o cercaste tu de bens a ele? (10). Ele e sua família eram protegidos de todo e qualquer tipo de perigo, e Satanás conclui: A obra de suas mãos abençoaste, e o seu gado está aumentando. Um sucesso incomum aparece em tudo que Jó realiza. Essa prosperidade, cobra Satanás, é a recompensa de Deus pela fidelidade de Jó.

Depois de acusar a Deus de comprar a lealdade de Jó, Satanás o desafia dizendo que uma reversão na condição próspera de Jó redundaria em sua deserção: Mas estende a tua mão […] e verás se não blasfema de ti em tua face (11). Isto é, ele renunciaria completa e abertamente a Deus e sua forma piedosa de vida.

Deus não abandona Jó nas mãos de Satanás, mas Ele dá permissão para testar a disposição de Jó em permanecer leal e devoto: Eis que tudo quanto tem está na tua mão (12). Observe, no entanto, que existe um limite para o teste: Somente contra ele não estendas a tua mão. Com tal autorização, Satanás age rapidamente para cumprir o seu propósito, confiante no sucesso de seu empreendimento” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 29).

  III. O LIVRO DE JÓ E O CASO DE SATANÁS

1. Queda e ruína de Satanás. O vocábulo “ocaso”, quando usado em sentido figurado, é definido pelo Dicionário Aurélio como “fim, final, queda e ruína”. O Livro de Jó retrata de forma nítida o ocaso final de Satanás. A vitória de Jó foi uma derrota para ele. Em quase todo o livro, Deus se mantém em silêncio e oculto, mesmo o leitor tendo consciência que Ele está lá e que o seu silêncio fala alto. Por outro lado, o Diabo não aparece mais a partir do capítulo 3 e não é mais mencionado no restante do livro. Não é, pois, propósito do livro pô-lo em evidência, nem tampouco superestimar o mal. O Livro de Jó mostra que Satanás não conseguiu o seu intento, que era fazer com que Jó blasfemasse. – Na realidade, Satanás e as hostes das trevas são responsáveis diretos por muitos dos fenômenos inexplicáveis. Coerentes com os seus propósitos e com as suas naturezas, eles utilizam estes fenômenos para enganar os homens e para imprimir autoridade aos seus emissários. Ao examinarmos esses aspectos dos fenômenos, somos atingidos por muitas perguntas sobre Satanás, sobre o mal e sobre os seus espíritos. – “A Escritura revela o resultado certo do conflito entre o bem e o mal e a inevitável condenação de Satanás e suas hostes. Jesus viu uma figura desta derrota final de Satanás na vitória dos setenta sobre as forças do mal (Lc 10.18). Jesus afirmou que, “o fogo eterno” foi preparado “para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41). O livro de Apocalipse retrata o julgamento final executado sobre o diabo. No retomo de Cristo em glória, Satanás será confinado ao abismo sem fundo selado por 1.000 anos, durante este tempo a terra ficará livre de suas influências sedutoras e enganosas (Ap 20.1-3). No fim dos 1.000 anos Satanás estará livre de sua prisão e novamente reassumirá seu engano sobre os habitantes da terra com grande sucesso. Esta rebelião final será sumariamente esmagada pela ação divina e o diabo será lançado “no lago de fogo e enxofre” onde, com a besta e o falso profeta, “serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos” (20.7-10). Sua condenação será compartilhar a punição eterna com aqueles que ele enganou (20.12-14)” (MERRILL C. TENNEY. Enciclopédia da Bíblia. Editora Cultura Cristã. Vol. 1. pag. 487)

2. Jó e o testemunho de Deus. O Livro tem um início dramático, mas um final apoteótico. Jó foi submetido a uma prova de fogo, e mesmo sendo chamuscado pelas chamas do sofrimento, saiu vivo e vitorioso. Deus nunca o abandonou. A graça estava oculta, mas estava lá. No momento oportuno ela se manifestou (Jó 38.1). Da mesma forma que a graça de Deus se manifestou trazendo salvação a todos os homens (Tt 2.11), ela também se manifestou trazendo alívio, paz e livramento a Jó. Deus mesmo, no momento certo, testemunhou que Jó era o homem que Ele sempre disse que era: justo, reto e temente a Deus (Jó 42.7,8). – É interessante notar que, no início do livro, Deus se apresenta pelo Seu Nome sagrado YHWH (JAVÉ), o Senhor da aliança, todavia, nos capítulos 3 ao 37, o nome usado é El Shaddai, o Deus Todo-Poderoso. Isso é importante porque nos mostra que o relacionamento foi restaurado em termos profundos quando Deus revela-se a Jó usando o seu nome da aliança. Repetidas vezes Jó pediu que Deus comparecesse a um tribunal para comprovar a sua inocência. Deus finalmente veio para interrogar Jó a respeito de alguns comentários que ele havia feito a seus próprios acusadores. O Senhor estava prestes a se tornar o justificador de Jó, mas, primeiro, o levou a uma correta compreensão do seu ser. Em Jó 38.36 está o cerne da questão: A sabedoria de Deus que criou e sustenta o universo também está trabalhando no sofrimento de Jó. Cabe a Jó, em sua insignificância, crer e depender do Deus Todo-Poderoso. Jó precisava admitir sua fraqueza, inferioridade e incapacidade para até mesmo tentar desvendar a infinita mente de Deus. Tudo o que Jó precisava saber era que a sabedoria de Deus era superior, e seu controle soberano era total. - A resposta de Jó a Deus foi ''Sou culpado da acusação. Não direi mais nada” (40.3-5). Jó sabia que não deveria ter criticado o Todo-Poderoso. Sabia que não deveria ler insistido em sua própria compreensão. Não deveria ter achado que Deus era injusto. Assim, finalmente, limitou-se a ficar calado! Que belo testemunho e ensinamento para nós, que em meio a crises que sequer se comparam à situação enfrentada por Jó, cometemos os mesmos erros... - “Depois do que Jó escrevemos a respeito da maneira como Deus atendeu a Jó e de como ele foi solicitado a intervir como mediador dos seus três amigos, vale ressaltar que a sua elevação como líder espiritual foi bem maior que a sua elevação material. Qual teria sido, antes da sua doença, a atuação na sua tribo, não sabemos; apenas conjeturas, e nada mais. Agora estava creditado perante a sua comunidade como líder espiritual, como sacerdote, nos moldes antigos. Por quatro vezes foi ele louvado por Deus mesmo, como meu servo (vv. 7,8) (veja 1:8)” (Mesquita. Antônio Neves de,. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. Editora JUERP).

SUBSÍDIO BÍBLICO-TEOLÓGICO

“O termo hebraico (tam) usado na afirmação, este era homem sincero (perfeito, ou ‘íntegro’, ARA), é de grande interesse para os teólogos da santidade. O significado principal da raiz é plenitude de caráter. No caso de Jó, não significa perfeição no sentido absoluto. Jó afirma que ele é tam (27.5), mas ele também admite suas fraquezas humanas (9.1ss; 13.26). Jó mantém a integridade básica do seu caráter. Tudo faz parte de uma mesma disposição. Os olhos e o coração estão focados no que é íntegro (cf. Mt 6.22; At 2.46). O coração de Jó não está dividido (Sl 12.2). A vontade de Jó pertence a Deus e ele não abre mão disso (2.9,10; 27.5). Além de ser sincero (perfeito/íntegro), também lemos que Jó era reto e temente a Deus; e desviava-se do mal. Não havia falta em Jó. Ele preenchia todos os requisitos dos seus dias de um homem exemplar. Na narrativa, essas qualidades em Jó não constituem a avaliação de homens, mas sim, a do próprio Deus” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, pp. 27-28).

  CONCLUSÃO

O Livro de Jó, mesmo poeticamente, apresenta Satanás de forma real, e a partir da revelação divina na história bíblica. Dessa forma, Satanás é um ser dotado de personalidade. Ele possui grande conhecimento e age com perspicácia. Não deve, portanto, ser ignorado. Todavia, mesmo o livro tendo deixado esse fato em oculto, Jó sempre esteve debaixo das soberanas mãos de Deus. O Maligno não o tocou como quis, mas apenas da forma que Deus permitiu. Isso nos lembra a afirmação de João (1 Jo 5.18). Por isso devemos descansar em Deus. – Jó sempre esteve debaixo das soberanas mãos de Deus, a soberania de Deus é clara do início ao fim do livro! O Adversário age restringido pela soberania divina! – A ausência de uma revelação mais extensa e detalhada não significa que fomos deixados sem rumo num mundo que é caracterizado como o campo de atuação dos poderes satânicos. Vemos na realidade que, em harmonia com as demais verdades espirituais, Deus nos revelou a essência do que necessitamos para o nosso posicionamento espiritual e para a nossa peregrinação nesta terra. Os seguintes pontos são claros e derivados da Palavra de Deus: (a) Satanás é real (2 Co 11.3; 2 Tm 2.26). (b) Satanás interage com as pessoas (Gn 3.1-15) e com o próprio Deus (Jó 1.6-12). (c) Satanás possui anjos caídos que constituem o seu séquito maligno, emissários da morte e do engano, para corromper os homens (1 Tm 4.11). (d) A rebelião satânica contra Deus teve o seu ápice na primeira vinda de Cristo, quando ele tentou frustrar o plano eterno da redenção (Mt 4.1-11) e, através de intensa atividade, resistir à derrota iminente que o espera. (e) Satanás tem poder de realizar maravilhas (2 Co 11.14-15). (f) O poder de Satanás é restringido pelo Espírito Santo, por amor dos eleitos e pelo exercício da Graça Comum, que abrange a todas as criaturas. Deus permitirá uma última rebelião, antes da 2ª vinda de Cristo, que será quando "aquele que o detêm" (2 Ts 2.11) deixar que Satanás exteriorize todo o seu mal. (g) Apesar de limitado e passível de ser resistido pelos crentes, (Tg 4.7) Satanás não deve ser considerado com desprezo (Jd 8-10), mas deve ser respeitado como um potente adversário que não descansa e está sempre pronto a apanhar a sua presa (1 Pe 5.8-9). (h) A derrota de Satanás será pública, notória e final (Ap 12.9; 20.10). – A vitória sobre o pecado e Satanás é a terceira certeza cristã (1Jo 3.9; Rm 6.15-22). Deus protege o cristão de toda ação maléfica. Satanás, não toca, como João usa essa palavra ("toca") em 1Jo 5.18 e em Jo 20.17, sugerindo "prender" ou "agarrar" com o intuito de fazer mal. Uma vez que o cristão pertence a Deus, Satanás deve operar dentro da soberania de Deus e não pode ir além do que Deus permite, como no exemplo de Jó (Jó 2.5; Rm 16.20). Embora Satanás possa perseguir, tentar, provar e acusar o cristão, Deus protege seus filhos e estabelece limites definidos para a influência ou poder de Satanás (1Jo 2.13; Jo 10.28; 17.12-15).

REFERÊNCIAS

ANDRADE. Claudionor Corrêa de, Jó o Problema do sofrimento do justo e o seu propósito. Série Comentário Bíblico. Editora CPAD. p. 37-38.

BARBOSA, Francisco. Lição 3: Jó e a realidade de Satanás. Disponível em: https://auxilioebd.blogspot.com. Acesso em 16.10.2020

CHAMPLIN, Russell Norman, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol. 6: Hagnos. p. 102).

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó p. 3.  Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LIÇÕES BÍBLICAS. 4º Trimestre 2020 - Lição 3. Rio de Janeiro: CPAD, 11 outubro, 2020.

MESQUITA. Antônio Neves de. Jó Uma interpretação do sofrimento humano. São Paulo: JUERP, 2013.