sexta-feira, 23 de novembro de 2018

LIÇÃO 8: ENCONTRANDO O NOSSO PRÓXIMO


SUBSÍDIO I

INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA

A Parábola do Bom Samaritano tem sido alvo das mais diversas interpretações. São conhecidas na história diversas exposições sobre esta parábola, inclusive a realizada por Agostinho de Hipona, que procurava ver nesta uma representação da caminhada humana ao sair do Éden (Jerusalém), e tomar o caminho do Mundo (Jericó). Muitas destas interpretações servem-se do método alegórico para atribuir ao texto objetivos que o mesmo não tinha.
Tudo se inicia quando um jovem bem-sucedido, doutor da lei, procura Jesus para pô-lo à prova (ARA) ou tentá-lo (ARC), e o termo utilizado é ekpeirazo, que dá a ideia de colocar à prova o “caráter” de Cristo. Aquele jovem usando de ardil busca colocar o Mestre dos mestres em situação difícil, e quem sabe imaginando receber algum elogio o interroga dizendo: - como farei para herdar a vida eterna? 
Jesus não questiona aquele jovem sobre o conteúdo do primeiro mandamento, mas o questiona sobre sua exegese particular a respeito do mesmo. Jesus lhe pergunta: - como lês? Qual tua interpretação? De que forma você olha para este mandamento?
O jovem não entendendo apenas limita-se a responder recitando o mandamento tal qual escrito. Jesus então o chama à prática daquilo que bem conhecia e bem sabia recitar. Não bastaria para Jesus que aquele jovem soubesse o conteúdo do mandamento, importava para Jesus que ele soubesse interpretar corretamente e colocar o mandamento em ação em sua vida. O Senhor Jesus então vaticina: Faze isto e viverás. Coloque em prática, ame a Deus sobre todas as coisas, ame ao teu próximo como ame a ti mesmo, e então assim fazendo estarás apto à vida eterna.
A passagem de Lc 10.28 indica que o cumprimento da vontade de Deus produz vida: “E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás”. Keener destaca que “alguns textos da lei prometiam a vida para aquele que a mantivesse, e, essa ‘vida’ significava vida longa na terra que o Senhor dera, porém, mais tarde, os intérpretes judeus a leram como uma promessa de vida eterna”.  Jesus aplicou o termo “viverás” em referência à vida eterna.
Faze isto e viverás” encontra-se no “imperativo presente (continue fazendo isto, para sempre) e o futuro do indicativo ativo como resultado natural”. Robertson destaca que “havia apenas um problema com a resposta do doutor da lei, ou seja, ninguém nunca fez, nem poderá sempre fazer o que a lei estabelece, para com Deus e os homens, porque escorregar uma única vez é falhar. Assim, Jesus explica o problema honestamente para o doutor da lei que queria saber o que deveria fazer. Naturalmente, se ele observasse perfeitamente a lei, sempre, ele herdaria a vida eterna”.
Parece-nos que nos tempos de Jesus a hipocrisia humana, que faz com que homens conhecedores não sejam praticantes do próprio conhecimento, já estava bem presente na sociedade judaica. Diversos foram os embates de Cristo com fariseus e saduceus exatamente por tal comportamento.
Não satisfeito, o jovem doutor interroga Jesus sobre quem seria o seu próximo. Quem sabe imaginasse que dos lábios de Jesus sairiam palavras que remeteriam a um próximo muito amado, às pessoas queridas, às pessoas amadas e amáveis. Quem sabe imaginasse o moço que Jesus diria que o próximo é quem nos faz bem. É então que a parábola vem a lume. Robertson destaca que o jovem doutor “querendo justificar-se a si mesmo, viu imediatamente que tinha se condenado, ao fazer uma pergunta cuja resposta já conhecia, assim, no seu embaraço, ele faz outra pergunta, para mostrar que ele tinha alguma razão, no início”.
Jesus responde ao jovem que as tradições e a religiosidade não podem nos dizer quem é o nosso próximo. O jovem que sai de Jerusalém para Jericó está caído e ferido e o levita não viu nele seu próximo, o sacerdote também não, mas o samaritano surpreendentemente assim o vê. Surpreendentemente porque jamais um Judeu praticante da lei como aquele jovem enxergaria nos “impuros”, nos “misturados”, nos “híbridos” samaritanos, alguém próximo seu. Jesus, no entanto, assim o vê e aquele jovem doutor faz ver também.
Lockyer destaca que “os samaritanos não eram puros em termos raciais, mas uma mistura de judeu e gentio; por isso, eram odiados pelos que tinham o sangue integral do grupo étnico judaico, e, embora os dois grupos morassem próximos uns dos outros, não se consideravam e nem se tratavam como próximos no sentido moral da palavra”.5 Este autor destaca também que “o doutor da lei deve ter ficado bastante surpreso, quando Jesus apresentou o samaritano como a única pessoa que se dispôs a ajudar aquele judeu indefeso, na estrada solitária e perigosa. O homem que ajudou o pobre necessitado foi exatamente o que ele menos esperava que o faria”.
Champlin destaca que a parábola do bom samaritano foi dada a fim de ilustrar o importantíssimo mandamento da lei: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’, e assim, ensina quatro lições: “(a) Jesus ensina aqui um importante princípio da ética humanitária. O próximo pode ser uma pessoa inteiramente desconhecida. (b) O “próximo” pode ser de uma raça diferente, e até mesmo desprezada. (c) O “próximo” pode ser pessoa de outra religião, até mesmo conhecida como herética. (d) Contudo, os cuidados de Deus por toda a humanidade devem manifestar-se na vida de todos quantos são chamados pelo nome”.

Texto extraído da obra: As Parábolas de Jesus: As verdades e princípios divinos para uma vida abundante. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2018

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO II

INTRODUÇÃO

Em diversos momentos, Cristo aplicou-se a fazer com que as pessoas compreendessem que seu Reino não era deste mundo (Jo 18.36), ou seja, que as lógicas, o modo de pensar e de agir deste mundo não se coadunam com o Reino celestial. A conhecida parábola do “bom samaritano”, sem sombra de dúvidas, é um destes momentos preciosos, no qual o Mestre serviu-se deste método didático para trazer aos seus discípulos, e a todos quanto o ouviam e, por extensão, a nós, um novo conceito sobre “quem” é o nosso próximo e como devemos proceder em relação a ele.
Os rabis judeus, como alguns teólogos e estudiosos da Bíblia de hoje, gostavam de debater pontos importantes e delicados da doutrina, e esse intérprete (estudiosos da lei do Antigo Testamento) queria ouvir o que Jesus tinha a dizer a respeito do assunto. Ficamos com a impressão de que o homem não buscava a verdade, mas apenas queria envolver Jesus em um debate que ele esperava vencer. O intérprete mostrou-se evasivo quando o assunto se voltou para o enfrentamento honesto da verdade e a obediência a ela. Nossa maior responsabilidade é obedecer ao mandamento mais importante, o qual o intérprete cita com exatidão a partir de Levítico 19.18 e Deuteronômio 6.5. Todavia, não podemos amar a Deus e ao nosso próximo com perfeição até termos o amor do Senhor em nosso coração (Rm 5.5; 1Jo 4.19). Como podemos sequer esperar agradar a Deus se não conseguirmos guardar o principal mandamento (Mc 12.28-34)? É muito importante saber que somos salvos pela fé, não por guardar a Lei, mas, uma vez que a pessoa seja salva, pode depender do Espírito para ajudá-la a encher seu coração de amor. Jesus apresenta a parábola do bom samaritano em resposta à pergunta evasiva do intérprete. A expressão “Defina seus termos” é uma velha cilada dos intérpretes e debatedores. Jesus, em vez de envolver-se com termos abstratos, apresenta um caso concreto, e o intérprete entendeu o ponto. Não devemos “espiritualizar” essa parábola e transformá-la em uma alegoria da salvação. O ponto é apenas que seu próximo é qualquer pessoa que precise de ajuda, qualquer pessoa que você possa ajudar. O “herói” da história é o samaritano que cuidou do judeu, mas o sacerdote e o levita — trabalhadores religiosos profissionais — não são heróis de forma alguma. A pergunta a que devemos responder não é: “Quem é nosso próximo?”, mas: “De quem eu posso ser o próximo?”

I. A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO
                                                                 
1. Uma parábola com diversas interpretações. A parábola do bom samaritano, ao longo da história, tem sido alvo das mais diversas interpretações. Muitas e conhecidas são as exposições sobre esta parábola, inclusive algumas famosas e realizadas por grandes vultos da história cristã, que procuravam ver, por exemplo, nesta narrativa uma representação da caminhada humana ao sair do Éden (Jerusalém), e tomar o caminho do mundo (Jericó). Muitas destas interpretações servem-se do método alegórico para atribuir ao texto alguns objetivos que ele não tem.
Quem possui um conhecimento mínimo dos princípios hermenêuticos básicos, logo perceberá que essa é uma interpretação extremamente alegórica da parábola em foco. Porém, importa destacar que esse tipo de interpretação é, ainda hoje, a adotada por muitos cristãos. Mas, será que tal passagem bíblica quer dizer isso mesmo? O que se segue é uma análise da parábola, tendo como pano de fundo o contexto histórico – cultural sob o qual ela foi escrita. Inicialmente, é preciso notar que, apesar da parábola propriamente dita começa no v. 30 da referência acima indicada, a sua análise deverá ser feita a partir do v. 25, que é de onde extraímos o contexto mais geral para a sua interpretação. Nesse verso, nos é dito que numa dada ocasião se levantou um doutor da lei (provavelmente um fariseu), chamou Jesus de mestre, e lhe fez uma pergunta um tanto maliciosa. A pergunta foi: “que farei para herdar a vida eterna?”. No v. 26, Jesus responde essa questão com outra pergunta: “que está escrito na lei? Como lês? Como interpretas?”. No v. 27, o referido doutor da lei responde a pergunta de Jesus da seguinte maneira: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Jesus imediatamente o elogia e determina que, se ele quisesse obter a vida, deveria fazer exatamente isso (v. 28). Entretanto, como nos diz o v. 29, o doutor, querendo justificar-se, propõe outra questão ao mestre: “e quem é o meu próximo?”. É exatamente a partir dessa pergunta que Jesus conta a conhecida “ parábola do bom samaritano””. (Texto de Gerson Júnior, doutorando em filosofia na Universidade de Lisboa, e professor nos cursos de administração e teologia da Faculdade de Teologia Integrada – FATIN).

2. Pondo Jesus à prova ou “tentando-o”. O Mestre conta essa parábola porque um doutor da Lei, bem-sucedido, procura-o para “pô-lo à prova” (ARA) ou “tentá-lo” (ARC), conforme consta no versículo 25.0 termo grego utilizado oferece a ideia de colocar à prova o “caráter” de Cristo. Isso mostra que aquele homem, de maneira ardilosa, busca colocar o Mestre dos mestres em situação difícil e, quem sabe imaginando receber algum elogio, o interroga dizendo: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (v.25).
A parábola do Bom Samaritano inicia-se exatamente a partir do versículo 30, mas sua análise deve iniciar a partir do versículo 25 para chegarmos a uma perfeita interpretação. Nesse verso, nos é dito que numa dada ocasião se levantou um doutor da lei (provavelmente um fariseu), dirigindo-se a Jesus o chamou de mestre e lhe fez uma pergunta maliciosa: “que farei para herdar a vida eterna?”. A parábola então é a resposta à uma segunda pergunta maliciosa: “e quem é o meu próximo?”. É exatamente a partir dessa pergunta que Jesus conta a parábola do bom samaritano e critica a falsa religiosidade tão evidente na seita dos Fariseus. A falsa religiosidade é o ato de apenas ter uma religião, praticar rituais ou aparentar ser um crente. É a hipocrisia, a falsidade. O sacerdote e o levita deveriam exercitar seu amor por alguém que precisava, já que tinham o conhecimento da vontade de Deus.

3. “Como lês?” Jesus, como é de costume, “responde” com outra pergunta (v.26). Ao perguntar sobre o conteúdo do mandamento, Jesus não questiona aquele doutor para ver se ele o conhecia, isto é, sua pergunta demonstra interesse na forma particular de interpretação do mandamento por parte daquele homem. Jesus quer saber como o doutor lê, como o interpreta e de que forma olha para o mandamento. O homem não compreendendo limita-se a responder recitando o mandamento tal como está escrito (v.27). Percebendo Jesus que o homem conhecia muito bem o texto a ponto de recitá-lo, o Mestre então o chama à prática (v.28). Para Jesus não bastava que aquele doutor soubesse o conteúdo do mandamento, antes, ao Mestre importava que o homem soubesse interpretar corretamente e, muito mais importante, colocar o mandamento em ação em sua vida. Por isso, o Senhor Jesus diz: “faze isso e viverás” (v.28).
No versículo 27, o doutor da Lei responde a pergunta de Jesus da seguinte maneira: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Jesus imediatamente o elogia e determina que, se ele quisesse obter a vida, deveria fazer exatamente isso (v 28). O doutor da Lei respondeu à pergunta de Jesus citando Deuteronômio 6.5, um texto que era recitado duas vezes ao dia por todo judeu fiel. Este texto resumia o padrão ético central da Lei. O doutor também aludiu a Levítico 19.18. O fundamento da resposta do homem é uma expressão de lealdade e devoção que também pode ser vista como a demonstração natural de fé, visto que a pessoa por completo — o coração, a alma, as forças e o entendimento — está envolvida. O tema do amor a Deus é desenvolvido nos versículos 38 a 42, com sua ênfase na devoção a Jesus, e em Lucas 11.1-13, onde os discípulos são instruídos a serem devotos a Deus em oração. Entenda que ao elogiar o doutor da Lei e exortá-lo a fazer o que conhecia, Jesus não estava dizendo que a retidão é o resultado das obras. Ele dizia que o amor e a obediência a Deus são as consequências naturais quando se coloca a fé no Senhor. Aqueles que acreditam em Jesus e seguem-no receberão recompensas eternas. Jesus estabeleceu este princípio a Pedro em Mateus 19.27-30.

4. Questão principal. Não satisfeito, o doutor da Lei quer saber de Jesus “quem” seria o seu próximo (v.29). Pode ser que ele até tenha imaginado que Jesus revelaria o nome de um ente querido ou um amigo muito amado. Quem sabe imaginou que Jesus diria que o próximo é apenas quem nos faz bem. É neste contexto então que a Parábola é contada pelo Senhor. Jesus, ao contar a parábola, deixa claro que as tradições e a religiosidade não podem ensinar-nos acerca de quem é o nosso próximo. O homem que desceu de Jerusalém para Jericó estava caído e ferido (v.30), porém, o sacerdote não o viu como seu próximo e o levita também não (vv.31,32), mas o samaritano, surpreendentemente, assim o enxergou (v.33). Surpreendentemente porque jamais um judeu praticante da Lei, como aquele doutor, enxergaria nos “impuros” e “mestiços” samaritanos, alguém próximo seu. Jesus, no entanto, assim o vê e quer que aquele doutor da Lei veja também.
 Lucas deixa claro que o doutor estava tentando colocar-se em posição de satisfazer as mais altas exigências da Lei. E quem é o meu próximo? Esta pergunta era uma tentativa de limitar as demandas da Lei pela sugestão de que algumas pessoas seriam identificadas como o próximo e outras não. O doutor da Lei estava buscando a obediência mínima, enquanto Jesus queria a obediência absoluta.” (BIBLIOTECA BIBLICA). Para entender porque judeus não se davam com samaritanos. No versículo 36, Jesus pergunta ao doutor da lei: “qual desses três te parece que foi o próximo do homem caído”? O doutor, encurralado, responde: “o que usou de misericórdia para com ele”. Então disse Jesus: “vai e faze da mesma maneira”.



SUBSÍDIO EXEGÉTICO
                               
“Jesus poderia ter enfatizado ao doutor da lei que a vida eterna é um dom de Deus, mas ele não tenta corrigir o pensamento do doutor da lei. Ele sonda a compreensão que este perito tinha da lei, perguntando: ‘Que está escrito na lei? Como lês?’ Sabendo que o homem era perito na lei de Moisés, Jesus pergunta como ele entende as Escrituras. O doutor da lei responde unindo os mandamentos de amar Deus de todo o nosso ser (Dt 6.5) e amar o próximo como a nós mesmos (Lv 19.18). Jesus concorda com a análise, mas o doutor da lei avança e se concentra na questão do ‘próximo’ (plesion). Os judeus limitavam o significado do termo próximo aos integrantes da própria nação, exceto os samaritanos e estrangeiros ([...]). Jesus redefine a palavra, ampliando seu significado. O amor do próximo cresce por amor a Deus e deve ser igual ao nosso amor por nós mesmos” (ARRINGTON, F. L. In ARRINGTON, French L.; STRONDAD, Roger (Eds.). Comentário Bíblico Pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, pp.387-88).

II. COMPAIXÃO E CARIDADE SÃO INTRÍNSECA À FÉ SALVADORA

1. Compaixão. A parábola, como um todo, é marcante, mas um momento indispensável em qualquer reflexão sobre ela está no versículo 33, quando o Mestre diz que o samaritano “chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão”. A “compaixão” aqui se refere a um sentimento intenso que causa tanto incômodo a ponto de alterar não apenas a consciência, ou o pensamento, mas também o aspecto físico, pois o texto diz que o samaritano “moveu-se”.
Compaixão é um sentimento típico dos seres humanos e que se caracteriza pela piedade e empatia em relação à tristeza alheia. A compaixão desperta a vontade de ajudar o próximo a superar os seus problemas, consolando e dando suporte emocional”.
A benignidade do Senhor jamais acaba, as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade.” (Lm 3.22-23) As misericórdias de Deus provêm de Seu amor incondicional e tem como resultado a compaixão.
O Evangelho registra que Jesus, em suas andanças “por todas as cidades e povoados”, ao ver as multidões, tinha compaixão delas “porque estavam aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9.35-38). Pouco adiante, Mateus volta a registrar: “Quando Jesus saiu do barco e viu tão grande multidão, teve compaixão deles e curou os seus doentes” (Mt 14.14). Jesus mesmo expressa verbalmente esse sentimento por ocasião da segunda multiplicação de pães e peixes: “Tenho compaixão desta multidão” (Mt 15.32). Porque Jesus não só enxergava, mas também se compadecia do sofrimento alheio, muitos clamavam e gritavam diante dele: “Filho de Davi, tem misericórdia de nós”. É o caso dos dois cegos (Mt 9.27), da mulher cananéia cuja filha estava endemoninhada e sofrendo muito (Mt 15.22), do homem cujo filho também estava endemoninhado e era jogado ora no fogo ora na água para ser morto (Mc 9.22), do cego Bartimeu, que pedia esmola numa rua de Jericó (Mc 10.47). A compaixão de Jesus pelo sofrimento alheio ia muito além do mero sentimento. Ele se entregava ao ministério de aliviar os outros de suas dores. O povo lhe trazia “todos os que estavam padecendo vários males e tormentos: endemoninhados, epiléticos e paralíticos” e ele os curava (Mt 4.23-25)”. (ULTIMATOONLINE)

2. Cuidado. O versículo 34 diz que o samaritano “aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou- -o para uma estalagem e cuidou dele”. Essa ação toca no aspecto da prática do amor, isto é, o cuidado, contida no mandamento, pois este ordena: “Amarás ao Senhor, teu Deus […] e ao teu próximo como a ti mesmo” (v.27 cf. Lv 19.18). 0 amor de que trata o mandamento, não é retórico e muito menos platônico, isto é, existindo apenas no mundo das ideias. Deus nos mostra e exemplifica o amor verdadeiro no texto de João 3.16 quando diz que “amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. A expressão grega para dizer que Deus amou, neste texto, foi agapao, que se refere ao amor prático, um amor que se comove, um amor que se enche de íntima compaixão. Ensina-nos que não basta dizermos que amamos, e nem mesmo apenas amarmos, há que se avançar para o segundo estágio que é a prática do cuidado (1Jo 3.16-18). Não há demonstração de cuidado sem prática, assim como não há amor sem compaixão.
O Novo Testamento foi escrito em língua grega, o idioma dominante naqueles dias. No grego antigo encontramos quatro vocábulos conceituais que foram traduzidas para o português como ‘amor’: Ágape, Philia Eros e Storge – cada um destes vocábulos possuem conceitos diferentes (Veja aqui o conceito de cada uma delas). Na língua portuguesa, usamos a palavra amor para descrever alguns sentimentos e atitudes distintas. Por exemplo, usa-se ‘amor’ tanto para o amor entre irmãos ou amigos como para o amor mais erótico entre um casal, apesar de serem tipos de amor totalmente diferentes. Paulo afirma em 1º Coríntios 13.8 que o amor é a força mais poderosa deste mundo. O resumo escriturístico é que Deus é amor, sendo este uma característica fundamental de Deus. Nada é mais valioso que o amor. Mas ao se tratar deste amor característico de Deus e que é exigido dos seus filhos, a palavra que mais se aproxima em nossa língua, embora tenha perdido a sua força no decorrer dos anos, é ‘caridade’; isso porque ‘Ágape’ significa o amor perfeito e incondicional, que não depende de empatia, de sentimentos. Paulo discorre em 1º Coríntios 13.4-7 sobre esse tipo de amor: altruísta, justo, verdadeiro e paciente. O amor perfeito (ágape) nunca acaba. Esse é o tipo de amor que está acima de todos os outros; É uma decisão, uma escolha incondicional de amar e fazer o bem ao outro. Deus demonstra esse amor perfeito por nós ao nos oferecer a salvação, sem merecermos, e nos ensina a oferecer o mesmo tipo de amor a todas as pessoas à nossa volta.

3. Caridade. O samaritano da parábola não apenas aproxima-se do homem que está ferido à beira do caminho e nem somente se compadece dele, mas decide curá-lo, dar-lhe atendimento de emergência e conduzi-lo a uma estalagem (v.34). Já na estalagem, o samaritano recomenda ao hospedeiro que cuide do homem, pois ele prosseguiria sua viagem e, quando voltasse, pagaria qualquer despesa que tivesse sido gerada (v.35). Tais atitudes são uma clara demonstração de amor, ou seja, o amor do samaritano ao próximo foi expresso em atitudes e ações, ao ponto de se comprometer até mesmo com os gastos que seriam gerados com a hospedagem do homem ferido. Para Cristo, só existe realmente caridade se houver demonstração de amor, pois no texto de João 3.16 não diz apenas que Deus “amou”, mas também que Ele “deu” o seu Filho. A evidência de que Deus ama é demonstrada pela sua compaixão pelo mundo perdido. Deus se compadece e mostra isso na prática (Rm 9.16).
Note como o comentarista emprega o vocábulo ‘caridade’: “se compadece”; “decide curá-lo”. O termo português ‘caridade’ tornou-se desgastado, perdeu seu sentido real ao passar dos anos. Diferente da época quando pastor calvinista João Ferreira de Almeida (1681) traduziu a Bíblia para a língua portuguesa. Naquela época, ‘caridade’ traduzia bem o termo ‘ágape’; hoje, caridade é sinônimo de esmolar.
A palavra ‘caridade’ tem sua origem no Latim, de um termo que significava ‘afeto ou estima’, CARITAS. Este termo latino, por sua vez, é derivado de outro CARUS, que significava ‘agradável, querido’. Este último deu origem também ao termo ‘caro’, quando se refere a alguém que se tem afeto, como em ‘caro amigo’” (GRAMATICANET). Caridade é a boa disposição do ânimo para com todas as criaturas; pena que se sente pelos sofrimentos alheios. A palavra caridade também está relacionada com “fazer bem.” Caridade é algo que expressa ação e não apenas sentimento. Do ponto de vista teológico digo que a tradução para caridade é mais adequada, pois o amor de Deus por nós foi representado pela ação (Jo 3.16). E do mesmo modo só demonstramos que temos o amor que é um mandamento, através de ação. Quando transformamos amor em ação (caridade) cumprimos o ensinamento de Jesus em Mateus “Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste.” (Mt 25.40).

III. O NOSSO PRÓXIMO É QUALQUER PESSOA NECESSITADA

1. O “próximo”. Na Parábola, quem se fez “próximo” do homem ferido foi uma pessoa que o doutor da Lei teria como completamente indigna de receber sua atenção e cuidados, visto que judeus e samaritanos nutriam recíproco sentimento de desprezo e quase ódio. Não havia para aquele doutor exemplo mais doloroso para Cristo utilizar-se. Isso fica demonstrado quando, ao final da narrativa, Jesus pergunta ao doutor da Lei qual dos três havia sido o “próximo” do homem que foi espancado pelos salteadores (v.36) e este se limita a responder: “O que usou de misericórdia para com ele” (v.37). Ou seja, ele sequer diz que foi o “samaritano”. Mesmo assim, a palavra de Jesus, visando responder a pergunta inicial (v.25), foi que o doutor da Lei fizesse o mesmo. Da mesma forma devemos colocar em prática o amor que afirmamos ter a Deus sobre todas as coisas, e ao nosso próximo, pois só assim fazendo estaremos aptos à vida eterna. Infelizmente, nos tempos de Jesus a hipocrisia humana, que faz com que homens conhecedores não sejam praticantes do próprio conhecimento, já estava bem presente na sociedade judaica. Por isso, Jesus teve diversos embates com os doutores da Lei (Mt 23.1-36).
Nesta parábola, Jesus toca na ferida do doutor da Lei. Ora, durante cerca de 800 anos os judeus não se davam com os samaritanos, porque em 722, Salmanezer ou Sargão II, reis da Assíria tomara Samaria e substituíram seus habitantes por babilônios e sírios, que trouxeram suas tradições, crenças religiosas contrárias às dos judeus e ali nasceu uma espécie de ‘judaísmo misturado’. Os samaritanos eram inimigos dos judeus, um foco purulento incrustado no seu território. Eram considerados como cães e assim chamados pelos judeus; Note como Paulo utiliza a palavra “cães” com a mesma ironia que os Judeus chamavam os gentios de cães (Mt 15.26). Em Filipenses, ele aplica o sentido de “cães”, aos judaizantes, que na comunidade atrapalhavam o crescimento em Jesus Cristo, querendo um retorno a pratica a lei judaica com todos os seus preceitos. Será que aquele mestre da Lei teria um samaritano como seu próximo? Na concepção cristã, o nosso próximo não está limitado à nossa família, nossas amizades, nossa raça. Nosso próximo é todo aquele que necessita de auxílio e quem podemos ajudar. A parábola nos ensina que a verdadeira religião é a prática do amor. É crer fazendo. É viver o que crê, e fazer o bem que se deve fazer. Tiago diz: "A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações." (Tg 1.27).

2. Ajudar ao próximo não salva, mas é algo que deve ser feito por quem é salvo. Nesta parábola, Jesus não quer afirmar que o samaritano pudesse alcançar a salvação por causa de sua beneficência e de sua atitude amorosa. Jesus apenas está respondendo à pergunta formulada pelo professor da Lei. É importante salientarmos que fazer obras de caridade não leva ninguém à salvação (Ef 2.8,9). Contudo, os verdadeiros filhos de Deus são “feitos” para as boas obras, isto é, as realizam naturalmente (Ef 2.10; Tg 2.14,17). Assim, Cristo mostra ao mestre da Lei que uma pessoa sincera soluciona facilmente essa questão que, aos olhos daquele homem, parecia tão complexa.
No Cristianismo o fato de fazer caridade não nos garante crédito no céu; mas é uma demonstração de que somos de fato cristãos – parecidos com Cristo. Quando Jesus terminou de contar esta história do bom Samaritano, disse para o doutor da lei: "Vai e procede tu de igual modo, e mais,... faze isto e viverás." (Lc 10.37-38). Em Efésios 2.8-9, Paulo afirma que a salvação é pela graça, mediante a fé. Ele acrescenta claramente que as obras não fazem parte do processo da salvação para que “ninguém se glorie”. As obras, como defende Tiago, têm o seu papel, não de salvar, mas são decorrentes da fé (são frutos): “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Ef 2. 10). As boas obras devem fazer parte da vida do salvo, mas não são o agente da salvação.

3. A medida do amor para com o necessitado. A medida do amor para com o próximo não deve ser estabelecida com base nas diferenças de nacionalidade, de confissão religiosa ou do grupo social, mas unicamente com base na necessidade do outro. O próximo que se encontra em uma situação de emergência e precisa que algo seja realizado por ele naquele momento, não pode esperar qualquer análise ou palavra “motivacional” (Tg 2.14-16). Por isso, estamos falando em ações concretas, ajudas materiais, assim como na parábola contada por Jesus.
Em Tiago 2.14-26, a insistência do apóstolo para que os cristãos pratiquem a palavra de Deus, e não apenas a ouçam, e sua exigência das obras como partes integrantes da fé, compõem esta ênfase. A obediência à “lei da liberdade”, a exigência de Deus resumida por Jesus, deve ser sincera e coerente. E esta obediência tem um importante aspecto social. O mandamento para que amemos nosso próximo como a nós mesmos é a “lei régia” (2.8). Tiago insiste em que “a religião pura e sem mácula” deve se manifestar no cuidado para com os desprivilegiados e menos favorecidos (“visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações”, 1.27) e numa atitude altruísta e mansa diante dos outros (3.13-18). O favoritismo demonstrado aos ricos transgredi a “lei régia” (2.1-7), assim como também a maledicência (4.11-12).

4. Sendo o próximo. O doutor da Lei havia perguntado quem era o próximo dele (v.29). Na resposta de Jesus, a pergunta é inversa, ou seja, de quem eu posso, ou devo, ser o próximo? (v.36). A questão colocada pelo doutor da Lei não continha nenhum interesse ou compromisso em ajudar de verdade. Já a indagação de Jesus forçava-o a pensar acerca dessa obrigação. De acordo com o ensinamento de Jesus, o que fica claro é que o “próximo” trata-se de qualquer pessoa que se aproxima de outras com amor verdadeiro e generoso sem Levar em conta as diferenças religiosas, culturais e sociais. Jesus retoma a pergunta inicial e conclui dando uma resposta inesperada, pois o caminho proposto por Ele é pautado no amor, com demonstrações práticas, para com todos os homens (Lc 10.37). O coração cheio de amor fala e age de acordo com a consideração do Mestre, perguntando sempre de quem eu posso ser o próximo, ou seja, a quem devo socorrer.
Muitos dizem ser discípulos de Cristo, mas estão distantes das virtudes bíblicas. Estes não evidenciam sua fé por intermédio de suas atitudes. Os pseudodiscípulos visam os seus interesses particulares e não a glória de Deus. Precisamos urgentemente priorizar o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6.33). Tiago nos ensina, assim como João Batista (Lc 3.8-14), que precisamos produzir frutos dignos de arrependimento” (3Trim2014_Lição 1: Tiago — A fé que se mostra pelas obras).
Observe como o samaritano ama: “Ele o viu” (Lc 10.33) - o sacerdote e o levita também, mas não demonstraram amor. Ele viu e reconheceu a necessidade urgente de resgatar esse homem. Ele assumiu o fardo do homem ferido como se fosse o seu próprio – isso é o amor de Deus, isso é o significado do termo ágape.

SUBSÍDIO DIDÁTICO

Conforme estamos aprendendo, auxiliar as pessoas necessitadas é também parte da missão da Igreja de Jesus Cristo. Proponha aos alunos a visita a uma instituição de assistência social (orfanato, asilo, abrigo, etc.) e instrua-os acerca do compromisso que temos, não apenas coletivo, mas também individual, de agir de forma solidária para com o nosso próximo. Tal visita pode ser feita em áreas carentes da cidade ou mesmo no centro das grandes cidades onde se abrigam, embaixo das marquises, uma grande quantidade de moradores de rua, inclusive, idosos e crianças. Há muito por fazer e seria interessante que não ficássemos apenas com a reflexão em sala de aula, mas saíssemos das “quatro paredes” da Escola Dominical transformando em prática àquilo que estamos aprendendo bíblica e teologicamente em sala.

CONCLUSÃO

A parábola estudada na lição de hoje foi uma “história-exemplo”, pois se trata de um mandamento de amar e exercitar a misericórdia para com o próximo. Aqui aprendemos que o amor não aceita limites na definição de quem é o próximo. Enquanto todas as sociedades e seus segmentos sociais acabam levantando barreiras para separá-las das demais pessoas, os discípulos de Cristo devem olhar para os seres humanos com igualdade, pois o próprio Deus não faz acepção de pessoas (At 10.34).
A melhor maneira que existe de demonstrar que realmente amamos a Deus é amando a todas as pessoas, independente de quem sejam. Mesmo aquelas que não são nossos amigos, ou que pensamos que não merecem nossa atenção, como foi o caso do bom samaritano. Nós mesmos somos naus e apesar desta condição do nosso homem interior, Deus nos ama. Demonstrar amor aos demais não é só falando e nem ajudando somente quem conhecemos e a quem gostamos. Demonstrar amor é ajudar mesmo aqueles a quem detestamos por suas práticas e conduta. Em 1 João 3.18 está escrito “filhinhos, não amemos apenas de palavras e de boca, mas de fato e de verdade”. A parábola do bom samaritano foi dada a fim de ilustrar o importantíssimo mandamento da lei: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”.

Achando-se as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome sou chamado, ó Senhor Deus dos Exércitos”. (Jeremias 15.16)

Francisco Barbosa
Disponível no blog: auxilioebd.blogspot.com.br

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

LIÇÃO 7: PERDOAMOS PORQUE FOMOS PERDOADOS


SUBSÍDIO I

INTERPRETANDO A PARÁBOLA

O capítulo 18 de Mateus traz os ensinos de Jesus sobre a conduta dos seus discípulos como membros da nova comunidade trazida à existência por meio da mensagem evangélica de Cristo. O Reino de Deus possui valores essencialmente diferentes daqueles que caracterizam as instituições terrenas e as organizações desse mundo. Lembre-se de que nesse reino os humildes são os verdadeiramente grandes: “Naquela mesma hora, chegaram os discípulos ao pé de Jesus, dizendo: Quem é o maior no Reino dos céus? E Jesus, chamando uma criança, a pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no Reino dos céus” (Mt 18.1-4).
No Reino de Deus, o inferior e mais apagado súdito leal a seu Rei possui valor infinito. A suprema ofensa na comunidade messiânica é quando os fortes e os dominadores tornam o discipulado dos irmãos fracos e sensíveis, mais difícil: “Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por causa dos escândalos. Porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” (Mt 18.6,7).
De igual modo, mostrar desprezo pelos irmãos em Cristo é algo inaceitável: “Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido” (Mt 18.11). Depois temos a pergunta realizada por Pedro e a parábola propriamente dita. A parábola quer demonstrar o perdão de Deus; a necessidade de que os homens perdoem em função de Deus nos perdoar. Para finalizar, ela adverte a respeito do juízo divino sobre aqueles que se negam a perdoar. Lockyer destaca que “Cristo ensinou que quanto mais formos inocentes naquilo em que admitimos ter errado, mais poder teremos para curar tal desvio e mais seremos responsáveis em fazê-lo, assim, tanto o que comete o erro, como o que o sofre, ambos deveriam acabar com a contenda”. De igual modo, mostrar desprezo pelos irmãos em Cristo é algo inaceitável: “Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido” (Mt 18.11). Depois temos a pergunta realizada por Pedro e a parábola propriamente dita. A parábola quer demonstrar o perdão de Deus; a necessidade de que os homens perdoem em função de Deus nos perdoar. Para finalizar, ela adverte a respeito do juízo divino sobre aqueles que se negam a perdoar. Lockyer destaca que “Cristo ensinou que quanto mais formos inocentes naquilo em que admitimos ter errado, mais poder teremos para curar tal desvio e mais seremos responsáveis em fazê-lo, assim, tanto o que comete o erro, como o que o sofre, ambos deveriam acabar com a contenda”.1
Parece que Pedro estava pensando a respeito do que Jesus havia dito sobre um irmão que peca “contra ti” (Mt 18.15). A pergunta do apóstolo parece simples, mas traz um pano de fundo judaico. Pedro quer saber quantas vezes deve perdoar aquele irmão. Talvez sentiu-se generoso ao sugerir: “Até sete?”. Pode ser que o significado dos números que encontramos aqui esteja relacionado ao fato de que os discípulos de Jesus têm de ser misericordiosos na medida em que Lameque ameaçou não ter misericórdia (Gn 4.24), 490 vezes em lugar de 7. Na tradição judaica posterior, a tradição rabínica não exigia que alguém perdoasse mais do que três vezes.
A resposta do Mestre deve ter perturbado Pedro. Mas lembre-se de que Jesus está utilizando-se de uma hipérbole. Não devemos entender isso num sentido matemático preciso. “A hipérbole caracteriza-se pelo exagero de uma ideia com o objetivo de expressar intensidade, assim, constitui-se uma figura de linguagem construída através do uso intencional de uma palavra ou expressão exagerada em si mesma ou pelo uso de um termo que é exagerado em relação ao contexto”.2 O quadro abaixo apresenta alguns exemplos de hipérbole na Bíblia Sagrada.

Dt 1.28
Para onde subiremos? Nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso coração, dizendo: Maior e mais alto é este povo do que nós; as cidades são grandes e fortificadas até aos céus; e também vimos ali filhos dos gigantes.
Sl 6.6
Já estou cansado do meu gemido; toda noite faço nadar a minha cama; molho o meu leito com as minhas lágrimas.Sl 119.136 Rios de águas correm dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei.
Lm 3.48
 Torrentes de águas derramaram os meus olhos, por causa da destruição da filha do meu povo.
Mt 5.29
Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno.
Mt 7.3
E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu olho?
Jo 21.25
Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e, se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém!
1Co 3.12
Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido.

Jesus ensina a perdoar quantas vezes forem necessárias, mas que isso também deve ser feito de coração. Devemos perdoar com liberalidade e com sinceridade. Os servos de um rei eram oficiais de alta posição a serviço do imperador. Alguns deles, muitas vezes, em determinadas ocasiões, podiam tomar grandes quantias de dinheiro emprestadas do tesouro imperial. Nesta parábola, a quantia mencionada por Jesus é, mais uma vez, deliberadamente dada com exagero. É uma hipérbole que visa tornar mais vívido o contraste com o segundo débito – cem dinheiros.Jesus ensina a perdoar quantas vezes forem necessárias, mas que isso também deve ser feito de coração. Devemos perdoar com liberalidade e com sinceridade. Os servos de um rei eram oficiais de alta posição a serviço do imperador. Alguns deles, muitas vezes, em determinadas ocasiões, podiam tomar grandes quantias de dinheiro emprestadas do tesouro imperial. Nesta parábola, a quantia mencionada por Jesus é, mais uma vez, deliberadamente dada com exagero. É uma hipérbole que visa tornar mais vívido o contraste com o segundo débito – cem dinheiros.
É difícil achar um equivalente no sistema monetário moderno, mas o Comentário Beacon compara um talento com cerca de “dez milhões de dólares” americanos. Trata-se de uma dívida impagável. O que Cristo quer ensinar é a completa falta de esperança de pagarmos o incomensurável débito que geramos por causa de nossos pecados, até que ele fosse perdoado gratuitamente por Deus, por intermédio da morte de Cristo na cruz do Calvário.
Agora o Senhor passa para outro personagem. Ele tem uma dívida de “cem dinheiros” para com aquele cuja dívida era impagável. Cem denários trata-se de uma moeda romana. Mais uma vez o Comentário Beacon faz uma atualização e o atualiza para “vinte dólares americanos” – “uma soma insignificante comparada àquela que o oficial da corte devia ao rei”. Contudo, aquele que teve sua dívida perdoada agora resolve ser absolutamente incompreensivo. Recusa-se a dar um prazo e ainda mandou que o seu servo fosse lançado na prisão.moeda romana. Mais uma vez o Comentário Beacon faz uma atualização e o atualiza para “vinte dólares americanos” – “uma soma insignificante comparada àquela que o oficial da corte devia ao rei”. Contudo, aquele que teve sua dívida perdoada agora resolve ser absolutamente incompreensivo. Recusa-se a dar um prazo e ainda mandou que o seu servo fosse lançado na prisão.
Os demais servos, ao sentirem-se revoltados pela atitude injusta do credor incompasivo, levam o assunto até o conhecimento do rei. O credor acaba recebendo o castigo que merece. Jesus termina com a advertência de que Deus fará o mesmo quando não perdoarmos cada um de nossos irmãos que nos ofendem.

Texto extraído da obra: As Parábolas de Jesus: As verdades e princípios divinos para uma vida abundante. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2018

COMENTÁRIO E SUBSÍDIO III

INTRODUÇÃO

Essa parábola é uma daquelas que trata do relacionamento entre os discípulos de Cristo, ou seja, como estes devem se comportar no âmbito do Reino. Apesar de nossas Bíblias a intitularem de a "parábola do credor incompassivo", o que ela ensina, de fato, é a forma de lidar com a ofensa e com o perdão. Ela mostra a graça e, ao mesmo tempo, a responsabilidade. Se, por um lado, Deus nos perdoa por intermédio de sua infinita graça, por outro, temos a responsabilidade de perdoar aqueles que nos ofendem. Há quem julgue ser esta uma das parábolas menos complexas entre as que foram pronunciadas por Cristo. Ela acaba sendo contada por Jesus por causa de uma pergunta de Pedro a respeito de quantas vezes devemos perdoar nosso irmão, e termina dizendo como nosso Pai celestial fará conosco, ou seja, uma vez que fomos perdoados, devemos da mesma forma perdoar todos aqueles que nos ofendem.
A Parábola do Credor Incompassivo, também conhecida como Servo Ingrato, Servo Impiedoso, Servo Incompassivo ou Servo Mau, é uma Parábola que tem como foco o perdão, um dos temas principais do Reino dos Céus. O tema principal dessa maravilhosa história não é o perdão de Deus concedido ao homem (embora isso esteja presente), mas o do homem em direção a outro homem. Esta parábola foi contada pelo Salvador em resposta à uma pergunta de Pedro, sobre quantas vezes se deve perdoar a um irmão. O Apóstolo Pedro pensava que seria suficiente perdoar por até sete vezes. Em resposta, Pedro ouviu que  deve-se perdoar sempre, infinitamente. Entendemos pela parábola que as nossas ofensas aos próximos, se comparadas à nossa dívida perante Deus, são tão insignificantes quanto algumas moedas comparadas a um capital milionário. Devemos ressaltar que o sentimento de estar ofendido é muito individual. Esta parábola, que ocorre apenas em Mateus, é uma narrativa muito simples sobre a necessidade de liberarmos perdão para aquele que nos ofendeu ou machucou. A razão é simples: fomos alcançados pelo gracioso perdão de Deus. Note que Mateus utiliza a designação Reino dos Céus- este é o jeito de Mateus falar Reino de Deus sem usar o nome de Deus, pois ofenderia a sensibilidade de seu auditório judeu (Mt 19.23-24). Este designativo se refere à igreja (Mt 16.18-19).

I. INTERPRETANDO A PARÁBOLA DO CREDOR INCOMPREENSIVO
                                                                 
1. A nova vida no Reino de Deus. O capítulo 18 de Mateus traz os ensinos de Jesus sobre a conduta dos seus discípulos como membros da nova comunidade trazida à existência por intermédio do recebimento de sua mensagem, os discípulos do Reino de Deus. O Reino possui valores essencialmente diferentes daqueles que caracterizam as instituições terrenas e as organizações desse mundo. Lembre-se de que nesse reino os humildes são os verdadeiramente grandes (Mt 18.1-4). No Reino de Deus, o "inferior" e mais "apagado" súdito leal ao seu Rei possui valor imensurável. A suprema ofensa na comunidade do Reino é quando os mais fortes e dominadores tornam a caminhada de fé dos irmãos mais fracos e mais sensíveis, difícil (Mt 18.6,7). De igual modo, mostrar desprezo pelos irmãos em Cristo é algo inaceitável (18.10). Com o objetivo de solidificar ainda mais o ensino desse Reino, Jesus fala sobre o perdão, e Pedro, admirado, faz a pergunta e o Senhor então conta a parábola (vv.15-35). Ao longo da história da igreja, os intérpretes não alegorizaram tanto esta parábola quanto o fizeram com as outras. A mensagem que a parábola quer transmitir é unicamente o perdão de Deus e a obrigatoriedade que os homens têm em perdoar em função de Deus já tê-los perdoado. Para finalizar, ela adverte a respeito do juízo divino sobre aqueles que se negam a fazê-lo.
Já gozamos um quinhão do Reino de Deus desde o momento que ingressamos no Corpo de Cristo mediante o arrependimento e fé (Mc 1.15) e pelo novo nascimento (Jo 3.3,5). O Reino de Deus não é físico nem geográfico nem político. Jesus disse para Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo”, mas está dentro de nós (Lc 17.21) e fala de uma qualidade de vida (Rm 14.17) regida por justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Os súditos desse Reino são pessoas diferentes (Mt 5.1-12) – Pobres, quebrantados, mansos, famintos de justiça, puros de coração, pacificadores, misericordiosos. Sua justiça excede à dos escribas e fariseus (Mt 5.20). A ponta da pirâmide neste Reino está invertida, o maior é o menor; o primeiro é servo de todos. Neste reino, a máxima é o perdão, e Pedro sabe que deve perdoar e que certamente precisará perdoar mais de uma vez, mas até quantas vezes? Qual o limite? Então arrisca um número: “Até sete?” Não existe contas nesse quesito, o dever é infinito, sendo esta a melhor resposta à misericórdia que nos foi derramada. Perdão é algo que nos liberta, sara e nos permite andar na presença de Deus. Onde não há perdão, não há cura, nem vida, nem alegria; tampouco existe saúde emocional ou espiritual. Perdão é um tema importantíssimo pelo seu poder terapêutico e libertador. Quando perdoamos, libertamos alguém e esse alguém, descobrimos, somos nós mesmos. Não perdoar por sua vez, é seguir acorrentado à outra pessoa, na expectativa do que de pior possa acontecer com ela. Não vale a pena.

2. Perdão ilimitado. Pedro parece ter se incomodado a respeito do que Jesus havia ensinado acerca do perdão no âmbito do Reino (18.15-20). A pergunta do apóstolo parece simples, mas traz um pano de fundo judaico. Pedro quer saber quantas vezes deve perdoar o irmão ofensor. Talvez tenha se sentido generoso ao sugerir: "Até sete?" (v.2l). Na tradição rabínica, não se exigia que alguém perdoasse mais do que três vezes. A resposta do Mestre certamente perturbou a Pedro. Porém, é preciso lembrar-se de que Jesus está se valendo de uma hipérbole, ou seja, não devemos entender tal "número" num sentido matemático preciso. Jesus ensina a perdoar quantas vezes forem necessárias, mas isso também deve ser feito de coração, isto é, devemos perdoar com liberalidade e sinceridade.
“Os mestres judaicos (os rabinos) ensinavam a perdoar até três vezes. Eles usavam a história de Israel, lembrando que Deus perdoara as nações inimigas apenas três vezes (veja isso em Amós 1.3, 6, 9, 11 e 13). Ora, se o próprio Deus perdoara apenas três vezes, diziam os mestres, por que ser mais justo que ele e perdoar mais vezes que ele? Perdoar três vezes estava de bom tamanho. Pedro resolveu “arrasar”: dobrou o número que os mestres rabinos recomendavam e deu mais um de quebra: “até sete?”.   Além disso, sete é um número simbólico, na cultura do Oriente antigo, pois era o número de dias na semana. Era o número que contava o tempo. Seu valor era mais que matemático, era simbólico. Na mística judaica dava a ideia de algo completo, bem extenso. Pedro não apenas excedeu o ensino dos mestres como mostrou que estava cheio de disposição para perdoar. Mas Jesus sempre foi desconcertante. Deu uma resposta a Pedro que, por certo, ele não esperava. Talvez Pedro pensasse que Jesus lhe diria: “Puxa, Pedro, você está crescendo espiritualmente, rapaz! Estou orgulhoso de você!”, mas não foi esta a palavra que Jesus deu. “Setenta vezes sete” ou, como pode ser, em uma variante de tradução, “setenta e sete vezes”. A primeira possibilidade é a mais aceita. Bem, setenta vezes sete dá quatrocentos e noventa. É este o número de vezes que temos que perdoar? A expressão de Jesus é mais que matemática. É teológica: Na cultura linguística da época sugere um número infinito de vezes. Nos escritos apócrifos, como no livro de Eclesiástico (não confunda com o livro de Eclesiastes, que está em nossa Bíblia), tinha este sentido, de um número ilimitado de vezes. Não há limites para o perdão que devemos exercer. Porque nosso padrão não é o trato de Deus com as nações no Antigo Testamento, mas é o ensino de Jesus, no Novo Testamento. Nós somos cristãos, e não judeus. Consideremos que não há limites para o perdão que Deus manifestou em Jesus. Quem foi perdoado deve perdoar. Tanto é assim que logo a seguir ele conta a parábola do credor sem compaixão (18.23-35). Quem provou o amor e perdão de Deus deve amar e perdoar os irmãos. João disse isso de maneira bem clara: “Queridas amigas e amigos, se foi assim que Deus nos amou, então nós devemos nos amar uns aos outros” (1Jo 4.11)” (ISALTINO).

3. Uma dívida impagável. Os servos de um rei eram oficiais de alta posição a serviço do imperador. Alguns deles, muitas vezes, em determinadas ocasiões emprestavam grandes somas de dinheiro do tesouro imperial. Nesta parábola, a quantia mencionada por Jesus é, mais uma vez, deliberadamente dada com exagero. É uma hipérbole que visa tornar mais nítido o contraste com a segunda dívida - "cem dinheiros". É difícil achar um equivalente no sistema monetário moderno, mas o Comentário Bíblico Beacon compara um talento com cerca de "mil dólares americanos", sendo que "dez mil talentos" (v.24), segundo o mesmo comentário, equivalem ao valor de "dez milhões de dólares". Trata-se de uma dívida impagável. O que Cristo quer ensinar é a completa falta de esperança de pagarmos o incomensurável débito que geramos por causa dos nossos pecados, até que eles fossem perdoados gratuitamente por Deus, por intermédio da morte do Filho de Deus na cruz do Calvário (Cl 4.13,14).
O termo grego nomisma, nomisma, "moeda" ou "regra", é derivado de nomo, nomos, "lei". É um nome genérico para o valor monetário básico indistinto. Jesus referia-se ao objeto em si, a moeda, sem aludir ao nome que lhe conferiria valor e distinção. Provavelmente era um denarion, o denário romano e/ou o grego talenton, equivalia a 6.000 dracmas/denários, seu peso em prata era de aproximadamente 21,6 Kg. O credor incompassivo de Mt 18.23-35, exige que um de seus conservos pague-lhe o que deve, isto é, cem denários, que equivalia a três meses e meio de trabalho. Não podendo, lançou-lhe na prisão. Sobressai-se aqui a sua falta de misericórdia em contraste com o perdão que lhe fora dado por parte do rei, pois devia-lhe a exorbitância de dez mil talentos (v. 24) ou 60 milhões de denários, algo simplesmente impossível de pagar, pois iria muitíssimo além do que o curto período da vida humana poderia ganhar, necessitando de um perdão incondicional e total do rei. Ele devia 60 milhões de denários, foi perdoado. Seu conservo lhe devia 100 denários e foi lançado na prisão por este ingrato servo sem a menor compaixão.

4. A recusa em perdoar. Ao voltar-se para o segundo quadro da parábola, Jesus diz que um homem, conservo com aquele cujo débito era impagável, devia "cem dinheiros" ao servo cuja dívida exorbitante junto ao rei fora perdoada (v.27). "Cem dinheiros" ou "cem denários" era uma moeda romana. Mais uma vez o Comentário Bíblico Beacon faz uma atualização dizendo que o valor equivalia a cerca de "vinte dólares americanos", ou seja, "uma soma insignificante comparada àquela que o oficial da corte devia ao rei". Contudo, aquele que teve sua dívida perdoada agora resolve ser absolutamente incompreensivo. Recusa-se a dar um prazo para que o homem pudesse quitar a dívida e ainda mandou que o seu servo fosse lançado na prisão (vv.28-30). Os demais servos, ao sentirem-se revoltados pela atitude injusta do credor incompreensivo, levaram o assunto até o conhecimento do rei (v.3l). O credor acaba então recebendo o castigo que merece (vv.32-34). Jesus termina com a advertência de que Deus fará o mesmo quando não perdoarmos cada um de nossos irmãos que nos ofendem (v.35).
Todos os seres humanos que nascem debaixo do sol são devedores a Deus. Se ele nos chamar para acertar as contas, ninguém ficará de fora. Pior ainda é saber que não temos como pagar nossa dívida. Ela é grandiosa demais. Jesus fez uso de uma hipérbole ao falar sobre a dívida desse homem. Dez mil talentos era uma dívida assustadora. Se formos entregues a nós mesmos nossa sorte seria a perdição eterna. Não há nada que possamos fazer para mudar isso. Nenhum ser humano, nenhum de nós jamais podería saldar nossa dívida para com Deus porque não há justiça em nós. A nossa única garantia de ingresso no céu é a obra de Jesus Cristo. Somos seres falidos moral e espiritualmente. Ainda que consigamos evitar muitos pecados grosseiros, o fato é que um único que cometêssemos nos levaria para o Inferno.



SUBSÍDIO EXEGÉTICO
                               
“A chamada de Jesus ao perdão imediato é a ocasião para esta parábola. Mateus une fortemente as duas passagens com as palavras ‘por isso’ (dia touto, traçados dução literal). Jesus começa dando um exemplo de perdão extravagante. O fato de um servo (provavelmente ministro da corte) dever dez mil talentos é incrível; Jesus exagera a soma astronômica para causar efeito. Um talento era alta denominação de dinheiro, equivalente de seis a dez mil dinheiros ou denários (um denário era o salário mínimo de um operário pelo trabalho de um dia). Em termos do dinheiro de hoje, seria uma dívida na casa dos bilhões de dólares. O servo nunca viveria o suficiente para acumular ou fraudar tal quantia. É situação tão desesperadora, que ele e sua família terão de ser vendidos como escravos (v.25), mas até isso apenas faria cócegas na importância devida. Responder como o homem pagaria está além da função da parábola” (SHELTON, James B. In ARRINGTON, French L.; STRONDAD, Roger (Eds.). Comentário Bíblico Pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.108).

II. EM CRISTO, DEUS PAGOU AS NOSSAS DÍVIDAS

1. Nossa dívida impagável. A Palavra de Deus deixa claro que o salário do pecado é a morte (Rm 6.23) e, do mesmo modo, ela ensina que todos somos pecadores (Rm 3.23). É bom Lembrarmos que até mesmo nós, os que servimos a Cristo, outrora éramos mortos em delitos e pecados (Ef 2.1). É justamente por causa de nossos delitos e pecados que contraímos uma dívida impagável. Assim como aquele servo que devia dez mil talentos, nós não poderíamos pagar nossa dívida para com Deus. Essa dívida exigia um sacrifício de sangue, pois sem derramamento de sangue não há remissão de pecados (Hb 9.22). A única forma de pagarmos nossa dívida seria com o derramamento de sangue e, isso, exigiria a nossa própria vida. Portanto, nossa dívida para com Deus é impagável.
Como já discorri no tópico I, o tema principal dessa maravilhosa história é o perdão, não o de Deus concedido ao homem, embora isso esteja presente, mas o do homem em direção a outro homem. Mas analisando o valor da nossa dívida para com Deus e a impossibilidade de pagarmos, resume-se que:
- A penalidade infalível para o pecado é morte: espiritual, física e eterna (Gn 2.17; Rm 5.12-14; 6.23). Para um homem ser salvo, esta penalidade tem que ser removida;
- Ela o foi por (e em) Cristo, que levou sobre Si nossa penalidade (sua morte foi vicária/substitutiva - Is 53.5-6; 1Pe 2.24; 2Co 5.21).
- Agora, Deus dá a remissão àquele que crê e recebe Seu Filho (At 13.38-39; Rm 8.1,33-34; 2Co 5.21).
Note, ainda, que somos considerados pecadores diante de Deus não por causa dos nossos delitos e pecados, estes são consequência do nosso estado – nascidos destituídos da glória de Deus (Rm 3.23). Note a progressão em Romanos 5.12: O pecado entrou no mundo através de Adão, morte segue o pecado, morte vem a todas as pessoas, todas as pessoas pecam porque herdaram pecado de Adão. Porque “...todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”, necessitamos de um sacrifício perfeito e sem pecado para purificar nosso pecado – isso é algo que somos incapazes de fazer sozinhos. Graças a Deus que Jesus Cristo é o Salvador do pecado! Nosso pecado foi crucificado na cruz de Jesus, e agora em Cristo (Cl 2.14) “temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Ef 1.7). Deus, em Sua sabedoria infinita, providenciou o remédio para o pecado que herdamos, e esse remédio está disponível a todos: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.9).

2. Deus pagou as nossas dívidas. O próprio Deus, que poderia ser o nosso credor eterno, providenciou uma forma para que pudéssemos "pagar" a nossa dívida. Ele enviou seu Filho na plenitude dos tempos (Gl 4.4), para que todo aquele que confessar o Nome do unigênito Filho de Deus não pereça, não morra, ou seja, não tenha de receber a justa retribuição pela imensa dívida do pecado (Gl 4.5). Ao morrer em nosso lugar na cruz do calvário, Cristo verteu o sangue necessário para a remissão de nossos pecados. Ali na cruz "havendo riscado a cédula que era contra nós", Deus em Cristo pagou as nossas dívidas.
A expressão "plenitude do tempo": indica a chegada do tempo escatológico ou messiânico encerrando um longo período de séculos de espera da humanidade. (Mc 1.15; At 1.7; Rm 13.11; 1Co 10.11; 2Co 6.2; Ef 1.10; 1Pd 1.20). O termo “plenitude” no versículo mostra-nos o sentido de cumprimento. O significado teológico vem do contexto que envolve. Foi Jesus, o Verbo encarnado que pagou o nosso resgate para libertar-nos do pecado, da morte e do inferno. Nos livros Mosaicos, o Pentateuco, mais precisamente em Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, encontramos os requisitos exigidos por Deus para os sacrifícios. Naquela dispensação, os sacrifícios de animais para a expiação substitutiva eram apenas figura do Calvário, onde Cristo tomou o lugar da morte, uma vez que a morte é a penalidade pelo pecado (Rm 6.23). Na cruz Jesus bradou "tetelestai", uma expressão grega que pode ser traduzida como "está consumado", "totalmente pago" ou "dívida cancelada". Esta declaração não foi o gemido de um homem derrotado, mas o grito triunfante da vitória do Filho de Deus, nosso Salvador. No primeiro século, quando um criminoso era preso, seus delitos eram registrados em um papiro conhecido como "cédula de dívida" ou "escrito de dívida". Ao cumprir a pena e chegando a ocasião de sua liberdade, o juiz responsável pela soltura do condenado, riscava a cédula, especialmente na parte onde os crimes estavam apontados, e, no rodapé, escrevia TETELESTAI. Pronto! O indivíduo não devia mais nada à justiça. Estava livre da condenação e, agora, poderia desfrutar da paz e da liberdade. Leia mais sobre isso em NAPEC

3. Nada pode nos condenar. Porque Deus, em Cristo, pagou as nossas dívidas, estamos livres da condenação do pecado. É a Bíblia que nos assegura que "nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito" (Rm 8.1). No versículo seguinte, Paulo explica que, em Cristo Jesus, o Espírito de vida, "me livrou da lei do pecado e da morte". Assim, porque a misericórdia é uma marca do ensino e do ministério do Senhor Jesus, podemos dizer que agora somos livres da condenação por tal grande misericórdia de Deus (Lm 3.22,23).
O evangelho é uma lei ou sistema totalmente diferente do sistema legal que encontramos na lei de Moisés. Não depende da capacidade humana, mas da capacidade divina. Não está baseada nas obras de justiça que o ser humano faz, mas na obra da justificação que Jesus Cristo fez ao morrer por nossos pecados e ressuscitar ao terceiro dia, e agora recebemos a maravilhosa bênção: “nenhuma condenação há para nós, os que estamos em Cristo, porque Ele já sofreu em nosso lugar o castigo pela condenação dos nossos pecados. Se Deus, o Juiz Supremo, justificar-nos, então quem poderá agir contra nós e prosperar, ou ter sucesso em sua empreitada? (Rm 8.33). A partir do momento em que Cristo nos justificou e passou a interceder por nós, ninguém mais pode nos condenar. A morte do Senhor Jesus em nosso favor teria pouco proveito caso ela fosse considerada separadamente da Sua valorosa ressurreição. E o Deus vivo que garante, seguramente, o cumprimento do propósito eterno de Deus. Assim, Ele está sentando agora à destra de Deus, cheio de glória e soberania, e de onde Ele é eternamente exaltado. O Senhor Jesus intercede por nós, junto a Deus Pai, pela autoridade que é inata à Sua divindade. Por causa da Sua morte vitoriosa, da Sua ressurreição vitoriosa, da Sua ascensão vitoriosa aos céus e da Sua intercessão vitoriosa por nós, o Senhor Jesus selou o propósito eterno de Deus. Em todo universo não há nada que possa prover maior garantia que a obra perfeita de Cristo.


III. UMA VEZ PERDOADOS, AGORA PERDOAMOS

1. Não endureça o coração.Se a misericórdia é uma marca do ministério de Cristo, deve ser também uma marca de seus seguidores. Por isso, no Sermão do Monte, a misericórdia é apontada como uma das características dos discípulos do Reino (Mt 5.7). Assim, não podemos endurecer o coração para com aqueles que nos devem, uma vez que Jesus jamais agiu dessa maneira. Antes, devemos tomar cuidado, pois a ênfase no juízo será proporcional à ênfase na misericórdia (Tg 2.13).
Como vimos no tópico 2, Deus quitou nossa dívida impagável fazendo recair sobre Jesus o castigo que estava reservado para nós, agora, como exemplo dessa infinita misericórdia, nós que fomos perdoados, devemos também exercitar misericórdia, aliás, esta deve ser uma marca distintiva de quem nasceu de novo, devemos perdoar nossos irmãos quantas vezes forem necessárias, lembrando que, perdoar não esquecer, perdoar é lembrar sem sentir dor. Fomos libertos do pecado mas ainda pecamos e carecemos do perdão todos os dias. Portanto, não podemos exigir justiça do outro e requerer misericórdia de Deus. Não podemos deixar que as mágoas embruteçam nosso coração. Mas ainda que embrutecido, nosso coração deve perdoar, por responsabilidade. Afinal, como discípulos de Cristo devemos imitá-lo. Refletir em nossas práticas o infinito amor que Ele manifesta em nós sem medida.

2. Devemos agir com misericórdia. O Reino de Deus não pode estar presente na vida da Igreja quando o mal não é combatido (Ef 5.11). A parábola, precedida pela pergunta de Pedro, ressalta a importância do exercício do perdão. Se Deus nos perdoou quando ainda éramos pecadores (Rm 5.8), não temos motivo algum para deixar de perdoar aqueles que nos ofendem. A misericórdia deve ser uma constante em nossas vidas. Devemos agir com todos de forma misericordiosa, fazendo com que isso predomine em nosso caráter como novas criaturas (2 Co 5.17).
“No Cristianismo o ser vem antes do fazer. Quem é, faz. A fé sem obras é morta. Vivemos num tempo em que a misericórdia parece ter desaparecido da terra. Os judeus eram tão cruéis quanto os romanos. Eram orgulhosos, egocêntricos, hipócritas e acusadores. Hoje, pensamos que se formos misericordiosos as pessoas vão nos explorar ou vão pular no nosso pescoço. Nesta bem-aventurança Jesus falou que a misericórdia é tanto um dever como uma recompensa. Os misericordiosos alcançarão misericórdia”.(Rev Hernandes Dias Lopes). O apóstolo Paulo diz: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. Todas as criaturas cumprem o papel para o qual foram criadas: as estrelas brilham, os pássaros cantam, as plantas produzem segundo a sua espécie. O propósito da vida é servir. Aquele que não cumpre a missão para a qual foi criado é inútil.

3. Devemos dar o presente que recebemos. Sabemos que todos os autênticos discípulos de Cristo receberam abundante perdão, graça e infinita misericórdia. E isso é um dom de Deus (Ef 2.4-8). É um presente do Pai para nós, que merecíamos a morte. Da mesma forma que recebemos tudo isso como presente de Deus, devemos presentearas pessoas com misericórdia e perdão (1 Jo 3.16).
A Bíblia diz: “Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hb 13.16). Quando abrimos a mão para ajudar o necessitado é como se você tivesse orando e adorando a Deus. O anjo do Senhor disse a Cornélio: “Cornélio… as tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus” (At 10.4). Sabemos que neste mundo exercemos a mordomia cristã e vamos um dia comparecer diante do juiz para prestar contas por todas as ações realizadas debaixo do sol (Lc 16.2). O apóstolo Paulo escreve aos romanos afirmando que o julgamento de Deus será justo e imparcial (Rm 2.9-11). Todos que pecaram perecerão ou serão julgados, indiferentemente de serem judeus ou gentios. Ao mesmo tempo, temos de ter a consciência de que, quanto maior o nosso conhecimento moral, maior será a responsabilidade diante do juízo.
“A intenção da parábola é mostrar que o ato inicial de misericórdia e perdão, exercido por Deus, deveria ser estendido as outras pessoas por nosso intermédio. Não haverá utilidade se tivermos o conhecimento teórico sobre o assunto estudado e não o aplicarmos no cotidiano. As lições não terão os objetivos cumpridos se não servirem de canal de reflexão à mudança de direcionamento de nossas vidas. O texto que narra a história do credor Incompassivo informa-nos que Deus perdoou-nos, e que esse perdão deve direcionar os nossos relacionamentos. A misericórdia do Senhor e o juízo de Deus, elementos intimamente ligados, são exaltados na história narrada por Jesus.” (Fonte:https://pib7joinville.com.br/estudos/entendendo-e-vivendo/3470-o-credor-incompassivo.html. Acesso em: 12 Nov, 2018).


SUBSÍDIO TEOLÓGICO

“Jesus de Nazaré, argumenta Hannah Arendt, foi ‘o descobridor do papel do perdão no reino dos assuntos humanos’. Pode ser muito afirmar que Jesus descobriu o papel do perdão social, visto que os profetas e sábios antes dEle também estavam cientes deste fenômeno, mas Ele claramente transformou o seu significado e significação de um modo que causou um efeito profundo na história humana.
“Se examinarmos os livros do Novo Testamento em ordem aproximadamente cronológica, mais uma vez identificaremos uma trajetória que nos leva a pensar no perdão de um modo que transcende as metáforas puramente legais ou financeiras. Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, claramente liga a chegada de Jesus com a previsão dos profetas hebreus referente à promessa de perdão e à vinda do Messias. Diferente das introduções mais longas dos outros Evangelhos, Marcos cita os profetas e em seguida declara que João Batista ‘apareceu’ e proclamou um batismo de arrependimento para (ou em voltado para) o perdão dos pecados (Mc 1.4)” (SANDAGE, Steve J.; SHULTS, F. Leron. Faces do Perdão. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, pp.137-38).

CONCLUSÃO

A parábola que estudamos, nesta lição, evita qualquer abuso ou presunção da graça que recebemos de Deus. Alguns, às vezes, querem apresentar um tipo de "graça" que não precisa ser levada muito a sério. Contudo, a Bíblia ensina a respeito de uma graça que é transformadora. Se você foi transformado por essa graça, conseguirá perdoar assim como foi e é perdoado por Deus, em Cristo Jesus.
Encerraria esta lição com as seguintes afirmativas:
- Devemos perdoar porque Deus nos perdoou (Amor: 1Jo 4.11, 19-21. Perdão: Ef 4.32, Cl 3.13);
- Devemos perdoar para que Deus nos perdoe (Mt 5.7; 6.12, 14-15; 7.2; Mc 11.25; Lc 6.36-38. Tg 2.13);
- O perdão que recebemos de Deus é descomunal. Nada poderia pagar nossa dívida para com Deus. O perdão que damos ao próximo é nada ou muito pouco, quando comparado com o que Deus fez (veja Jo 8.7). Nenhuma ofensa contra nós é imperdoável.
- Se alguém não está pronto para perdoar, também não está pronto para receber o perdão.

Achando-se as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome sou chamado, ó Senhor Deus dos Exércitos”. (Jeremias 15.16).

Francisco Barbosa
Disponível no blog: auxilioebd.blogspot.com.br